Finanças
Justiça determina inclusão da JBS Aves e mais duas empresas na lista suja do trabalho escravo
Mesmo após conclusão de processos administrativos, Ministério do Trabalho adotou medidas para excluir companhias desse cadastro
A Justiça do Trabalho de Brasília determinou que Aves e outras duas empresas do setor sejam incluídas, em cinco dias, no Cadastro de Empregadores, a chamada lista suja de trabalho escravo. Mesmo após processos administrativos concluídos, o Ministério do Trabalho e Emprego, que gerencia essa lista, adotou uma série de medidas que impediram a inclusão dessas empresas no cadastro, que é um documento público, divulgado semestralmente, para dar visibilidade aos resultados das fiscalizações de combate ao trabalho escravo.
JBS: J
A decisão foi proferida, na terça-feira, pela juíza do Trabalho substituta Katarina Roberta Mousinho de Matos, da 11ª Vara do Trabalho de Brasília, que constatou que o ministério, amparado por um parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU), tentou impedir a publicação dos nomes das empresas por razões políticas e econômicas, e não por critérios técnicos ou legais. A AGU entendeu que haveria "repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude" para as empresas.
Em sua decisão, a juíza Katarina Roberta classificou como grave o ato do Ministério do Trabalho de impor um “sigilo injustificável, que visa blindar os atos do controle social e judicial”. Ela observou que a Portaria Interministerial nº 4/2016, que dispõe sobre o Cadastro de Empregadores, veda a interferência política e que o uso desse expediente “afronta a finalidade administrativa, a impessoalidade, a moralidade, a jurisprudência do STF e a própria Portaria”.
Gravidade dos fatos
Para a juíza, a gravidade dos fatos narrados na investigação, envolvendo condições degradantes dos trabalhadores, tornam ainda mais inadmissível a tentativa de obstrução. Segundo a decisão da juíza, a JBS Aves Ltda, além da Santa Colomba Agropecuária S.A. e a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal (APAEB) já tinham processos administrativos completamente finalizados e, portanto, deveriam constar na lista.
A juíza afirma que a manobra do Ministério tinha como objetivo proteger companhias com grande peso econômico. Apenas empresas que já tenham esgotado todos os recursos administrativos, com garantia do contraditório e de ampla defesa, e que recebam decisões administrativas finais são incluídas na lista.
"A documentação juntada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) comprova o desvio de finalidade: os despachos fundamentam a avocação na ‘repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude’ e nos ‘reflexos na esfera patrimonial da empresa’, evidenciando que o móvel da decisão não foi técnico-jurídico, mas econômico-político", argumentou a juíza em sua decisão, afirmando ainda que a interferência do Ministério do Trabalho fere princípios constitucionais como impessoalidade e moralidade, além de violar a separação dos poderes.
Ainda segundo a juíza, permitir que o Executivo revise processos concluídos equivale a conceder um "poder de veto" político sobre decisões que deveriam ser imparciais.
Procurado, o Ministério do Trabalho e Emprego ainda não se manifestou.
Numa ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho (MPT) apontou a gravidade dos atos do Ministério do Trabalho e Emprego e processou a União para restabelecer a transparência da lista suja. Segundo o MPT, o ministério do Trabalho e Emprego, ocupado por Luiz Marinho, retirou as empresas do Cadastro.
"A situação foi ainda mais grave porque um dos despachos determinou que o ato não fosse publicado, impedindo a transparência sobre medidas de combate ao trabalho escravo. Diante do cenário, o MPT processou a União para determinar o retorno das empresas flagradas explorando trabalho análogo ao de escravo ao Cadastro de Empregadores", explicou o coordenador nacional de erradicação do trabalho escravo e enfrentamento ao tráfico de pessoas do MPT, Luciano Aragão, em nota publicada pelo MPT.
Segundo ele, o episódio não é apenas mais um caso de interferência política – "é o sintoma de um sistema que protege grandes corporações enquanto abandona trabalhadores à própria sorte”.
O procurador afirma que o argumento da relevância econômica das empresas para não incluí-las na lista “esconde escolha política clara: priorizar interesses corporativos sobre direitos trabalhistas. Aceitar que empresas poderosas merecem tratamento diferenciado é admitir que o Estado brasileiro se curva ao capital, mesmo quando este escraviza”.
Além do retorno das empresas flagradas explorando trabalho análogo ao de escravo, a decisão judicial proíbe a avocação indevida pelo ministro do Trabalho e Emprego. Também fica proibido o sigilo de atos decisórios ou a dispensa de publicação, garantindo a transparência da ferramenta do Cadastro de Empregadores. A magistrada alerta que eventual descumprimento pode caracterizar crime de responsabilidade e desobediência, improbidade administrativa e responsabilização pessoal da autoridade omissa.
Jornadas de trabalho de 16 horas
Numa operação realizada, no ano passado, fiscais do trabalho encontraram dez pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão para uma empresa contratada para carregar e descarregar cargas para uma unidade da JBS chamada JBS Aves, no . A fiscalização constatou que os trabalhadores realizavam turnos de até 16 horas, ficavam sem acesso a água potável e a empresa contratada realizazava descontos ilegais nos salários dos trabalhadores.
Em comunicado divulgado na época da fiscalização, a JBS informou que suspendeu imediatamente a empreiteira, rescindiu o contrato e bloqueou a empresa ao tomar conhecimento das alegações. "A companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos", disse a nota.
Ainda assim, os fiscais do trabalho decidiram que a JBS era responsável pelas condições de trabalho, já que não realizou a devida inspeção para garantir as condições de trabalho adequadas aos empregados.
A fiscalização também constatou nas outras duas empresas fiscalizadas irregularidades como a ausência de água potável, condições insalubres e problemas relacionados à segurança do trabalho. A reportagem tenta contato com a Santa Colomba Agropecuária S.A. e com a Associação Comunitária de Produção e Comercialização do Sisal (Apaeb) para comentar a decisão da Justiça.
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