Finanças

Ex-auditor fiscal de SP preso por corrupção alega ter sofrido golpe e trava negociação de delação premiada

Suspeito de receber R$ 1 bilhão em propinas para liberar créditos de ICMS para grandes empresas na Secretaria da Fazenda paulista, ex-auditor Artur Gomes da Silva Neto está preso desde agosto

Agência O Globo - 07/11/2025
Ex-auditor fiscal de SP preso por corrupção alega ter sofrido golpe e trava negociação de delação premiada
- Foto: Reprodução

O ex-auditor fiscal , preso desde agosto sob a acusação de chefiar um esquema bilionário de corrupção dentro da Secretaria da Fazenda estadual paulista, vem, desde o mês de setembro, negociando uma delação premiada com o Ministério Público.

Segundo os investigadores, as tratativas estão emperradas devido a um detalhe: Artur ainda estaria escondendo parte do dinheiro desviado.

Empresas implicadas:

Além de SP:

A primeira conversa entre representantes do MP e Artur ocorreu em 16 de setembro, às 14 horas, na Penitenciária II de , no Vale do Paraíba. Segundo fontes a par da investigação, os promotores entenderam que Artur mostraria o caminho da propina, indicando inclusive contas na Suíça e em paraísos fiscais mundo afora. Além disso, Artur também teria indicado que o número de funcionários públicos envolvidos na fraude poderia chegar a quinze.

As provas que os investigadores possuem dos recebimento e ocultação de recursos ilegais foram obtidas por meio de quebra de sigilo telemático autorizada pela Justiça. Parte desse conteúdo, incluindo milhares de trocas de e-mails pessoais e profissionais, foi obtida pelo GLOBO. Entre eles estão documentos intitulados "project dolphin" e "operação Suíça".

Sobre a ocultação de recursos recebidos por meio de propina, uma troca de e-mails entre Artur e uma empresa com sede nos Estados Unidos e nos Emirados Árabes Unidos aponta a efetivação de um acordo comercial cuja "fatura não incluirá nenhum identificador além de 'projeto dolphin'”, diz um dos representantes. Para o Ministério Público, as conversas são sobre meios de lavar o dinheiro ilegal. As suspeitas apontam que os montantes obtidos de forma criminosa poderiam chegar a R$ 1 bilhão.

No caso da chamada "operação Suíça", os promotores desconfiam que o acusado esteja ocultando detalhes e valores envolvidos da movimentação. Segundo um investigador que teve acesso ao processo, ao ser questionado sobre isso, Artur disse ter sofrido um golpe, motivo pelo qual teria perdido milhões de reais.

"Ele disse que o levaram para a Suíça para mostrar as contas, mas que chegando lá teria sofrido um golpe do tipo "golpe do bilhete premiado" e teria perdido R$ 50 milhões", afirma a fonte ao GLOBO, que diz ser "normal" em uma delação premiada o acusado querer "dar um balãozinho" nos investigadores, mas que no caso de Artur os termos usados estão mais para "passar a perna".

Devido aos impasses, o acordo hoje está "congelado", mas ainda não inviabilizado. Questionado, o MP paulista não se pronunciou. Também procurada, a defesa de Artur, feita pelo advogado Paulo Amador Bueno, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Como funcionava o esquema

Todo o esquema de fraude fiscal entre grandes varejistas e o então auditor Artur Gomes da Silva foi revelado durante a Operação Ícaro em agosto deste ano. O empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, assim como Mário Otávio Gomes, integrante da direção da Fast Shop, chegaram a ser presos após ser identificado um grande volume de comunicações entre as varejistas e os operadores do esquema, que também envolvia a Rede de Postos 28.

Segundo as investigações, o fiscal manipulava processos administrativos para facilitar a quitação de créditos tributários às empresas. Em contrapartida, recebia pagamentos mensais de propina por meio de uma empresa registrada em nome de sua mãe, Kimio Mizukami da Silva, professora aposentada de 73 anos. Constatou-se que o fiscal já recebeu, até o momento da operação, mais de R$ 1 bilhão em propina.

Kimio aparece como sócia formal da Smart Tax Consultoria e Auditoria Tributária Ltda., que, de acordo com o Gedec) funcionaria como uma empresa de fachada para o recebimento de propinas bilionárias. A partir do crescimento "absurdo" do patrimônio da aposentaada, o MP identificou um mecanismo estruturado para favorecer empresas do setor varejista em troca de vantagens tributárias indevidas.

Em 2021, a declaração de Imposto de Renda de Kimio registrava R$ 411 mil. No ano seguinte, o valor subiu para R$ 46 milhões. Em 2023, chegou a R$ 2 bilhões. Este aumento patrimonial teria sido decorrente da compra de criptomoedas, segundo declarado à Receita Federal. O MP apurou que essas criptomoedas teriam sido adquiridas por meio de valores recebidos da Smart Tax.

Acordos e novas investigações

Cerca de um mês após o escândalo, a cúpula da Fast Shop fechou um acordo de não persecução penal de R$ 100 milhões. Segundo o MP, a Fast Shop repassou um total de R$ 422,7 milhões à Smart Tax entre dezembro de 2021 e julho de 2025. Após o acordo, dois sócios e o diretor estatutário da Fast Shop, Mário Otávio Gomes, se livraram das consequências.

Em troca da propina, a varejista obteve de forma fraudulenta cerca de R$ 1,59 bilhão em créditos de ressarcimento de ICMS. Esses créditos foram então vendidos a grandes empresas, que os utilizaram para compensar o pagamento de seus próprios tributos.

Na época, o Ministério Público esclareceu que o valor de R$ 100 milhões é uma prestação pecuniária penal e independe do pagamento de eventuais débitos tributários, que serão cobrados à parte. Como parte do acordo, os investigados também se comprometeram a implantar um rigoroso programa de "compliance" na empresa.

Já a Rede 28, fechou um acordo de R$ 4,8 milhões para resolver sua participação na Operação Ícaro após confessar ter repassado R$ 6,6 milhões em propina à empresa Smart Tax. Junto do acordo, o órgão denunciou outras sete pessoas acusadas de participação nas fraudes por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

O proprietário da rede de postos, Paulo César Gaieski, também firmou um acordo de não-persecução penal e se livrou das implicações. Os demais acusados, incluindo Artur Neto, foram denunciados pelo MP em setembro. No mês passado, a Justiça aceitou os apontamentos dos promotores e acatou a denúncia.

Nas últimas semanas, o Gedec abriu cinco novos procedimentos de investigação criminal (PIC) contra algumas das empresas citadas no esquema: Ultrafarma, Fastshop, , Kalunga e Autostar. Embora as duas primeiras tenham firmado acordos com a Promotoria, toda a cadeia criminosa envolvendo outros atores será objeto de investigação específica.

Outro lado

Em nota, a Fast Shop informou que "continuará colaborando com as autoridades em todas as investigações, como tem feito desde o início". Já o Grupo Nós, controlador da rede OXXO no Brasil, reafirmou "compromisso permanente com o cumprimento da legislação tributária brasileira e com a avaliação de serviços e fornecedores dentro dos limites da lei.".

"Em averiguações internas, o Grupo Nós não identificou qualquer relação comercial com a SmartTax. Para assegurar independência e rigor, a empresa contratou um escritório de advocacia especializado em compliance e investigações internas para conduzir uma apuração independente, sob a supervisão de seus auditores externos. Encerrada essa robusta apuração independente, não foram identificadas quaisquer ilegalidades.

Além disso, a companhia informa que não foi formalmente notificada sobre a investigação e que, desde as operações relacionadas à SmartTax, tem se mantido à disposição das autoridades competentes para, se necessário, prestar esclarecimentos e colaborar nos termos da legislação aplicável", diz a nota do Grupo Nós.

Procuradas pelo GLOBO, Ultrafarma, Kalunga e Autostar não responderam ao pedido de posicionamento. A defesa de Artur Gomes da Silva Neto também não enviou nota até a conclusão desta reportagem.