Finanças

Banco Central mantém Selic em 15% ao ano

Nível, que foi alcançado em junho, é o mais alto desde julho de 2006, no primeiro mandato de Lula

Agência O Globo - 06/11/2025
Banco Central mantém Selic em 15% ao ano
- Foto: Reprodução

O Banco Central (BC) manteve a taxa Selic em 15% ao ano pela terceira vez consecutiva na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta quarta-feira (dia 5), apesar dos apelos do governo federal. O nível, que foi alcançado em junho, é o mais alto desde julho de 2006, no primeiro mandato de Lula, e a estabilidade nesta quarta-feira já era esperada de forma unânime no mercado financeiro.

No comunicado, o BC sinalizou de que os juros devem permanecer neste patamar por "período bastante prolongado" para alcançar a meta de inflação de 3,0%, mas afirmou categoricamente pela primeira vez que considera que o nível atual é suficiente para atingir esse objetivo. A ata da reunião, com fundamentos mais detalhados, só sai na semana que vem.

"O cenário atual, marcado por elevada incerteza, exige cautela na condução da política monetária. O Comitê avalia que a estratégia de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado é suficiente para assegurar a convergência da inflação à meta", diz o comunicado de hoje.

"O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso julgue apropriado", informou o BC nesta quarta-feira.

Até o encontro anterior, em setembro, o Copom dizia que estava avaliando se o patamar de 15% seria suficiente para atingir a convergência inflacionária se mantido por "período bastante prolongado". Ou seja, a indicação é de maior confiança nos resultados da estratégia atual de política monetária, mas, ao mesmo tempo, o BC ainda não abre nenhuma brecha para uma discussão sobre queda de juros.

Dessa forma, ganha ainda mais força a expectativa já majoritária entre economistas do mercado financeiro de que a autoridade monetária deve manter a Selic em 15% em dezembro, a última reunião do ano, e só iniciar os cortes em 2026, entre janeiro e março.

Apelos do governo

A postura dura do BC, mesmo com alguns sinais de moderação da inflação, tem aumentado as cobranças de integrantes do governo por uma redução de juros, inclusive Lula, responsável pela escolha de Gabriel Galípolo para presidência da autoridade monetária.

O chefe do Executivo disse recentemente que o BC “vai precisar começar a baixar os juros”. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi na mesma linha em evento nesta terça-feira em São Paulo.

— Eles vão ter que cair. Por mais pressão que os bancos façam sobre o Banco Central para não baixar juros, elas vão ter que cair. Não tem como sustentar 15% de juros reais com a inflação batendo 4,5% — disse. — Eu não sou diretor do Banco Central. Se eu fosse, votava pela queda.

O Copom, por sua vez, vinha repetindo o mantra de que é necessário “perseverança, firmeza e serenidade” para alcançar a convergência da inflação para a meta de 3,0%.

Projeções longe da meta

Um dos motivos que justificam a estratégia de manutenção são as estimativas de inflação, que continuam acima da meta, como mostram as projeções atualizadas do BC no cenário que considera a taxa Selic do Boletim Focus, de 15% no fim de 2025 e de 12,25% no encerramento de 2026.

No prazo em que o colegiado trabalha para colocar a inflação na meta, que agora é o segundo trimestre de 2027, a estimativa é de 3,3%. No Copom anterior, o foco era o primeiro trimestre de 2027 e a projeção era de 3,4%. Para o fim de 2025, a estimativa caiu de 4,8% para 4,6%, ainda acima do teto da meta, que é de 4,5%. Para o término de 2026, a projeção foi mantida em 3,6%.

Além das projeções de inflação elevadas, o colegiado citou que o cenário atual segue marcado por expectativas desancoradas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho.

"Para assegurar a convergência da inflação à meta em ambiente de expectativas desancoradas, exige-se uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado", destacou o colegiado.

No Boletim Focus, que reúne as expectativas do mercado, as projeções também caíram desde o último Copom, mas, da mesma forma, continuam acima da meta em diferentes prazos. Para este ano, a estimativa saiu de 4,83% no último Copom e se aproxima do teto da meta de 4,50%, a 4,56%. Para 2026, a projeção caiu de 4,30% para 4,20%, enquanto, para 2027, a queda foi de 3,90% para 3,82%.

"As expectativas de inflação para 2025 e 2026 apuradas pela pesquisa Focus permanecem em valores acima da meta, situando-se em 4,5% e 4,2%, respectivamente", afirmou o BC nesta quarta.

O comunicado traz, porém, melhoras marginais nas considerações do Copom sobre a evolução do cenário. O comitê reconheceu "algum arrefecimento" da inflação cheia e das medidas subjacentes nas últimas leituras inflacionárias, mas ponderou que continuaram acima da meta.

Os últimos dados de inflação, como o IPCA-15 de setembro (0,48%), surpreenderam favoravelmente, inclusive em grupos de preços mais resistentes. Mas o índice acumulado em 12 meses (5,32%) segue fora da margem de tolerância da meta, que vai até 4,50%, e a inflação de serviços, por exemplo, permanece em nível bastante alto.

Em relação à atividade econômica no Brasil, o BC destacou que a " trajetória de moderação no crescimento da atividade econômica" ocorre conforme esperado pelo comitê. No comunicado desta quarta, porém, o colegiado trocou a expressão "certa moderação" por "trajetória de moderação". Por outro lado, manteve a avaliação que o mercado de trabalho "ainda mostra dinamismo".

Quanto ao cenário externo, o BC fez um comentário mais enxuto. Disse que o ambiente "ainda se mantém incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos", mas retirou o trecho que fazia referência ao impacto no comportamento e na volatilidade de diferentes classes de ativos. Limitou-se a dizer, repetindo a frase da reunião de setembro, que o cenário incerto traz reflexos para as condições financeiras globais.

"Tal cenário exige particular cautela por parte de países emergentes em ambiente marcado por tensão geopolítica", reforçou também.

Desde setembro, houve evoluções nas tratativas comerciais entre Brasil e EUA, embora sem efeito prático no tarifaço imposto pelo governo americano à parte das exportações brasileiras. Lula conversou com o presidente dos EUA, Donald Trump, na Malásia e foi acordado uma retomada nas negociações.

"O Comitê segue acompanhando os anúncios referentes à imposição de tarifas comerciais pelos EUA ao Brasil, e como os desenvolvimentos da política fiscal doméstica impactam a política monetária e os ativos financeiros, reforçando a postura de cautela em cenário de maior incerteza", disse o BC, repetindo a frase do Copom de setembro.

'Muito em aberto'

O superintendente de Pesquisa Econômica do Itaú Unibanco, Fernando Gonçalves, considera que o BC parece mais convicto de que a estratégia de manutenção da Selic está funcionando, o que se justifica pelas melhoras marginais no cenário de atividade econômica e de inflação. No entanto, a confiança maior não traz nenhuma indicação sobre quando essa estratégia mudará e o Copom começará a cortar os juros.

— O BC não quis passar nenhuma mensagem de quando começa a cortar, ou se está próximo, ainda fica muito em aberto.

Apesar de o BC não dar nenhum sinal, Gonçalves acredita que alguns pontos do comunicado trazem um viés de maior postergação do início do ciclo de redução da Selic, como a projeção de inflação no horizonte relevante ainda alta e a permanência da palavra "bastante" na caracterização do período em que os juros devem ser mantidos em 15%. O Itaú, por ora, espera a primeira redução em janeiro.

Impacto da isenção do IR

O economista do Itaú acrescenta que é crucial saber se o BC já incorporou às suas projeções de inflação a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, aprovada nesta quarta-feira pelo Senado.

— Se não tiver sido incorporado ainda, a chance é de ter que revisar para cima as projeções de inflação, o que aumenta a chance de postergação para março ou até mesmo abril.

Corte em dezembro fora da mesa

Arnaldo Lima, da Polo Capital, avalia que a maior confiança demonstrada pelo Copom na estratégia atual de juros aumenta as chances de um início de cortes em janeiro. A expectativa é de uma redução inicial de 0,25 ponto percentual, chegando ao final de 2026 em 12%.

— Parece que estão mais confiantes de que a taxa de juros afetou a economia, conforme o esperado.

Lima ainda destacou que a posição conservadora da diretoria do BC em meio à mudança dos integrantes e do regime de metas mostra fortalecimento da institucionalidade do órgão.

— Parece que o CNPJ fala mais alto do que o CPF dos diretores. Estamos colhendo os frutos da diretoria com pouco tempo.

Marco Caruso, chefe de Política Monetária e Mercados do Santander, avalia que um início dos cortes em dezembro praticamente saiu da mesa. Para quem já projetava cortes a partir de janeiro ou março, o comunicado não deve alterar o cenário.

— Porém, para quem trabalhava com cortes apenas após abril, o reconhecimento de avanços na desinflação e o recuo da projeção do IPCA no cenário de referência podem antecipar essa discussão.— afirmou.