Esportes
Excesso de pressão ou estratégia? Por que cada vez mais clubes se dizem alvos do 'sistema'
O 'contra tudo e contra todos' tem sido utilizado tanto entre times da parte de baixo da tabela quanto do pelotão de frente
Presidente do América-MG, Marcus Salum desabafou, após a derrota de seu time para o Vasco, contra uma suposta influência do peso da camisa rival na arbitragem. Sua entrevista, dada no mês passado, ficou famosa pela expressão “Operação salva Vasco”, que acabou virando meme nas redes sociais. Em julho, o auxiliar técnico do Palmeiras João Martins já seguira caminho semelhante ao dizer que era “ruim para o sistema” o Palmeiras vencer o Brasileiro por dois anos seguidos. A frase, que também virou alvo de piadas, veio na esteira de reclamações sobre decisões do árbitro no empate com o Athletico. Em comum, a ideia de que o sucesso de seus clubes bate de frente com interesses maiores. Seja lá de quem for.
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Discursos conspiratórios se banalizaram no futebol brasileiro. Vão do lanterna da Série A a quem briga na parte de cima da tabela. A indignação com a arbitragem — rodada após rodada marcada por erros — é legítima e merece atenção. Mas por que a ideia de um complô contra os times se tornou tão propagada?
Para a psicóloga do esporte Maíra Ruas, com passagens por Botafogo e Vasco e atualmente trabalhando para o Comitê Olímpico do Brasil, isso reflete o excesso de pressão a que os profissionais do futebol estão submetidos. Ela lembra que nas ruas, nos estádios e, principalmente, nas redes sociais, atletas, membros de comissões e dirigentes são atacados a cada sequência de resultados negativos.
— Talvez como forma de se proteger e denunciar essa agressão este discurso ficou recorrente. Seja entre quem está em cima ou embaixo da tabela. Porque acabam todos passando pela mesma situação — avalia a psicóloga, que lembra ainda a profusão dos canais de Youtube voltados para torcedores, muitos sem nenhuma preocupação com os impactos de seus conteúdos.
— Quando o time não está vencendo eles detonam. Vivem de polêmica. E isso chega até dentro do clube.
O grito de desespero também pode se misturar com estratégia. Afinal, a ideia de um inimigo externo tem potencial para unir o elenco. Ou clube e torcida.
Também no mês passado, após derrota para o Atlético-MG marcada por reclamações de um gol anulado de Diego Costa, o então técnico do líder Botafogo Bruno Lage afirmou ter a sensação “de que querem que o campeonato continue animado até o fim”. Foi a insinuação de uma tentativa — não se sabe por parte de quem— de impedir que o time fosse campeão brasileiro com muita antecedência. Ele ainda encerrou o desabafo dizendo que o grupo estava pronto para lutar “contra tudo e contra todos”.
A reportagem apurou que, antes do discurso, Lage recebeu orientações do clube. Isso porque, na rodada anterior, ele havia desabafado contra a pressão pela manutenção dos resultados de seu antecessor (Luiz Castro) e chegou a dizer que o cargo estava à disposição. As declarações não repercutiram bem, e funcionários alvinegros procuraram alinhar com ele que o ideal seria focar nas adversidades externas.
A estratégia deu certo num primeiro momento. O “contra tudo e contra todos” caiu nas graças da torcida. Mas a sequência de cinco jogos sem vitória e dificuldades de entendimento com jogadores levaram a demissão de Lage 17 dias depois.
Um recurso muito popular no futebol brasileiro do século passado era pregar nas paredes dos vestiários jornais e revistas dando o adversário da próxima partida como favorito. O objetivo era transformar a falta de confiança externa em motivação para o elenco.
O São Paulo de 2023 o adaptou para os dias de hoje. Antes da final da Copa do Brasil, contra o Flamengo, foi exibido para os jogadores o trecho de um programa de abril, do canal ESPN, onde um comentarista opinava que o técnico Dorival Junior teria retrocedido na carreira ao aceitar comandar o tricolor paulista. Deu certo. Após o título, os atletas admitiram terem sido impactados pela declaração.
—Passou um vídeo seu falando, antes do jogo. Serviu de combustível, sim. Com certeza você não falou por mal, mas o mundo gira. Foi dar um murro na parede e quebrou a mão — disparou Rodrigo Nestor, que no dia seguinte à conquista participou de um programa na emissora, ao próprio jornalista autor da frase.
Maíra Ruas concorda que a indignação pode, sim, ser utilizada como motivador. Mas faz uma ressalva:
— Pode-se usar a favor. Mas tem que saber fazer. Senão, é um tiro no pé. O excesso de agressividade competitiva faz você perder a lucidez de jogo. A equipe pode sofrer mais cartões, dar entradas mais duras. Mas se é um time que tem o giro mais baixo e precisa de estimulação aí o recurso é bem-vindo — pontua a psicóloga.
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