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As jabuticabas azedas que só o futebol brasileiro produz

Disputa entre as ligas na última rodada é mais um fenômeno único no combalido Campeonato Brasileiro

Agência O Globo - GLOBO 17/08/2024
As jabuticabas azedas que só o futebol brasileiro produz
Jogos de futebol - Foto: Fernando Torres/CBF/Direitos Reservados

O Brasileirão-2024 promete ser eletrizante. Ninguém abriu vantagem ainda. Botafogo, Fortaleza, Flamengo, Palmeiras, Cruzeiro, São Paulo e Bahia estão na briga pelo título. Na metade baixa da tabela... gigantes tentam escapar da degola. Mas, claro, temos aquele percalços do Brasil-brasileiro — aquelas jabuticabas azedas que só fabricamos aqui.

A primeira delas é, obviamente, o calendário. Não há time que não sofra com lesões em série por conta do acúmulo de jogos da temporada tupi-guarani. Quatro meses de Estaduais sobrecarregam os clubes na reta decisiva das competições mata-mata e do próprio Brasileiro.

Botafogo e Flamengo vão disputar a liderança neste domingo. O primeiro já perdeu Júnior Santos, Jeffinho e Eduardo. O segundo ficou sem Pedro, Cebolinha, Viña e Gabigol. O Palmeiras perdeu Piquerez, ficou algum tempo sem Estêvão, Murilo e Mayke. Não há quem escape do massacre — que ainda inclui as datas FIFA e Copas Américas da vida.

Isso tudo sempre esteve no preço. É assim no Brasil desde Charles Miller. A grande esperança de solução era a Liga de Futebol. Ela viria para administrar o campeonato, argumentar por um calendário racional, trazer governança, profissionalizar a arbitragem, prezar pelo jogo.

Mas, contudo, porém, entretanto e todavia...

Em vez dela temos agora duas ligas. Na verdade... dois blocos comerciais que comercializam seus direitos de forma separada: a Libra e a LFU. A Libra já vendeu seus direitos até 2029 para a Globo. A LFU está negociando no mercado. O valor do que cada bloco vai receber depende do número de times que terá na Série A no ano que vem.

Se as Séries A e B acabassem hoje... cairiam Corinthians, Fluminense, Cuiabá e Atlético-GO (todos da LFU). E subiriam Santos (Libra), Novorizontino, América-MG e Mirassol (da LFU). Assim, no ano que vem, a Libra teria 9 clubes e a LFU teria 11 clubes na primeira divisão. Isso significa dizer — se terminasse assim — que a Libra teria 171 jogos e a LFU teria 209.

Mas... o campeonato não terminou. Então essa conta pode mudar. E quem cair leva consigo seus 19 jogos como mandante — o que tem impacto no valor dos direitos. E nem todas as quedas são iguais. Um eventual rebaixamento do Corinthians depreciaria o pacote da LFU para 2025. Ainda mais se for substituído por Mirassol ou Novorizontino. O mesmo raciocínio, com outro peso, acontece para uma eventual queda do Grêmio (da Libra).

O bode berra na sala porque o fim do campeonato trará uma nova espécie de jabuticaba: o confronto esportivo com impacto na receita futura. Exemplos da última rodada: Flamengo x Vitória (ambos Libra) e Vasco x Cuiabá (ambos LFU). Imagine o cenário: Flamengo já campeão (ou sem brigar por mais nada) e Vitória precisando de um empate para escapar do rebaixamento. Ou Vasco já livre da degola... e Cuiabá precisando do mesmo empate.

Se o Vitória ficar na Série A... será melhor para o Flamengo. O pacote da Libra será maior. O mesmo vai valer para o Vasco em relação ao Cuiabá — a grana da LFU será melhor. E esses são exemplos apenas da rodada 38. Quando a reta final se aproximar... vai faltar rede social pra acomodar teoria conspiratória. É nisso que a gente se meteu.