Poder e Governo

Lula tenta se blindar de responsabilização política ao chamar ação no Rio de 'matança'

Presidente não quer ser marcado pelo 'omissão' caso haja identificação de abusos

Agência O Globo - 06/11/2025
Lula tenta se blindar de responsabilização política ao chamar ação no Rio de 'matança'
Lula

Ao declarar que a operação Contenção, realizada pelas polícias do Rio e que deixou 121 mortos, foi uma "matança", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quis deixar um registro de manifestação sobre o assunto para o futuro, ocasião em que eventuais investigações podem chegar à conclusão de abusos. A ideia do petista, segundo aliados, é não ser responsabilizado politicamente pela omissão. Além disso, apoiadores acham importante demarcar que o governo federal não vê como aceitáveis possíveis violações de direitos humanos, mesmo que os atos de repressão sejam populares.

Aliados próximos do presidente afirmam, reservadamente, que a estratégia de esperar para dar uma declaração pública também foi proposital. O Palácio do Planalto não quis dar corda a uma disputa midiática com a gestão de Cláudio Castro, mas o presidente avaliou ser necessário dar sua visão após os primeiros dias da operação, considerada a mais letal da história do país. 

 — O dado concreto é que a operação, do ponto de vista da quantidade de mortes, as pessoas podem considerar um sucesso, mas do ponto de vista da ação do Estado, eu acho que ela foi desastrosa — afirmou Lula em entrevista a agências internacionais em Belém, cidade que vai sediar a COP30 nas próximas semanas.

O presidente também disse que “houve uma matança” e que “é importante investigar em que condições ocorreu”. A escolha de falar a agências internacionais não foi trivial. Lula quis falar também para o público externo — na imprensa internacional a operação foi retratada majoritariamente de maneira negativa. 

Embora a operação traga ganhos de popularidade ao Castro no curto prazo, assessores próximos de Lula fazem um paralelo dessa operação com a que matou 111 detentos no Carandiru. No longo prazo e na História, o governo Fleury ficou marcado pelas execuções.

Um aliado que esteve com o presidente ao longo da terça-feira em Belém diz que a fala de Lula é lastreada na comparação com outras operações de combate ao crime organizado.

O exemplo usado mais por assessores de Lula é o da Operação Freedom, deflagrada pela Polícia civil da Bahia, estado governado pelo PT, na própria terça-feira. A polícia baiana deflagrou a operação com o intuito de desarticular o núcleo armado e financeiro do Comando Vermelho, a mesma facção criminosa que havia sido alvo da ação policial no Rio. 

A operação na Bahia prendeu 38 pessoas e resultou na morte de um único suspeito, que usava roupas camufladas e portava um revólver. Foram cumpridos 46 mandados de busca e apreensão, de forma simultânea, na Bahia e no Ceará e houve o bloqueio de 51 contas bancárias supostamente usadas pela organização criminosa. 

Na Contenção, 99 pessoas foram detidas, sendo 82 em flagrante e 17 com mandados de prisão. Além disso, foram apreendidos 96 fuzis, 25 pistolas e um revólver. 

No Planalto, a avaliação é de que ambas as operações policiais foram realizadas contra a mesma facção e para cumprir mandados judiciais, mas tiveram índices de letalidade muito diferentes. O argumento é que o número de mortos na Operação Contenção precisa ser investigado e que a operação policial na Bahia mostra que é possível combater o crime organizado com respeito ao Estado Democrático de Direito. 

Além disso, assessores do presidente lembram que, apesar de Lula não ter se manifestado publicamente sobre o tema nos primeiros dias, ministros como Guilherme Boulos (Secretaria-Geral da Presidência) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos) já haviam feito críticas à operação. 

Um movimento de endosso à operação do Rio ou um silêncio mais prolongado sobre o tema, diz um assessor próximo de Lula, poderia ser lido como oportunismo político, ao passo que a defesa de investigações e de ações policiais com o foco em ações de inteligência são bons contrapontos à ação. 

Lula disse em Belém que o governo federal já está "tentando (fazer) essa investigação".

— Estamos tentando, inclusive, ver se é possível os legistas da Polícia Federal participarem do processo de investigação da morte. A decisão do juiz era uma ordem de prisão. Não tinha ordem de matança e houve uma matança. É importante a gente verificar em que condições ela se deu — ressaltou o presidente.

Apesar disso, o governo de Cláudio Castro dispensou na quarta-feria o auxílio de peritos da Polícia Federal para analisar os corpos dos 117 mortos durante a operação Contenção.

 Juridicamente, uma investigação federal sobre as mortes só poderia ocorrer caso haja determinação da Justiça, o que pode ocorrer a pedido do Ministério Público ou da Defensoria do Rio.