Curiosidades
'Passei pelas mudanças da vida sem olhar para elas, mas saí do automático’, diz Angélica
No ar com novo programa no GNT, apresentadora analisa ganhos e estragos da carreira mirim, conta o que aprendeu com tragédias, afirma que maturidade e mergulho em si mesma a libertaram da blindagem
"Vivo dando pinta por aí", brinca , ao entregar à repórter uma cartela com adesivos que reproduzem a famosa mancha na perna, sua marca registrada - que tem até "médico próprio", como ela conta nesta entrevista. O presente é parte de um grande acervo que ela mantém da época em que apresentava programa infantis e comercializava produtos variados.
A brincadeira pode até evocar aquela menina que se tornou ícone da televisão infantil nos anos 1990. Mas está anos-luz do mulherão que surge na redação de OGLOBO, madura e consciente das marcas que carrega por ter começado uma carreira aos quatro anos de idade e certa dos assuntos que está interessada em dar voz hoje. "Angélica ao vivo" é prova disso.
O programa, no GNT e Globoplay, tem a caneta da apresentadora. A ideia de juntar gente para debater sem tabus temas que considera importantes, se colocando do jogo e se expondo, saiu da cabeça dela que, aos 52 anos, está soltinha como nunca. E não se furtou em falar sobre nenhum assunto no “” , videocast do GLOBO, no ar no Youtube e no Spotify. Leia abaixo, um trecho da entrevista:
Só a maturidade para permitir mais relaxamento, ligar mais dane-se?
O programa nasceu do meu coração. Veio no momento em que estou aberta e disponível. Encontrei um espaço onde podia pirar. Maturidade e segurança ajudam. Já fiz muita coisa, sei o que consigo, o que me sinto bem. Comecei muito nova na TV, não sei fazer outra coisa, a comunicação está nos poros, na minha história, no meu DNA. Às vezes, fico mais à vontade em frente às câmeras do que na vida.
'Fiquei dos quatro aos 48 sem parar de trabalhar. Parar para sentir, saber o que estava rolando comigo, passei pelas mudanças da vida vivendo, sem olhar para elas. Pouco antes da pandemia, saí do automático'
Por mais que lidasse com a exposição desde muito cedo, parecia haver certa blindagem em torno de você. De uns tempos para cá, passou a discutir assuntos se colocando no jogo, se expondo. Tem o espírito do tempo, mas o que te fez virar essa chave?
O trabalho sempre foi me levando. Sempre fiz análise, gostei de meditar, sempre fui meio holística, mas nunca me dediquei tanto ao meu interior. Vivia o externo, o dia a dia dos programas de TV, emendava uma coisa na outra. Fiquei dos quatro aos 48 sem parar de trabalhar. Parar para sentir, saber o que estava rolando comigo, passei pelas mudanças da vida vivendo, sem olhar para elas. Quando olhei um pouco para dentro, pouco antes da pandeia, comecei a prestar atenção nos meus quereres. A minha voz sempre foi a voz um pouco do outro, ecoava através das opiniões. Sempre tive que lidar muito com a opinião de todo mundo. Não era eu tempo todo, as minhas vontades. Hoje, tenho muito prazer em me colocar em coisas que realmente acredito e acho importantes de falar ali.
Pedro Bial.
Djavan.
Quando parou para refletir sentiu o que?
Me senti mais segura, vi quanta coisa legal eu tinha feito e nunca tinha aproveitado. Senti orgulho, prazer e comecei a pensar no meu potencial. Saí do automático. E quando vai para o coração, do que é seu de verdade, genuíno, a coisa flui. E aí fluíram os desejos de um mundo melhor para os meus filhos, minha filha. Conquistei tantas pessoas, falo com tanta gente, tenho esse dom da comunicação, então, pensei: vou usar isso agora não só para mim, para todo mundo, principalmente, para as mulheres.
Quando percebeu que ser mulher no Brasil implicava navegar em expectativas muito diferentes das impostas aos homens?
Nesse período. Parei para pensar em mim e no mundo, no que estava ao meu redor. Minha filha contribuiu bastante. Eva tem 13 anos. Quando começou a crescer, passei a notar a diferença. Tive dois meninos antes, e aí já percebi essas sutilezas, o mundo que ela ia viver. Fiz o programa "Cartas para Eva". Aquilo me despertou também: quantas coisas que não foram legais eu tinha vivido como mulher sem perceber... No meu trabalho... Isso sendo uma pessoa muito conhecida, com todos os privilégios. Veio todo um movimento das mulheres falando e eu entrei junto. Pensei: "Quero estar aqui, porque também já vivi". Quero um mundo melhor para a minha filha e para todas. É bom poder falar. Ainda mais quando pensa que aquilo vai contribuir com outras mulheres, o coletivo é bacana.
'Dei um vibrador pra minha mãe, que não sabia o que era. Eu tenho uma gaveta deles. Temos que furar esse estigma. Vamos nos apropriar do nosso prazer'
Prestou um dever cívico quando falou sobre a liberdade sexual e masturbação feminina, numa campanha publicitária, sugerindo que se desse vibrador no Dia das Mães. Num mundo que só autoriza o prazer masculino, qual foi a importância disso?
Deixa a mamãe ser feliz, né? (risos) Os homens podem ter prazer e a mulher não pode porque é histérica, né? O que mais me chocou nessa história toda foram as mulheres me criticando. Mãe não transa? Você não tem o seu próprio prazer, porque você vai criticar o prazer do outro? Eu dei um vibrador pra minha mãe, que não sabia o que era, tive que explicar como é que bota pra carregar...
Difícil explicar. Não fácil pra mim, mas a gente tem que furar esse estigma. Quando vi os comentários das mulheres, me deu mais vontade de falar ainda mais. Vamos acordar para vida? Homens ficarem meio assim, tudo bem, agora, as mulheres.... Vamos nos apropriar do nosso prazer. Se apropria. Não deixa ninguém tirá-lo de você, vir com historinha. Mães também transam. A gente precisa saber detalhes? Não precisa. Mas transam.
Lenine.
Outra fase:
Seu prazer sexual foi melhorando com o tempo? Você tem vibrador?
Tenho vários, uma gaveta. Sim, certeza que foi melhorando com o tempo. E com a conversa, ver outras mulheres falando sobre o prazer liberta. Você começa a questionar o seu. Essa troca entre mulheres é muito poderosa. Muito mais que a troca entre os homens. A gente vai muito mais fundo, somos mais complexas. Outra coisa que também é bom falar: vibrador não é um inimigo dos homens. Homem bacana aceita o vibrador junto na relação. Esse cara vai te fazer feliz porque não tem preconceitos, inseguranças. Meu marido é maravilhoso! Não tá nem aí. E olha que ele é de uma geração que podia ser careta. Mas é aberto a aprender e às discussões.
'Criaram uma imagem minha em que não envelheço, não falo de prazer. Uma imagem Angelical'
A menopausa, algo que enfrentou aos 43 anos, foi outro assunto que ajudou a trazer para o debate.
Maria, você falou uma coisa que me ajudou a pensar... Outras mulheres também falaram de vibrador e de menopausa. Mas quando eu falei, teve um peso. É a tal da imagem que as pessoas criaram. Criaram uma imagem minha em que não envelheço, não falo de prazer. Uma imagem Angelical. E aí eu fiquei mais estimulada a falar sobre esses assuntos tão importantes. Falei: "Caramba! As pessoas pararam para ouvir". Porque elas se assustam. E tudo bem. Se a pessoa se assusta e isso faz com que ela preste mais atenção, bora assustar todo mundo!
Sobre a menopausa... Foi difícil o começo. Não tinha informação nenhuma e sofri tudo: calores, mudanças no corpo, impacto na libido. Tudo sem saber o que era. Ninguém falava "perimenopausa". Como sempre fui natureba, passei a fazer tudo meio natural, chá de não sei o que. E a coisa não fluía. No meu caso, precisava de reposição. Comecei a fazer, e a vida vai mudando até ter a rédea de novo. Porque, em algum momento na menopausa, você perde completamente, fica fora da casinha. Literalmente. Eu fiquei bastante, e minha família me acolheu. Porque a família sofre também.
'Quando comecei a falar de menopausa, amigas diziam: 'Não pode falar isso, imagina o seu marido'. Se não posso falar com quem divido tudo, que intimidade é essa?'
Uma boa dica é essa: incluir a família no assunto...
Tem que falar pro marido! Quando comecei a falar de menopausa, amigas próximas diziam: "Você não pode falar isso, imagina o seu marido ()?". Não, gente! Então, é melhor ele não estar comigo. Se não posso falar das dores e dos amores para a pessoa que escolhi, com quem divido tudo, que intimidade é essa? Seu companheiro ou companheira tem que ser aliado nesse momento, você precisa de apoio, não dá para ficar sozinha. Tem que ter médico e rede. Essa vergonha que as mulheres têm, que foi embutida, de quando entra na menopausa acabou a vida é mentira! Eu garanto. Não vamos romantizar a menopausa. Passei um processo horroroso tendo a estrutura que eu tenho, o que pouca gente tem. Mas quando passa a arrebentação, a vida fica melhor. Você fica mais dona da sua vida, dos seus hormônios. Você que controla eles!
'Não tinha parado para prestar atenção no abuso sexual que vivi. As pessoas ficarem passando a mão em mim e ninguém fazer nada. Isso é muito triste, viver isso em silêncio. Achar que a culpa é sua'
Recentemente, revelou ter sofrido um abuso sexual na época da divulgação da música "Vou de táxi", em Paris. Como esse episódio te marcou e qual a importância de falar sobre ele?
Tem que falar. Só falei há pouco tempo porque não sabia que tinha vivido isso um abuso. Descobri ao entrevistar Luciana Temer, do Instituto Liberta. Ela narrou uma situação parecida e eu: "Mas isso é abuso? Então, quero contar um". Na hora, me deu vontade de contar. Depois que falei, tirei um peso gigante que nem sabia que tinha. Estava marcado, printado na minha história.
Achava que abuso era estupro, toque nas partes íntimas. Não tinha parado para prestar atenção que existe o abuso verbal, o abuso sutil, que foi o que vivi. As pessoas ficarem passando a mão em mim e ninguém fazer nada. Isso é muito triste, viver isso em silêncio. Achar que a culpa é sua. Ah, aconteceu com ela porque estava com a saia curta... Acontece muito, está acontecendo agora. E não é pouco. Tem que falar com as meninas, dar nome às coisas, ilustrar, fazer visualizarem a cena. Não vou dizer que é fácil chegar para uma menina de 12 e dizer: "Se o menino chegar e colocar a mão aqui, você tem que afastar, gritar". Eu já falo mais: "Chuta ele!"
'Não seria quem sou hoje, com a cabeça e a experiência que tenho se não tivesse vivido tudo o que vivi. Porém, foi muito pesado para uma menina. E não tinha Estatuto da Criança e do Adolescente'
Você teve que amadurecer cedo ao começar a trabalhar muito cedo. Ao mesmo tempo, foi infantilizada por muito tempo, demorou para o público te ver como adulta. Que aspectos da carreira mirim mais te impactaram?
As pessoas criam uma imagem. Durante muito tempo, trabalhei com criança e era mais infantilizada. Aos 14, anos apresentava programa. Aos 15, ainda tinha boneca ainda. Não que brincasse, mas vivia nesse universo, que tomou conta de mim durante um período grande. Ao mesmo tempo, tinha responsabilidade de adulto. Não seria quem sou hoje, com a cabeça e a experiência que tenho se não tivesse vivido tudo o que vivi. Porém, foi muito pesado para uma menina. Começar a trabalhar aos quatro anos, fazer show para milhões de pessoas. Tinha talento, era a minha história, tinha família de artista. Mas era um desgaste grande, é claro que ficam sequelas que trato na análise, cuido da minha cabeça. Imagina com 13, 14 anos dando entrevista como essa?
Ana Beatriz Nogueira. '
Luto.
E enfrentando violência sem tamanho, todo mundo te perguntava se era virgem. ...
Era outra época, não tinha Estatuto da Criança e do Adolescente. A gente lançou, inclusive, em muitos programas meus. Horário de trabalho, da escola. Eu ia à escola, voltava, gravava à tarde, final de semana, fazia prova. Ninguém estava nem aí para isso, não existia nenhum cuidado. Nem com o psicológico nem com a prática. É pesado, mas me construiu.
Dentro de uma sexualização gigante na idade que tem sua filha hoje...
Usava roupa curta, ficavam olhando. Eu não sabia, não percebia. Era uma coisa bem sexualizada. Falo com minha filha sobre isso. Hoje tem as redes sociais, onde elas fazem as dancinhas. Tudo é muito sexualizado também. Faço muito o que minha mãe fazia comigo: ela estava sempre do meu lado, eu tinha um apoio, uma rede, meu pai, minha mãe, minha família. Minha mãe estava atenta.
'Não sou amiguinha, sou mãe mesmo. Se tiver que gritar, brigar, tirar o telefone eu tiro. Educação é educação, comigo é um pouco à moda antiga. Se não for um pouco radical, perde a batalha para esse vício. Porque estamos lidando com um vício, as redes sociais'
É o que a gente tem que fazer hoje: estar atento aos filhos. Não dá para desistir e jogar toalha. Às vezes, dá vontade, porque é cansativo, exaustivo. Ter que coordenar todas as redes sociais que eles estão vendo, o que estão falando... é desgastante. Não sou amiguinha, sou mãe mesmo. Se tiver que gritar, brigar, tirar, eu tiro. Educação é educação, comigo é um pouco à moda antiga. Se não for um pouco radical, perde a batalha para esse vício. Porque estamos lidando com um vício.
Você falou sobre ser diferente criar uma menina... Como criar meninos melhores?
Tem todo um mundo machista empurrando eles. Apesar de estar melhor, é histórico, não dá para tirar de uma hora para a outra. É uma briga diária. Eva me ajuda a educar os meninos. Falo: "Não fala assim com ela". Eles: "E essa saia curta?". Deixa ela usar a saia curta! Menino tem a coisa de cuidar da irmã também. Fico tentando educar eles assim. Com namorada também. Falo: "Dá flor, liga". Fico do lado da namorada se tiver alguma coisa que não acho legal. Costumo conversar tudo com Eva dentro da idade, apesar de que, nas redes sociais, ela acabar vendo coisas que nem deveria ouvir. Ela fala mais comigo; os meninos, mais com o pai, tem mais intimidade. Confesso que estou muito assustada com a adolescência nesse mundo hoje. É tudo muito novo, não tem manual.
O que gostaria que meninas ouvissem mais e deixassem de ouvir sobre o seu lugar no mundo?
Que elas podem, e podem muito. Que são potência. A mulher tem poder, gera vida. Que podem usar a sensibilidade, a feminilidade, a intuição feminina. Não quero mais que ouçam que não valem ou que têm menos capacidade disso ou daquilo. O que é a força física perto da força da cabeça?
Você teve adolescência tardia? Uma vontade de viajar, de pegar todo mundo?
Claro! Graças a Deus. Minha adolescência foi lá pros 21, 22. Tinha acabado de entrar na TV Globo fazendo um programa, tudo bombando, e eu querendo viver. E vivendo. Fui um prato cheio para as revistas, os paparazzi. Dei muita pauta (risos). Não estava preocupada com isso, estava vivendo a minha adolescência. Foi importantíssimo para mim. Sou uma alma que gosta dessa liberdade. E nunca tinha vivido. Logo depois, comecei a querer formar minha família, conheci o Luciano. A coisa foi fluindo de forma muito legal. Mas foi uma vida louca. Bom, divertido.
'Depois do assalto, trauma pesadíssimo que estava vivendo, passei a não gostar de gente. Com três anos, andava na rua embaixo da saia da minha mãe, literalmente. Tinha medo de gente'
Você se tornou artista por causa de um trauma. Viu um assalto em que seu pai foi baleado. Para te alegrar, sua mãe começou a te levar à TV. Junto com sua família, sobreviveu a um pouso forçado de avião. Seu filho sofreu um acidente grave. Podemos dizer que a sua vida é marcada por renascimentos a partir dessas tragédias?
Sim. E agradeço a todas elas porque, de alguma forma, me constituíram assim, me colocaram nessa força, me ensinaram muito. Com três anos viver um assalto é um trauma gigantesco. De momentos vulneráveis, pesados, saí mais forte, com mais sagacidade. Claro que isso é olhar para o lado bom, busquei isso.
Quando eu era criança, foi intuitivo na minha mãe... Eu muito pequena, traumatizada com tudo que tinha vivido. Depois do assalto, do trauma pesadíssimo que estava vivendo, eu não gostava de gente. Não podia ver gente. Com três anos, andava na rua embaixo da saia da minha mãe, literalmente. Não olhava para as pessoas, tinha medo de gente. Ela me levou para o programa do Chacrinha porque aquilo me alegrava. Veio a televisão que virou um mundo para mim. Foi através desse assalto. Se não fosse isso, talvez não tivesse rolado.
Depois do acidente de avião, fiquei muito mal de cabeça, com crise de pânico. E aí comecei a me aprofundar no caminho do autocuidado. A experiência com meu filho considero a mais dolorosa. Até mais que o acidente do avião porque filho, né, é visceral... Não dá pra explicar o que a gente sente quando vê um filho numa situação de risco de vida. Mas também me me ensinou muito sobre amor, força. Até a que ele mesmo passou pra gente.
Boto como bênção para que eu me tornasse uma pessoa forte e desse valor à vida além do que muita gente dá. Quando se vive uma coisa dessas, a vida ganha um brilho diferente, uma coisa pura e importante. Tudo isso me mostrou o a importância de viver o momento, de estar presente e com pessoas que importam. Não perder tempo com bobeira, com briga.
'Sempre fui mais rechonchuda, perna grossa. Televisão engorda muito.Tinha que ser muito magra pra ficar bem. Vivia daquelas sopas, daqueles shakes. Vivia tentando me encaixar naquele padrão. Acho que hoje gosto mais de mim. Não sei se gostava antes. Gostava do que via, do que as pessoas gostavam'
Você foi a criança mais bonita do programa Chacrinha, virou modelo criança, fez dezenas de campanhas publicitárias, operou bastante nessa frequência do mundo da beleza. Pouco tempo atrás, propôs que mulheres posassem para fotos sem filtro, se mostrando como são. Olha para trás e pensa que, de certa forma, contribuiu para essa cobrança pela beleza?
Aquilo foi uma ideia do programa "Simples assim". Sabe que eu não banquei? Na hora de fazer, quis fazer uma pele, passei um rímel. A única que bancou real foi a Preta Gil, que estava com o cabelo grisalho. Ela foi ela mesma ali, segurou a onda. Eu não segurei aquela onda. É muito difícil crescer com essa coisa toda e conseguir se despir. Depois, fiz outros trabalhos e até entrevista sem nada no rosto, mais livre. Mas ali, eu não consegui. É muito sério o que a gente constrói na juventude, na adolescência. Por isso, fico preocupada com a adolescência da minha filha. Depois, para se livrar do que você coloca para dentro ali... É muito difícil se livrar dessa cobrança, da marca que fica em você. É perverso, triste. Essas meninas fazendo skincare numa pele de criança, que não tem nada.
Se cobrou muito na adolescência, mesmo correspondendo ao padrão de beleza estabelecido?
Sempre. Sempre tive uma cobrança muito grande. Imagina, passar a adolescência na televisão...
Caber no figurino.
Ser adolescente já é complicado. Você não cabe dentro daquele corpo, está descobrindo mil coisas. E eu descobri tudo isso na TV. Tinha que cobrir a espinha, a pele com acne. É close, é corpo. Comecei a treinar, a fazer exercício físico muito cedo. A sorte é que meu pai sempre foi atleta, então, eu tinha esse DNA de gostar. Mesmo assim, eu malhava muito e comia pouco. Sempre fui mais rechonchuda, perna grossa e tal. Televisão engorda muito, eu ficava maior ainda. Tinha que ser muito magra pra ficar bem. Vivia daquelas sopas todas, daqueles shakes. Vivia tentando me encaixar naquele padrão. Era um esforço muito grande. Fui me adaptando. Hoje, tenho toda uma rotina que, certeza, vem dessa época. Sou uma pessoa muito ligada em estar bem. Mas não mais com as neuroses. Porque me trabalho.
Sempre gostou de você?
Acho que hoje gosto mais de mim. Não sei se gostava. Gostava do que eu via ali, do que as pessoas gostavam. Hoje, gosto quando eu vejo. Quando não gosto, mudo. Mas hoje sei que sou eu, que não é o que as pessoas querem que eu seja. Mas minha adolescência e juventude foi toda assim: era muito o que o outro estava achando. Do meu cabelo, da minha pele, do corpo que eu tinha que ter.
O olhar do outro sobre você.
O olhar do outro.
'Odiava a minha pinta. Queria tirar aquilo, maquiar, ficava com a mão em cima. Fui num cirurgião plástico, que disse que eu ficar com uma cicatriz maior que a pinta. Aí, aceitei. Hoje, amo a minha pinta. Tem o médico dela, toda uma vida própria'
Gostava da sua pinta?
Não! Odiava a minha pinta com 12, 13 anos. Quando fui para a TV,a era uma coisa muito diferente uma pinta no meio da perna. Usava muito shortinho. Queria tirar aquilo, maquiar. Na época da Manchete, o (Maurício) Sherman (diretor), diretor dizia: "Isso vai ser a sua marca. E eu: "Como , marca?". Eu apresentava o programa com a mão em cima. Na primeira vez que fui para a Disney, andava com a mão sobre ela, tinha uma mania mesmo. Lembrei isso há pouco tempo, de cobrir, porque eu tinha vergonha. Uma vez, fui num cirurgião plástico, logo que entrei na TV. Ele disse que eu ia ficar com uma cicatriz maior que a pinta. Aí, falei: "Ah, então, tá, fazer o que?". E, realmente, virou minha marca. Hoje, amo a minha pinta, ela é linda demais. Tem o médico dela, toda uma vida própria, um trabalho.
Muitos casais contam conseguir estar juntos há muito tempo porque a possibilidade de separar existe. Que eles continuam se escolhendo. Em 22 anos de casamento, você e Luciano já pensaram em se separar?
Nunca rolou. A gente se escolhe sempre. A gente briga, discute. Somos muito diferentes. Pegamos as diferenças e tentamos fazer um mix porque queremos muito estar juntos. Não é tipo "ah, amo eternamente". Você pode amar eternamente e não querer ficar junto mais. Escolheu ter um companheiro, um partner in crime? Então, bora lutar juntos. A balança também não pode ser desigual. Um lutando e o outro não. É um projeto de vida. Há coisas boas, como em qualquer contrato. Não estou tirando o romantismo da coisa, mas é como qualquer parceria. E aí você dá as pitadas de romantismo, de tesão... E isso tem que ser trabalhado... imagina 20, 30 anos de casamento.... Acha que vai ser igual na primeira semana? Às vezes, tem um gap, e é importante para, quando voltar, voltar melhor ainda.
Momentos muito transantes e outros nem tanto...
Momentos não transantes. Na época da menopausa... Luciano tem uma alma feminina, mas não sei como ele aguentou o meu nervoso, o mau humor. E a libido também... A pessoa vira, sei lá, um copo... "Senta aqui, vamos ver televisão, agora vamos dormir". Tem que querer muito ficar junto, e a gente tem muita vontade disso. Tem que conversar tudo, se guardar.... A gente nunca dormiu com uma briga, uma situação que não foi resolvida. Aquilo vai virando uma caraminhola muito maior do que é.
Vocês compartilham bastante da vida familiar. O que acontece de mais especial naquele momento de intimidade em que fecham a porta? O que de mais importante se dá nessa troca?
O Luciano é uma pessoa muito forte, prática. Nessa intimidade comigo, sinto que é o único momento em que ele fica mais frágil, digamos assim. Onde se permite ser mais vulnerável. Acho isso bonito em alguém que tem essa imagem de ser um homem que resolve, que faz. Quando ele se deixa ser frágil ou simplesmente ser. Do meu lado, me sinto muito segura. Não na segurança de um homem que me protege, mas de ser eu mesma.
Claro que a gente tem muita história pra contar... Uma coisa que faz com que a gente tenha rusgas é a distância. É uma coisa boa, mas ruim. Como ele trabalha e viaja muito... Essa distância atrapalha a nossa história. A gente fica incomodado e, em termos de energia, sentimos falta de recarregar um no outro. Tô falando de energia cósmica mesmo, um alimenta o outro. Porque um é um, o outro é outro e, quando estamos juntos, somos uma outra coisa. A distância atrapalha o nosso relacionamento, a gente fica mais arisco.
Rola arranca-rabo na família margarina?
Então, não tem margarina certa, não existe, tá, gente? É mentira! Tem dia que um está mais irritado, que a pessoa fala um negócio e você diz "hum"... Se é muito perfeito, desconfie. Isso dentro do seu próprio relacionamento. Está tudo muito certinho? Dá uma cavucada. Porque não existe, tem alguma coisa errada. Não é nem saudável e nhenhenhém.
Você tem se posicionado politicamente. Pediu a Lula que escolhesse uma mulher negra para o STF, criticou o projeto que dificulta o acesso ao aborto legal para meninas vítimas de estupro. Como se define politicamente? E como veio esse despertar?
Naturalmente, como uma voz que acredito ser importante de colocar. Tenho meus privilégios, tudo que construí com muito trabalho. Não foi de uma hora para outra. Mas como uso isso para deixar um legado, uma história que quero muito que fique? Porque o que ficam são as histórias, o que representou para alguém. Sinto necessidade de estar na vida de muitas pessoas com coisas que sejam importantes para elas. Divertir, animar, apresentar, fazer um jogo é lindo, mas o que deixo? O que meus filhos vão falar: "Poxa, isso impactou milhões de pessoas? A maturidade está me dando esse desejo. Claro que falo coisas que acredito. Sempre pensando muito no futuro dos meus filhos.
'Eu não vetei nada! Foi um momento em que todo mundo queria muito isso. Às vezes, acho até que queriam mais do que ele', sobre a candidatura de Luciano Huck à Presidência da República.
Essa tomada de consciência em a ver com o Luciano, que tem suas aspirações políticas?
O Luciano é um ser político.
Existe ainda o projeto de candidatura dele à Presidência da República? Você vetou?
Foi vetado, coitado (risos). Não! Quem veta Luciano? Ninguém veta esse homem! Eu não vetei nada. Foi todo um momento em que todo mundo queria muito isso. Às vezes, acho até que queriam mais do que ele. Tinha uma necessidade rolando ali. Ele está super feliz com a forma como se coloca na política. É um ser político, está sempre envolvido. É verdade: acaba espirrando um pouco em mim mesmo. Porque eu vejo, ele está sempre rodeado de política, de coisas que gosta, tem necessidade real, genuína, de ajudar, contribuir. Acho até que pode contribuir até mais do que num cargo majoritário. Tem feito isso. Está se satisfazendo. A gente troca muito. Mas a coisa da politica, do feminismo veio comigo. E acaba indo pra ele também. Porque não é tão político, eu me coloco como cidadã.
Por meio da política que a gente muda as coisas...
A política é uma coisa muito boa. É que a gente vive uma política que mostrou, que fala pra gente, que a política é corrupta, ruim. A política impacta a vida de milhões. A gente não pode ter esse ranço. Pelo contrário. Mas me coloco muito nessas situações como cidadã mesmo, como uma mulher que quer um mundo melhor.
Já mudou de opinião com relação a algum posicionamento político?
Já. Mas não vou falar não, melhor não (risos). Mudar de opinião é muito bom. Aprendeu alguma coisa, viu um outro lado. Essa polarização faz com que a gente fique num Fla-Flu. Quando você conhece melhor alguém, vai tirar alguma coisa boa. Todo mundo tem alguma coisa para contribuir, né? E ninguém é dono da verdade. Já mudei de opinião algumas vezes.
Que mulheres te inspiram na política, te fazem repensar o país?
Há algumas mulheres que me inspiram além da política, que são políticas em suas situações. Uma que me impactou muito foi a Luiza Trajano. Ela impacta a vida de muita gente com um trabalho muito legal. É uma voz, sabe? Para a comunidade dela, para as mulheres que trabalham na empresa dela. A Marina (Silva) é uma potência, a luta dela é muito verdadeira. Veio de uma história muito forte de vida. Admiro. É tanta mulher boa...
Que deveria ser mais ouvida...
Sim, que poderia ter uma cadeira. Quando a gente fala de política, política mesmo, Erika Hilton é uma força da natureza. Você pode não concordar com as coisas que ela fala ou com a forma. Mas ela está se colocando, fazendo.
Sente que o Brasil ainda tem dificuldade em dar espaço para as mulheres poderosas sem colocá-las dentro de estereótipos?
Dificuldade gigantesca. Porque o que a gente tem de mulher capacitada para estar em cargos... Não tem nem perto do que a gente deseja e do que poderia. Há uma dificuldade de ter um olhar menos preconceituoso para a mulher, para a mulher mais velha. Dificuldade de lidar. A gente está chegando com tudo, brigando pelo que acredita. Os homens não estavam preparados para isso. Que se preparem! Falo isso para os meus filhos: "Corram atrás. Porque a mulher está correndo. E ela vai te passar. Então, corram junto. Não é para ninguém passar ninguém. É para correr lado a lado".
Aos 52 anos liderando um programa de TV, acredita que está indo contra as estatísticas em relação ao etarismo? E com o tempo, está de boa?
Estou. Tô mais feliz com meu corpo, com a minha cabeça e com o que estou fazendo. O tempo foi meu amiguinho. É o que a gente tem de mais precioso. Como pode brigar com ele? A única coisa que a gente tem é esse tempo agora aqui. Tem etarismo, sim, um ouvido mais seletivo para as mulheres... Uma mulher 50+ emplacar projetos é mais difícil que para um homem. E olha que tenho um nome, uma história, onde chego com um projeto as portas se abrem mais. Mas vejo olhares. Às vezes, tenho que falar com a voz mais alta. Ser mulher é luta. Não gosto muito da palavra luta porque traz uma coisa de esforço. Mas no caso de ser mulher é lutar, sim.
Recentemente, disse que se via com 60 anos como uma "jovem senhora malucona". O que podemos esperar e o que pensa sobre legado?
Malucona é isso: eu com minhas bruxas, meditando por aí, dançando, sendo feliz. Me vejo vivendo tudo que a vida pode me proporcionar. A minha voz é o meu legado, minha posição no mundo. Poder ajudar, contribuir para empoderar outras mulheres, fazer com que outras tenham voz. Quero que todas as mulheres sejam interessantes dentro de suas vidas, de sua história. Comecei muito nova, passei por todas as fases com as câmeras, as pessoas acompanhando. Me sinto privilegiada porque sei que tenho responsabilidade com esse público que me viu crescer. Quero deixar algo legal, impactar vidas, falar sobre coisas que acredito que melhorar a vida delas também.
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