Poder e Governo

Violência nas cidades: gasto estagnado e falta de padrão limitam ação federal

Especialistas apontam que o maior desafio não é a escassez de recursos, mas sim a ausência de coordenação nacional

Agência O Globo - 19/11/2025
Violência nas cidades: gasto estagnado e falta de padrão limitam ação federal
- Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

Apesar do aumento da preocupação da população com a criminalidade, o Brasil não registrou crescimento proporcional nos recursos destinados à segurança pública, especialmente no policiamento. Dados analisados pelo GLOBO mostram que, embora União, estados e municípios tenham ampliado seus gastos em valores absolutos, esses investimentos permanecem praticamente estagnados em relação ao Produto Interno Bruto (PIB): o índice, que era de 1,4% em 2021, está em 1,3% desde 2022. Em comparação com outros países emergentes, o país também investe menor proporção do PIB em ações diretamente vinculadas ao policiamento.

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Veja os principais pontos:

Especialistas ressaltam, porém, que a principal dificuldade não é a falta de verba, mas a ausência de coordenação e padronização nacionais. Mais de dois terços das despesas estão sob responsabilidade dos estados, sem um sistema unificado que organize e permita a comparação das ações.

Fora da meta fiscal

Na última segunda-feira, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, defendeu que parte dos gastos em segurança seja excluída do arcabouço fiscal, o que facilitaria um incremento nos investimentos. Embora exista uma função específica para segurança pública no orçamento federal, ela inclui rubricas além do policiamento, como recursos destinados à Defesa Civil. Em 2024, o aumento das despesas da União foi influenciado principalmente pelas transferências emergenciais ao Rio Grande do Sul após a tragédia climática do ano anterior.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os gastos federais passaram de R$ 15,4 bilhões em 2021 para R$ 21 bilhões em 2024. No entanto, esse acréscimo se deve sobretudo ao salto na verba da Defesa Civil, que subiu de R$ 1,6 bilhão para R$ 5,4 bilhões. Já os investimentos em policiamento tiveram variação modesta, de R$ 4,3 bilhões para R$ 4,6 bilhões. Os estados, responsáveis pela atuação direta na segurança pública, também pouco alteraram seus gastos na área nos últimos dois anos, passando de R$ 115,7 bilhões em 2023 para R$ 118,5 bilhões em 2024.

Mesmo sob outra metodologia, o Brasil segue abaixo da média internacional de países emergentes em gastos com serviços policiais. Relatório do Tesouro Nacional aponta que o país investe 1% do PIB nesse setor, enquanto economias como África do Sul, Bulgária e Turquia registram média de 1,2%. Essa classificação, baseada no padrão da OCDE, agrega despesas com polícia, tribunais de justiça, sistema penitenciário e proteção contra incêndios. Os dados revelam ainda que, embora gaste ligeiramente menos com policiamento, o Brasil tem despesa muito superior com o Judiciário: são 1,3% do PIB, frente a 0,5% em países emergentes e 0,3% em economias avançadas.

De acordo com Ursula Peres, professora de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), os dados evidenciam um problema nacional: a falta de padronização entre municípios, estados e governo federal. Os números, publicados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicam, por exemplo, que os gastos dos municípios têm crescido, mas ainda sem uma política pública nacional unificada, como ocorre, por exemplo, no Sistema Único de Saúde (SUS).

Desafio

Para Ursula Peres, o grande desafio é a ausência de um modelo nacional que organize o financiamento da segurança pública. Enquanto a saúde dispõe de um sistema único, o SUS, que define programas, métricas e padrão de gastos para todos os entes, a segurança ainda é marcada pela fragmentação. Cada estado estabelece suas próprias prioridades, categorias de despesa e até classificações criminais, dificultando o planejamento e a comparação.

— A existência de um sistema único na saúde permite organizar, de forma coordenada, os tipos de gastos de todos os entes e dar transparência ao que se faz no âmbito dos estados — afirma.