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100 dias até as eleições: efeito Kamala acirra disputa na reta final nos EUA

Democrata cresce nas pesquisas nacionais e nos estados da ‘muralha azul’. Cenário fica similar aos de 2016, quando Trump venceu, e de 2020, quando o republicano foi derrotado; saiba quais são as estratégias de cada lado até novembro

Agência O Globo - GLOBO 28/07/2024
100 dias até as eleições: efeito Kamala acirra disputa na reta final nos EUA

Na política americana, nunca se conferiu tanto o calendário. Faz sentido. Em exatos 100 dias, os eleitores decidirão quem comandará, a partir de janeiro, a Casa Branca, as duas Casas do Congresso, 11 governos estaduais e centenas de cargos locais, além de questões como o direito ao aborto em estados decisivos, entre eles Nevada, em cenário polarizado. Democratas e republicanos só se unem no desabafo de cidadãos compreensivelmente esgotados: a sequência de acontecimentos históricos fizeram a folhinha parecer ter avançado seis meses nos últimos 15 dias. Período em que foram radicalmente alterados os ânimos dos militantes, as estratégias das campanhas e o volume de doações nos dois lados da disputa. Que, em sua reta final, ficou ainda mais acirrada e com resultado menos previsível.

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No último dia 13, Donald Trump, de 78 anos, sofreu atentado em comício na Pensilvânia. Cinco dias depois, sua tentativa de retornar a Washington foi confirmada na Convenção Republicana. Passaram-se três dias e o presidente Joe Biden, 81, após fritura interna desde seu tenebroso desempenho no primeiro debate televisivo, em junho, anunciou o fim de sua ambição em ser reeleito. Em pouco mais de 48 horas, a vice-presidente Kamala Harris, 59, conquistou o apoio da maioria dos delegados que, no fim de agosto, na Convenção Democrata, ungirão a primeira mulher negra e descendente de asiáticos com possibilidade de comandar a maior potência do planeta.

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A corrida eleitoral foi redefinida, de forma inédita, a pouco mais de três meses do pleito. E, naturalmente, buscou-se nos números bússola para os próximos capítulos até 5 de novembro.

Os democratas comemoraram, com razão, em pesquisas nacionais, o avanço de Kamala em relação a Biden. Em duas delas, as do New York Times e do Wall Street Journal, a democrata reduziu a vantagem do republicano de seis pontos para dois. Em outra, da Ipsos/Reuters, a vantagem, com distância idêntica, é dela.

'Rearranjo'

Se analisadas com lupa, indicam, como apontou Ezra Klein em seu podcast no New York Times, um “rearranjo”, com demonstração de força dos dois lados. Trump bate, no pós-atentado, seus melhores índices de aprovação, chegando a 48%. E Kamala trouxe de volta à coalizão governista a maioria de jovens, mulheres, negros e latinos.

O estatístico Nate Silver também destaca o retorno, com a retirada da decadência cognitiva do presidente do tabuleiro, a um cenário similar ao das disputas travadas por Trump em 2016 (quando venceu a ex-secretária de Estado Hillary Clinton) e 2020 (quando perdeu nas urnas de forma legítima para Biden). Mas ele enfatiza que essa “volta ao normal” diminui ainda mais a relevância de pesquisas nacionais em pleito decidido pelo Colégio Eleitoral, com distribuição demográfica que beneficia a direita. Há 20 anos, desde a reeleição de George W. Bush, o Partido Republicano não vence no voto popular uma eleição presidencial. E há 30 anos, desde a de Ronald Reagan, não o faz com a vantagem que Trump tinha sobre Biden nas pesquisas nacionais pré-Kamala. Mas isso em nada impede o repeteco de 2016.

Nos próximos 100 dias, as campanhas buscarão fazer com que o adversário defenda mais estados e queime mais recursos em novas frentes. O trumpismo já havia registrado avanço sobre Virgínia, Minnesota e Novo México, entre eleitores sem diploma universitário. Com Kamala, os democratas registram em pesquisas internas empate na Geórgia e na Carolina do Sul, que têm significativo eleitorado negro. E pesquisa da Fox divulgada ontem mostra empate em Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. Nas palavras de um veterano estrategista republicano, “chegou a hora de jogar War, e com dinheiro de verdade, não o do Banco Imobiliário”

As estratégias dos dois lados

KAMALA HARRIS: Não foi acaso o primeiro comício de Kamala ter sido no Wisconsin. Com Pensilvânia e Michigan, o estado faz parte da “muralha azul”, onde ela precisa vencer para chegar aos 270 votos no Colégio Eleitoral. São unidades marcadas pela desindustrialização e o sentimento antiglobalização, explorado pelo Faça a América Grande Novamente, de Trump. Em 2016, ele venceu nas três com menos de 1% de vantagem. Quatro anos depois, Biden o derrotou com margens maiores. Uma das diferenças, dizem democratas, foi o ânimo dos eleitores que queriam tirar Trump do governo

Daí a campanha investir no “não vamos retroceder”, que engloba a denúncia do assalto à democracia pelos trumpistas em 2021 e a defesa ao direito ao aborto, tema central, mostram pesquisas, nos três estados. E mais bem representado por Kamala do que pelo católico Biden.

DONALD TRUMP: O ex-presidente escolheu para vice o senador JD Vance, de Ohio, estado com características similares aos dos da muralha azul, de olho no simbolismo do jovem filho de trabalhadores caucasianos, típico da América Profunda.

A campanha prega que o recorde de entrada de imigrantes não-documentados nos anos Biden-Harris tirou o emprego dos americanos e aumentou a criminalidade no país, mensagem que ecoa tanto nas zonas rurais quanto nas urbanas dos três estados. O pico da inflação na pós-pandemia ainda é sentido no preço dos alimentos e do aluguel e alimenta o credo populista. Mas os republicanos temem que se Kamala escolher o popular governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, para vice, o efeito Vance, que já sofre com a rejeição das eleitoras por sua defesa do “modelo de família tradicional”, possa se dissipar.