A economia dos Estados Unidos cresceu no primeiro trimestre de 2024 impulsionada quase exclusivamente pelos investimentos em inteligência artificial (IA), o que evidencia uma fragilidade estrutural no cenário americano. A análise é do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, que vê na disputa tecnológica um ambiente de alta incerteza e risco para investidores.

“O que a gente vê é uma corrida de cavalo. Não dá para ganhar todo mundo. Em algum momento, uma empresa vai ter que se distanciar das outras e vai ganhar. O investimento nos outros, o que vai ser desse investimento? Tem uma fragilidade. É isso que preocupa a gente sobre a economia americana. O próprio FED (o Banco Central americano) está preocupado com isso, não é uma particularidade nossa. Até o comportamento em relação aos ativos parece um pouco aquele comportamento antes da crise do subprime. Todo mundo acha que vai conseguir sair a tempo, às vezes não dá tempo”, afirmou Mesquita.

O economista acrescentou que a indústria de IA pode enfrentar um freio devido à alta demanda energética. Ele também não descarta o surgimento de movimentos sindicais contrários à adoção dessas tecnologias e pressões de ambientalistas.

Pedro Schneider, também economista do Itaú Unibanco, detalhou que o efeito da IA no crescimento dos Estados Unidos se dá principalmente por dois canais: o investimento direto em softwares, data centers e infraestrutura computacional; e o chamado efeito riqueza. No primeiro semestre, 1,5 ponto percentual do PIB americano veio apenas desses investimentos, representando praticamente todo o crescimento de 1,6% registrado no período.

Schneider destacou ainda que há indícios — ainda não consensuais — de que a automação pode estar afetando de forma desigual o mercado de trabalho, elevando o desemprego entre jovens, já que funções mais simples, como as desempenhadas por estagiários, podem ser facilmente automatizadas. “Isso não é um consenso nos dados. Acho que tem outros motivos para o desemprego dos jovens estar acima dos adultos, mas um dos motivos seria esse da IA”, ponderou.

Os economistas também observaram que a guerra entre Rússia e Ucrânia acelerou a migração de reservas internacionais do dólar para outras moedas, especialmente entre bancos centrais. Segundo Mesquita, no início de 2025 havia otimismo generalizado com o potencial de crescimento dos EUA, levando investidores a concentrarem posições em ativos americanos.

Ao longo do primeiro semestre, no entanto, surgiram dúvidas sobre a sustentabilidade da expansão econômica, sobre a política econômica do governo e sobre a situação fiscal americana, fatores que enfraqueceram o dólar e impactaram outras moedas, inclusive o real.

Nos últimos dois meses, porém, Mesquita observa uma reversão parcial desse movimento, com o humor mais favorável ao dólar diante da ausência, no curto prazo, de cortes de juros nos EUA.

Efeito ‘Black November’

Ao comparar o desempenho econômico de novembro deste ano com o de novembro de 2024, Mesquita afirma que a economia americana segue “andando de lado”, com crescimento fraco. Entretanto, ele destaca uma mudança sazonal em 2025, impulsionada pela Black Friday, que deixou de ser um evento restrito a um dia e se estende por todo o mês.

“Ou seja, novembro agora é diferente do que era novembro há três, quatro, cinco anos atrás. O que estamos vendo é novembro forte e dezembro fraco, por conta da antecipação que tem a ver com os descontos”, explica.