Finanças

Audiovisual brasileiro cresce, oferece salários altos, mas segue marcado por instabilidade

Setor emprega mais que a indústria automotiva e paga acima da média, mas profissionais enfrentam jornadas longas, vínculos precários e buscam regulamentação

Agência O Globo - 30/11/2025
Audiovisual brasileiro cresce, oferece salários altos, mas segue marcado por instabilidade

Quase um ano após a campanha bem-sucedida que levou “Ainda estou aqui” ao Oscar, o Brasil volta a ganhar destaque internacional com “O agente secreto” como forte candidato aos tapetes vermelhos. O cenário reflete o crescimento e a sofisticação da indústria audiovisual brasileira, que já figura entre as maiores empregadoras do país. No entanto, a realidade dos profissionais ainda está distante do ideal.

Emprego e renda acima da média

Segundo estudo da Oxford Economics, o audiovisual gerou 608 mil empregos no Brasil em 2023 — 50% a mais que a indústria automotiva — e contribuiu com R$ 70,2 bilhões para o PIB nacional. O setor abrange não apenas o cinema, mas também produção de conteúdo para TV, streaming, publicidade, redes sociais, podcasts e outras plataformas. Apesar do volume expressivo, a maioria das vagas é temporária e com poucas garantias trabalhistas.

Mariana Costa, 24 anos, atua como assistente de direção, diretora criativa e produtora em diferentes projetos audiovisuais.

— Às vezes trabalho sem parar por um mês e me organizo para pausar nos meses seguintes, principalmente pela minha saúde mental. Tento administrar meus ganhos para garantir algum período de descanso, o que não é possível para a maioria dos trabalhadores do setor — relata. — Não tenho filhos, o que facilita manter a renda equilibrada.

Jornadas longas e salários elevados

Mariana explica que consegue se organizar melhor em campanhas publicitárias, mas no cinema a situação é mais instável. Os profissionais costumam receber por diária, o que, somado à logística das produções, faz com que as jornadas se concentrem em poucos dias, mas com muitas horas de trabalho. De acordo com a pesquisa da Oxford, a média salarial do setor foi de R$ 6.800 em 2024, mais que o dobro da média nacional (R$ 3.057).

— Nossa classe pode ganhar bem, chegando a R$ 20 mil por semana em grandes projetos, mas trabalha 12 horas ou mais por dia, sem contar o tempo de deslocamento. Em um mês, isso é exaustivo. Não existe uma legislação específica que regule esse tipo de serviço — afirma Mariana.

Para Fernanda Lomba, cineasta, produtora e diretora do instituto Nicho 54, que apoia profissionais negros no audiovisual, o setor ainda não se consolidou como mercado de trabalho formal no Brasil.

— Dificilmente você encontra um RH em empresas do setor. O produtor executivo geralmente acumula várias funções, o que já demonstra uma anomalia: o audiovisual não está respaldado por direitos trabalhistas como outras indústrias. A escala de trabalho exaustiva não é compatível com a jornada máxima de 48 horas semanais — observa Fernanda.

Busca por regulamentação e incentivos

A luta por mais segurança e direitos trabalhistas motivou a criação da Federação da Indústria e Comércio do Audiovisual (Fica), iniciativa recente de um grupo de produtores. O objetivo é trazer uma visão estratégica do audiovisual como atividade lucrativa, defendendo políticas públicas, linhas de crédito e incentivos para o setor, explica Walkíria Barbosa, diretora-executiva do Festival do Rio e uma das idealizadoras da entidade.

— Na Coreia do Sul, por exemplo, o Dorama e o K-pop se tornaram fenômenos globais, mas isso foi resultado de estratégia e investimentos, não de acaso — ressalta Walkíria.