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EUA e a 'guerra às drogas': estratégia de interferência na soberania de Colômbia e Venezuela?
Em meio às tensões em alta na América do Sul com a atuação militar dos Estados Unidos sob a justificativa de combater o narcotráfico, o presidente Donald Trump acusou recentemente o homólogo colombiano Gustavo Petro de liderar facções criminosas na região.
Mesmo sem qualquer declaração de guerra no Congresso norte-americano ou procedimentos judiciais, as Forças Armadas dos Estados Unidos já provocaram a morte de quase 60 pessoas durante ataques contra embarcações em águas internacionais do Pacífico e Caribe. As operações militares começaram em setembro, sob a justificativa do governo Donald Trump de combater o tráfico de drogas. Porém, nenhuma prova foi apresentada até o momento.
Para o doutor em história da América contemporânea pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Marco Antonio Serafim, há uma reedição da chamada guerra às drogas, realizada peloa Casa Branca em meio à redemocratização na América Latina.
"É uma retórica e uma estratégia, acima de tudo, muito perversa: declarar uma guerra às drogas para que isso sirva de pretexto e justificativa para uma intervenção mais ampla, tanto política quanto econômica. É uma forma de apropriação territorial. Hoje, no século XXI, essa criação de narrativas falsas chega às raias da vulgaridade e do desrespeito", afirmou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
Nos últimos dias, por exemplo, Trump chegou a acusar o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de ser "chefe do tráfico internacional", mesma afirmação que foi realizada contra o líder venezuelano Nicolás Maduro. "Em 2020, houve uma tentativa que chamou bastante atenção [de derrubar Maduro]. Esses ataques e a presença militar dos Estados Unidos no mar do Caribe, ameaçando tanto a soberania da Venezuela quanto a da Colômbia, demonstram novamente esse modus operandi de criar uma narrativa falsa", acrescenta.
Porém, Serafim vê que desta vez há um discurso ainda mais "persuasivo na utilização de narrativas falsas" para criar instabilidades, alimentar o desejo por insurgências internas e ainda dividir as sociedades. Diante disso, o especialista afirma que o panorama na América do Sul é preocupante.
"Essa atitude também alimenta a extrema-direita e os ultraliberais na Colômbia, como se o governo Trump tivesse acendido uma chama de sobrevida. A extrema-direita global, fenômeno surgido no final da década de 2010 começa agora, nos anos 2020, a mostrar desgaste [...]. E agora, tenta se reanimar, reagrupar e se rearticular com essas notícias de ingerência dos Estados Unidos", resume.
Qual é a relação da Venezuela com os Estados Unidos?
Nos primeiros dias de mandato, Trump chegou a enviar um representante do governo norte-americano à Venezuela para discutir as relações entre Washington e Caracas, quando houve um encontro com Maduro. Mas o panorama rapidamente mudou até iniciarem as operações militares cada vez mais próximas da costa venezuelana — o governo norte-americano chegou a oferecer US$ 50 milhões (R$ 267 milhões) por informações que levem à prisão de Maduro.
"Vemos hoje muitas guerras de narrativas, blefes e recuos. Os EUA parecem buscar um casus belli com a Venezuela mas não conseguiram, então Trump direciona agora seus ataques ao governo colombiano e a Petro. Maduro reagiu recentemente com um discurso firme, defendendo a soberania dos povos e dos Estados latino-americanos. E isso é necessário, sobretudo porque a ONU não tem se mostrado capaz de mediar esse tipo de tensão", destaca.
A influência de Rubio nas decisões sobre a América Latina
Já a analista internacional e doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ana Prestes, cita ao podcast Mundioka a influência do secretário de Estado Marco Rubio nas decisões norte-americanas sobre a América Latina. Segundo a especialista, há anos Rubio "vem trabalhando para desestabilizar alguns governos, principalmente Cuba e Venezuela".
"Para eles, foi uma enorme derrota ter perdido governos apoiadores que tiveram na Colômbia, país que ela primeira vez em 200 anos de república tem um projeto de esquerda e progressista [...]. Eles têm essa sanha de desestabilização da América do Sul e nós temos muitos sinais disso com o apoio agora ao Milei e ao Comando Sul, que não sai da Argentina, e as idas do Rubio ao Paraguai, destaca.
Além disso, a especialista cita que as recentes acusações contra Petro e Maduro, chamados por Trump de líderes de facções ligadas ao tráfico, são raras na história da região.
"Trata-se de legitimar um discurso de defesa nacional, sustentado pela ideia de que o tráfico de drogas representa uma ameaça à segurança dos EUA e de que líderes políticos teriam controle sobre esse tráfico, tirando dele sua própria sobrevivência — inclusive política. Essa é uma narrativa que não surge de forma isolada: ela está ancorada em um projeto de intervenção e que também tem como alvo os recursos naturais, como o petróleo, as terras raras e o lítio. Tudo isso está em jogo", afirma.
Brasil é seguro em caso de guerra?
Diante das tensões em dois países que fazem fronteira com o Brasil, o Itamaraty pediu cautela e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a afirmar que as intervenções "podem causar danos maiores do que se pretendia evitar", sem mencionar diretamente as ações norte-americanas.
Marco Antonio Serafim frisou que o país busca se impor através das relações exteriores, marcadas nos últimos dias pela aproximação entre Lula e Trump. Apesar disso, o especialista ainda vê riscos sobre possíveis "ingerências" no país.
"Há deputados e senadores de extrema-direita praticamente implorando por operações militares dos Estados Unidos contra o Brasil, uma postura lesa pátria, crime previsto na Constituição de 1988. Essa instabilidade gerada pelos Estados Unidos alimenta insurgentes e uma extrema-direita que não faz oposição política ao governo, mas ao próprio Estado brasileiro", finaliza.
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