Poder e Governo

Atuação de Derrite no projeto Antifacção gerou críticas do Centrão e antagonismo entre Lula e Tarcísio

Integrantes do PP ficaram surpresos com a repercussão negativa das primeiras versões do relatório

Agência O Globo - 19/11/2025
Atuação de Derrite no projeto Antifacção gerou críticas do Centrão e antagonismo entre Lula e Tarcísio
Guilherme Derrite - Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Aprovado na noite de terça-feira pela Câmara, o projeto Antifacção só recebeu o aval de deputados após a apresentação da sexta versão elaborada pelo Guilherme Derrite (PP-SP). Ao longo de quase duas semanas, o caminho tortuoso do relator gerou incômodo do Centrão, mas serviu para manter viva a disputa política entre dois possíveis candidatos ao Palácio do Planalto, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Secretário de Segurança licenciado da gestão Tarcísio , Derrite teve inicialmente a sua escalação articulada pelo Centrão como uma estratégia para evitar que a proposta virasse uma bóia de salvação para o governo Lula na área de segurança.

A escolha é atribuída por caciques de partidos ao presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), que é aliado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Nogueira é um dos principais articuladores de uma candidatura de Derrite ao Senado em São Paulo e de Tarcísio à Presidência. Coube a Ciro, inclusive, um acordo com o PL de Jair Bolsonaro para levar Derrite ao PP recentemente.

Há também uma articulação para que Derrite seja candidato a governador caso Tarcísio não dispute a reeleição. Mas, diante da conturbada relatoria, os movimentos arrefeceram.  

Integrantes do PP ficaram surpresos com a repercussão negativa que as primeiras versões do relatório de Derrite tiveram. Uma análise corrente é que ele foi a escolha certa para conduzir o processo, já que é familiarizado com a área, mas que faltou ouvir mais líderes antes de apresentar o tema.  

Derrite apresentou diferentes textos e, em algumas delas, não ouviu líderes partidários, integrantes do governo e nem seus próprios aliados no bolsonarismo.  

Artilharia do governo

Embora Derrite tenha motivado um embate político com o Executivo, outra crítica feita nos bastidores é que o deputado não teria se preparado adequadamente para a artilharia do Palácio do Planalto contra o projeto.

Tarcísio evitou inicialmente falar publicamente sobre o projeto e não participou do encontro de governadores de direita com o presidente da Câmara na quarta-feira passada.

Ele se limitou a defender a escolha de Derrite para a função, mas o governador não se envolveu, por exemplo, na queda de braço do relator com a Polícia Federal (PF).

Tarcísio comentou sobre o projeto de forma mais detalhada apenas na quinta-feira, um dia depois de o texto ser adiado para semana seguinte.

O governador disse em entrevista em São Paulo que a "eleição está longe" e que "está focado no trabalho em São Paulo". Apesar disso, ele também criticou a condução de Lula na área da segurança.

Procurado, o governador disse por meio de sua assessoria que abordou o assunto em entrevista.

A assessoria de Derrite declarou que "o governador Tarcísio não está participando do processo (do projeto Antifacção) e a escolha foi técnica, com base na experiência que ele tem na área da segurança pública". Ciro Nogueira e Hugo Motta não comentaram.

O deputado Aluisio Mendes (Republicanos-MA), que intermediou reuniões entre Derrite e policiais federais para diminuir resistências ao projeto, criticou o governo.

— A escolha do deputado Derrite nada tem a ver com ideologia. Ele é um secretário de Segurança Pública com larga experiência. O governo ficou enciumado de ter mandado um projeto tardiamente e que não tem hoje alguém ligado ao governo para ser relator. Mas nada impede que o governo seja parceiro nesse projeto, em vez de estar questionado porque não é o dono da criança.

Terrorismo

De acordo com relatos de parlamentares envolvidos nas negociações, a ideia inicial era Derrite relator um projeto diferente, que equiparava as facções a grupos terroristas.

Parte do Centrão e da oposição se preparava para aprovar esse outro texto e deixar de lado o projeto Antifacção, sugerido pelo governo. No entanto, a tentativa teve que ser repensada porque o presidente da Câmara indicou ser contra classificar integrantes de facção como terroristas.

A solução encontrada por Motta, então, foi escolher Derrite para relatar o projeto do governo.

Preso, Bolsonaro fica alheio à estratégia

Embora o projeto Antifacção tenha sido celebrado pela direita, aliados ainda tentam alinhar com Jair Bolsonaro qual discurso político sobre o projeto será usado no embate com Lula.

Parte do Centrão e aliados de Bolsonaro também tentam convencer o ex-presidente a indicar Tarcísio como seu herdeiro político para 2026. A conversa entre os dois, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), só vai ocorrer em dezembro.

Integrantes da cúpula do União Brasil, que também participaram da escolha de Derrite como relator, veem um prazo curto para que a direita se una e temem que Bolsonaro seja preso no curto prazo sem ter amarrado um acordo com o grupo.

— Eu vejo o Derrite como grande especialista em segurança pública, pelo histórico dele, e o tema tem que ser tratado por quem já esteve envolvido em operações e não por estudiosos e acadêmicos que pouco entendem. Se ele está somando para o Tarcísio, ótimo. O Tarcísio é um governador muito bem avaliado — disse o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) ao GLOBO.  

Zema também quer disputar a Presidência, e discorda da estratégia dos partidos de Centrão.

— Eu já lancei a minha pré-candidatura, comuniquei a Bolsonaro, foi a primeira pessoa a ser comunicada. Ele é da opinião que vários candidatos da direita só somam pontos para a direita e cabe a ele tomar essa decisão.

Holofotes para Tarcísio

Do lado governo, o entorno presidencial viu na articulação da oposição para colocar Derrite de protagonista do tema uma forma de trazer Tarcísio aos holofotes de um assunto caro à direita como a segurança pública.

Estrategistas do governo acreditam que a oposição deve esticar a corda na área até onde der, já que temas econômicos, como reforma da renda, já estão equalizados no Congresso.  

— Foi uma operação montada, Derrite pegou o relatório pronto. Não é possível pegar licença de secretário num dia e no outro ter o relatório. Tarcísio está fazendo campanha eleitoral com Derrite, depois se escondeu quando viu o fracasso dos relatórios. Nós estamos ganhando o debate e insistindo que é preciso colocar as pautas que interessam a população — afirma o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), antes da aprovação do texto em plenário.

Centro das discussões do governo

Tema sensível para a gestão petista, a segurança pública ganhou importância e está no centro das discussões do governo. Em reação a reunião dos governadores de direita com Hugo Motta, Lula chamou seis ministros que já foram chefes de executivos estaduais no Palácio do Planalto na quinta-feira para uma reunião.

Uma ala do governo avalia que a articulação política falhou ao não detectar o movimento da oposição que costurou a ida de Derrite para a relatoria de um projeto que nasceu no Ministério da Justiça e era aposta de vitrine de Lula para a área da segurança pública.