Poder e Governo

Dez anos depois, apenas duas das 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade foram cumpridas integralmente

Relatório do Instituto Vladimir Herzog aponta que 11 sugestões do colegiado foram resolvidas parcialmente e 16 não avançaram

Agência O Globo - 20/11/2025
Dez anos depois, apenas duas das 29 recomendações da Comissão Nacional da Verdade foram cumpridas integralmente

Dez anos após a conclusão dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), apenas duas das 29 recomendações gerais do colegiado foram integralmente cumpridas pelo Estado brasileiro, segundo relatório do Instituto Vladimir Herzog, que será publicado no próximo dia 25. O documento revela ainda que 11 recomendações foram atendidas parcialmente, enquanto 16 permanecem sem qualquer avanço.

O levantamento, antecipado pelo jornal O Globo, reconhece avanços pontuais, como a retificação da causa da morte nos atestados de óbito das vítimas do regime militar e o apoio ao funcionamento de órgãos de proteção e promoção dos direitos humanos. No entanto, o cenário pouco mudou em relação ao primeiro monitoramento, divulgado há dois anos, e 18 medidas seguem estagnadas desde então.

Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) afirmou que houve uma “mudança significativa no cenário” desde o relatório anterior, elaborado antes da atual gestão. A pasta destacou iniciativas sob sua responsabilidade, como a criação de memoriais — 50 locais já foram identificados, com previsão de chegar a 300. Segundo o MDHC, “recomendações que estavam paralisadas ou sem acompanhamento passaram a ter execução efetiva, integrando uma agenda estruturada de memória, verdade e reparação”.

Um dos pontos mais sensíveis é o reconhecimento da responsabilidade institucional das Forças Armadas pelos abusos cometidos durante a ditadura. Apesar disso, em setores militares, o aniversário do golpe de 31 de março ainda é celebrado. Essa prática ganhou respaldo institucional durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e, segundo o relatório, persiste, mesmo que de forma velada ou em clubes de reservistas. O governo Lula chegou a ameaçar punir militares da ativa que aderissem a essas comemorações, mas também optou por não realizar um ato crítico em 2024, quando se completaram 60 anos do golpe, para evitar atritos com as Forças Armadas.

A CNV também recomendou que a Lei da Anistia não seja aplicada a agentes públicos responsáveis por crimes como tortura e assassinato durante a ditadura. Entretanto, desde 2014, familiares das vítimas aguardam decisão do Supremo Tribunal Federal sobre ações que questionam a medida, com repercussão geral. Caso a tese seja acolhida, orientará todas as instâncias do Judiciário.

No período, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em processos relacionados ao massacre do Araguaia e ao desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva. O tribunal considerou que a Lei da Anistia não se aplica a graves violações de direitos humanos e que o país descumpre tratados internacionais ao adotar entendimento contrário.

Para Juliana Alcântara, uma das autoras do relatório, a falta de compromisso com a agenda da CNV fica clara diante do não cumprimento da 27ª recomendação, que propõe a criação de um órgão permanente para dar seguimento às ações do colegiado. O ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, chegou a prometer uma solução, mas o impasse permanece.

— Esperávamos que essa pauta estivesse mais consolidada. A impressão é que ninguém sabe ao certo onde esse órgão poderia ser alocado — afirma Juliana.

Sobre o tema, o MDHC informou que, desde 2023, mantém “monitoramento contínuo das recomendações sob sua competência”, por meio da Coordenação-Geral de Políticas de Memória e Verdade (CGPMV). O órgão, no entanto, possui atuação limitada.

As recomendações da CNV abrangem Executivo, Legislativo e Judiciário, e algumas dependem de ações nos estados e municípios. Entre as medidas consideradas cumpridas, o Instituto Vladimir Herzog destaca a revogação da Lei de Segurança Nacional e a implementação da audiência de custódia, importante para prevenir práticas de tortura e prisões ilegais.