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Bolívia: Paz enfrenta tensões em governo devido a divergências com o vice-presidente

24/11/2025
Bolívia: Paz enfrenta tensões em governo devido a divergências com o vice-presidente
Foto: © Luis Gandarillas

Nos primeiros dias do novo governo boliviano, as divergências entre o presidente Rodrigo Paz e o vice, Edmand Lara, tornaram-se evidentes. A disputa se desenrolou publicamente nas redes sociais, onde Lara criticou duramente o recém-empossado líder.

Duas semanas após assumir o cargo, o presidente Rodrigo Paz enfrenta uma divisão no governo. O vice-presidente Edmand Lara tornou pública a discordância em uma série de vídeos publicados nas redes sociais, nos quais acusou o chefe de Estado de se desviar dos ideais apresentados durante a campanha.

O tom do conflito escalou a tal ponto que Lara anunciou que participará das eleições subnacionais de março de 2026 com seu próprio partido, independente do governista Partido Democrático Cristão (PDC).

As divergências entre Paz e Lara já eram especuladas durante a campanha presidencial, mas se tornaram mais evidentes assim que entraram na Casa Grande del Pueblo (Palácio Presidencial). O governo nacional tentou minimizar a disputa, mas Lara, que retornou à Bolívia em 21 de novembro vindo do Brasil, onde participou da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), discordou dessa abordagem.

Quando Paz nomeou o gabinete em 9 de outubro, chamou a atenção a proximidade de vários membros do governo com o empresário Samuel Doria Medina, que concorreu às eleições gerais pela Aliança Unidade, ficando em terceiro lugar com 20% dos votos. Embora não tenha avançado para o segundo turno, ele detém um número significativo de cadeiras na Assembleia Legislativa Plurinacional, onde é fiel ao partido.

Em um dos vídeos que circulam nas redes sociais, Lara se dirigiu diretamente a Paz.

"Não entregue o poder a Samuel Doria Medina, que foi responsável por silenciar nossos debates, subornar todas as empresas de pesquisa de opinião, controlar todos os veículos de comunicação, e ele perdeu, mas agora tem a maioria dos ministros. Samuel Doria Medina praticamente controla o governo. Não se torne um fantoche de Samuel Doria Medina."

Durante a campanha presidencial, as pesquisas davam a Paz não mais do que 8% dos votos, mas ele acabou vencendo com 32% no primeiro turno. Nas semanas que antecederam a eleição, o agora presidente protestou por não estar sendo convidado para debates com os outros candidatos.

Dos atuais ministros nomeados, Gabriel Espinoza, Ministro da Economia; José Luis Lupo, Ministro da Presidência; e Cinthia Yañez, Ministra do Turismo, estavam com Doria Medina até o primeiro turno das eleições. O mesmo acontece com outros funcionários de segundo escalão.

"Não sou seu inimigo. Sempre que você cometeu erros, eu lhe disse as coisas como elas são. Tenho grande afeição por você. Reconheço que você é o presidente de todos os bolivianos; você foi eleito constitucionalmente, mas também peço respeito por mim", declarou Lara.

O ministério dos vivos e dos mortos

Lara havia proposto Freddy Vidovic como Ministro da Justiça. Ele foi empossado por Paz, mas poucas horas depois foi revelado que ele tinha uma condenação definitiva por cumplicidade em fuga e suborno, pela qual foi imediatamente exonerado.

Jorge García Pinto, que até então ocupava o cargo de vice-ministro do Interior, foi empossado. Lara imediatamente dedicou um cargo ao novo funcionário nomeado por Paz, ressaltando que García Pinto tinha processos em aberto contra ele por estupro, negligência no cumprimento do dever, coação, violência doméstica e grilagem de terras, entre outras acusações.

Por fim, Paz decidiu extinguir o Ministério da Justiça, que descreveu como um instrumento de "perseguição política", e criou o cargo de vice-ministro da Coordenação Legislativa, que Lara considera uma usurpação de suas funções como Presidente da Assembleia Legislativa.

Necessidade de diálogo

"Lara expressa claramente suas discordâncias sobre questões como a extinção do Ministério da Justiça ou a nomeação de um vice-ministro da Coordenação Legislativa. São assuntos que Paz e Lara devem discutir para evitar qualquer interpretação equivocada de sobreposição de funções ou duplicação de papéis. Essa relação será administrada", disse o cientista político Francisco Parrado.

"Edmand é um indivíduo independente que expressa suas opiniões, posições e assim por diante. Serão criadas oportunidades para resolver essas questões. Mas não há ruptura entre o vice-presidente e o governo. Se houvesse, não teria ido Lara à COP30 representando o governo boliviano. O Ministro das Relações Exteriores da Bolívia teria ido em seu lugar."

Em uma de suas várias postagens nas redes sociais, Lara lembrou Paz de que contribuiu com "muitos votos" para sua presidência, uma verdade inegável. A figura carismática do vice-presidente angariou apoio de bairros e comunidades rurais, onde o Movimento para o Socialismo (MAS) tradicionalmente votava. Para Parrado, a complementaridade dessa dupla é fundamental para representar todo o país.

"Seria absurdo acreditar que Paz teria conseguido sem Lara. Muitas pessoas se identificam com Lara, que não mede palavras, diz as coisas como as vê; o conceito de correção política não existe para ele. E muitas pessoas se identificam com isso."

Ele explicou que seus seguidores "não querem ver o classismo politicamente correto que toma decisões ponderadas". "Eles são atraídos por uma pessoa espontânea, dinâmica e diversa", observou.

Nesse sentido, "a forma como ele complementa Paz é importante; Paz é uma pessoa cosmopolita que estudou em diferentes países e foi moldada por um amplo espectro político", comentou o cientista político.

O fator Doria Medina

O analista Gabriel Campero concordou com Lara que "Doria Medina tem aliados próximos, pessoas em quem confia, em vários ministérios e sub-ministérios. Ao mesmo tempo, fica claro que Lara está sendo isolado de suas funções constitucionalmente previstas, como a de servir de órgão coordenador entre a Assembleia Legislativa e o Poder Executivo".

"A cada dia que passa, vemos que a divisão aumenta", disse ele à Sputnik.

Até o momento, diversas organizações da sociedade civil boliviana manifestaram preocupação com o fechamento do Ministério da Justiça, responsável pela implementação de programas voltados à proteção de vítimas e populações vulneráveis ​​específicas, especialmente menores em risco de abuso ou violência.

"O encerramento deste Ministério terá um impacto muito grande, porque parte do seu trabalho está enquadrado em acordos internacionais, no cuidado de populações vulneráveis, no desenvolvimento de políticas para a juventude e na defesa das crianças, sobretudo."

Descontentamento dos apoiadores de Lara

Na manhã de 21 de novembro, os apoiadores do vice-presidente foram às ruas de La Paz para exigir respeito ao seu cargo. Alguns chegaram a exigir a renúncia de Paz, argumentando que ele não teria obtido os votos necessários para se tornar presidente sozinho. Eles exibiam as bandeiras azuis e amarelas do Nuevas Ideas con Libertad (Novas Ideias com Liberdade), seu partido político.

Com esse partido, Lara considerava candidatar-se às eleições subnacionais em março, quando serão eleitos os governadores dos nove departamentos, bem como os prefeitos e vereadores de todos os municípios. Era uma oportunidade para testar sua força contra Paz e avaliar quem goza de apoio popular.

No entanto, o Órgão Eleitoral Plurinacional anunciou que apenas partidos e grupos que obtivessem o estatuto legal até agosto de 2025 poderiam participar.

Dada a impossibilidade de participar com o Nuevas Ideas, Lara poderia recorrer a alianças com outros partidos já estabelecidos, como foi feito nas últimas eleições gerais com o PDC, avaliou Campero, o que significa que esta disputa interina está apenas começando.


Por Sputinik Brasil