Economia

Após crise das grandes varejistas, shoppings se reinventam

Saem as grandes lojas, entram espaços menores e 'mix' mais variado de produtos e serviços

Agência O Globo - GLOBO 02/12/2023
Após crise das grandes varejistas, shoppings se reinventam
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O conceito do centro de compras com grandes lojas-âncora ficou para trás. Depois de fecharem as portas na pandemia e sentirem o impacto da crise do varejo, os shoppings foram obrigados a se reinventar. Hoje predominam espaços menores, o que resulta em um mix mais diversificado de produtos e serviços.

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A ideia é atrair o consumidor e fazer com que ele permaneça no local não mais por marcas específicas, mas pela variedade da combinação de produtos, entretenimento, gastronomia e serviços.

Com a crise das varejistas, grandes lojas que foram desocupadas terminaram divididas em outras menores, muitas vezes de ramos diferentes. No Shopping Plaza Sul, em São Paulo, o espaço que abrigava uma loja da Americanas foi repartido e passou a ser ocupado por uma grife de vestuário e um restaurante.

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Felipe Andrade, diretor comercial da Allos — empresa que resultou da fusão entre Alliansce Sonae e BRMalls e administra o Plaza Sul —, vê o redesenho dos espaços como uma oportunidade de oferecer mais opções aos clientes e elevar os ganhos do negócio. Segundo ele, o preço do metro quadrado de uma loja menor é mais alto que o valor cobrado pelo metro quadrado de uma loja espaçosa.

Além disso, ao agradar o freguês, o shopping lucra. É que cada marca paga um aluguel fixo e um variável, cobrado a partir de um faturamento mínimo. Por isso, é interessante manter o local sempre movimentado e com opções diversificadas.

— Essa mudança de mix está sendo saudável. Estamos conseguindo repor de forma rápida e criativa — comenta Andrade. — Nas últimas trocas que fizemos, observamos que as lojas que entraram estão vendendo 33,9% a mais que as que saíram.

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Na maioria dos shoppings, os espaços não têm ficado vagos por muito tempo. A taxa de ocupação atual é de aproximadamente 94%, de acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). No Shopping Leblon, no Rio, existe uma fila de espera de marcas que querem se estabelecer no local. Por isso, Andrade diz que é necessária uma espécie de “curadoria” para entender o que será mais rentável ali.

O Shopping São José, localizado em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba (PR), encontra-se com 99% das lojas locadas. Fábio Alexandre Rosa, gerente comercial, diz que apostou na expansão do mix de serviços e conveniência:

— São 17 novas lojas. Nesse espaço, oferecemos desde salão de beleza, academia e lotérica até serviços de saúde e um mercado.

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De acordo com o estudo “O varejo dos shoppings: marcas em expansão”, elaborado pela Abrasce, 831 marcas abriram lojas em shoppings no primeiro trimestre deste ano. No segundo trimestre, foram 1.143 inaugurações, o que representa alta de 37,5%.

Lideraram o ranking a loja de milk-shakes MilkMoo, a de doces Fini e a joalheria Vivara. Os segmentos que mais se expandiram foram alimentação e bebidas (28%), vestuário (19%) e perfumaria e cosméticos (6%).

Uma loja aberta por dia

A MilkMoo surgiu em março de 2020, às vésperas da pandemia, e se estabeleceu em shoppings porque o produto era entendido como uma bebida para se consumir durante o deslocamento entre as lojas. Com modelo de franquia, o negócio deve abrir uma loja por dia em shoppings até o fim deste ano. A intenção é alcançar mil lojas em 2025 — hoje são 400.

— Estar em shopping é essencial para o nosso posicionamento de marca, por aumentar a visibilidade. Como é um centro de compras e lazer, muitas pessoas vão para lá sem saber o que vão comer — comenta Lohran Soares, sócio-fundador da MilkMoo.

A empresa fechou 2022 com receita de R$ 54 milhões e, só até outubro deste ano, já faturou R$ 210 milhões.

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Glauco Humai, presidente da Abrasce, diz que a transformação dos shoppings em um mix de varejo, entretenimento, gastronomia e serviços segue tendência internacional:

— Empreendimentos com a configuração de duas décadas atrás não existem mais. Há 20 anos, o centro do varejo era a marca. Hoje é o consumidor que está no centro, e as marcas buscam soluções e customizações para encantar o cliente.

Encantar com a vista da Baía de Guanabara era o que o Botafogo Praia Shopping pretendia ao substituir as pequenas janelas da icônica loja Sears por uma fachada toda de vidro. O terraço de 500 metros quadrados, que era fechado ao público, também mudou. Lá, passou a funcionar uma unidade da rede Brewteco, atraindo cariocas e turistas.

— O Botafogo Praia Shopping não tinha para onde crescer, não tinha como fazer parquinho, como alguns shoppings estão fazendo, mas tinha um ativo incomparável, que é a paisagem. E, em muitas lojas, a parte encostada na fachada era o estoque — lembra a superintendente Cecilia Ligiero.

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A mudança estrutural foi fruto da mudança de conceito, no qual a conexão com a paisagem passou a ser priorizada.

— A Riachuelo se tornou uma loja “instagramável”. Enquanto o cliente fica na fila do caixa, está olhando a vista. Uma hora que nem sempre é agradável vira um momento de contemplação — exemplifica Cecília.

Número vem crescendo

E o número de shoppings vem crescendo. Em 2023, foram inaugurados o Shopping Patteo Urupema e o ParkShopping Mogi Mirim, ambos em São Paulo; o Pontal Shopping, no Rio Grande do Sul; o Recanto Shopping, no Distrito Federal; e o Terrazo Shopping, no Ceará.

Lucas Lima, analista da VG Research, explica que o setor tem se mostrado resiliente, conseguindo aplicar reajustes de aluguel acima da inflação:

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— É um setor que surpreendeu positivamente, principalmente após o medo de o e-commerce acabar com os shoppings no Brasil. Isso se mostrou uma tese fraca. Ao contrário dos Estados Unidos, aqui os shoppings não são só para consumo, fazem parte do dia a dia das pessoas, sendo um refúgio com ar-condicionado, conforto e segurança.

Ele acrescenta que as áreas de serviço e entretenimento vêm sendo destaque. No balanço do terceiro trimestre deste ano, o Shopping Iguatemi reportou lucro líquido ajustado de R$ 101,9 milhões, 80,1% a mais que um ano antes. Segundo a companhia, o crescimento de 4,5% no fluxo de clientes, atribuído a sucessos do cinema como o filme da Barbie, ajudou no desempenho.

Para fidelizar clientes, Leonardo Petersen, assessor de investimentos e especialista em varejo da Ável, destaca que diversos shoppings estão investindo em programas de fidelidade, nos quais, após determinado valor em compras, o consumidor ganha benefícios, como descontos e estacionamento gratuito. Ele cita ainda os quiosques, que funcionam como porta de entrada para marcas que ainda não têm lojas:

— Muitos shoppings têm explorado a vertente de quiosques para aproveitar espaços vagos em que as pessoas transitam, o que acaba gerando um bom retorno.