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Como Conmebol planeja sair do prejuízo e virar um jogo até agora perdido contra o racismo

Mesmo ainda em andamento, Libertadores e Sul-americana já registram mais casos do que em 2022

Agência O Globo - EXTRA 28/09/2023
Como Conmebol planeja sair do prejuízo e virar um jogo até agora perdido contra o racismo
Conmebol - Foto: Instagram - @conmebol

A Conmebol viu o racismo voltar a crescer neste ano em suas competições — Libertadores e Sul-Americana, que chegam à reta final. Os casos saltaram de 12 na temporada passada para 20 em 2023, sendo que ambas edições ainda estão em curso. O salto de 66,6% ligou o alerta da confederação, que anunciou, há um mês, parceria com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. O acordo visa uma reviravolta numa batalha até aqui perdida pela entidade que rege o futebol sul-americano.

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Dos 20 casos, levantados pelo próprio Observatório, apenas nove levaram a Conmebol a aplicar penas. Para Marcelo Carvalho, diretor da instituição, o desafio vai além da punição. Em conversa com O GLOBO, ele explicou que o objetivo do projeto anunciado em agosto será promover a conscientização racial em torcedores e clubes dos outros países do continente.

— A ideia é que a gente comece a falar sobre discriminação racial e equalize esse debate. O Brasil está muito mais adiantado do que os outros países. O nosso processo é a educação e conscientização dos responsáveis, que são os clubes, os dirigentes... As conversas começam nesse sentido — explicou Marcelo.

A discrepância entre a forma como os casos de racismo em estádios são tratados no Brasil e nos países vizinhos salta aos olhos. Como por aqui os atos de injúria racial são previstos no Código Penal, tornou-se comum que clubes estrangeiros divulguem “cartilhas” de comportamento aos seus torcedores, destacando o risco de prisão. Embora o objetivo seja o alerta e a conscientização, de acordo com Marcelo Carvalho o que isso acaba gerando, na prática, é um sentimento de revolta em relação aos brasileiros.

— Queremos que a campanha chegue ao ouvido do torcedor, e ele entenda isso. Usando o exemplo do River Plate (condenado pela Conmebol por racismo em partida contra o Fluminense), quando teve um jogo com uma parte do estádio fechada. O telão exibiu a mensagem “Basta de racismo”, e a torcida vaiou aquela ação — conta Marcelo. — Eles não estão entendendo o que nós estamos falando. Por isso batemos nessa tecla da conscientização, educação, desde as categorias de base.

O acordo firmado entre as partes prevê um plano de letramento racial e de diversidade para funcionários da Conmebol e assessoria técnica do Observatório no aperfeiçoamento da política de diversidade das competições e na elaboração de campanhas. Este último ponto inclui a realização de palestras, como as já feitas durante a Liga Evolución, realizada em agosto, no Paraguai, para cerca de 700 adolescentes de equipes sub-13 masculinas e sub-14 e sub-16 femininas.

— Uma das coisas que estamos entendendo com a Conmebol é que, para outros países, o problema mais grave é a xenofobia. Por exemplo, de argentinos contra bolivianos e chilenos. Ou até mesmo entre chilenos. O da capital tem questões contra o do sul, porque eles são de origem indígena.

O foco em ações de conscientização para mudar o cenário no longo prazo ocorre num momento em que a Conmebol demonstra grande dificuldade para responsabilizar e punir — ainda que práticas discriminatórias estejam previstas no código disciplinar. Os nove casos que renderam multa e/ou punição representam apenas 45% do total levantado pelo Observatório.

Dentre os que ficaram de fora do crivo da confederação, está o de torcedores do San Lorenzo flagrados imitando macaco para a torcida do São Paulo, em jogo pela Sul-Americana realizado no Morumbi, em agosto. Eles foram filmados cometendo o ato e detidos pela polícia. Mas nenhuma multa ou punição ao clube foi anunciada pela Conmebol.

Em maio, o atacante Ângelo, do Santos, denunciou xingamentos de “macaco” vindos da arquibancada do estádio El Teniente, em Rancagua, no Chile, onde sua equipe enfrentou o Audax Italiano. O insulto foi registrado no relatório da partida.

— Espero que a Conmebol tome uma ação. Olhem as câmeras do estádio, da televisão e não só fale “basta de racismo” — disse na ocasião, referindo-se à mensagem compartilhada em todos os jogos de competições da entidade.

Os apelos de Ângelo não foram atendidos. Por outro lado, a Conmebol aplicou suspensão de quatro meses em Bruno Tabata, então do Palmeiras, por imitar um macaco. Na verdade, ele tentava expôr os insultos vindos da arquibancada no jogo contra o Cerro Porteño, em Assunção. O clube paulista tentou anular a sanção, mas não obteve sucesso.

A reportagem procurou a Conmebol com uma série de perguntas, mas não obteve nenhuma resposta.