Curiosidades
Museu do Amanhã chega aos 10 anos como o mais visitado da América do Sul e inspirando outras instituições pelo mundo
Espaço no Centro do Rio abre mostra sobre a vida marinha e novo espaço para exposição permanente
Há um lugar no porto carioca onde se pensa o amanhã, tarefa encampada desde sempre pela Humanidade. Sócrates dizia que o segredo da mudança não é a “luta contra o velho”, mas “a construção do novo”. Platão, seu discípulo, avançou com a ideia de que o amanhã deve ser construído “pela busca da virtude e do bem”. Nos evangelhos, é famoso o Sermão da Montanha, no qual Jesus teria orientado seus chegados, no melhor estilo carpe diem, para que se preocupassem com o hoje, “pois o amanhã trará as suas próprias preocupações” (Mateus 6:34). Atribui-se a Buda a noção da chance de recomeço que cada amanhã guarda consigo, visão repetida na canção de Guilherme Arantes: “Amanhã, apesar de hoje, será a estrada que surge pra se trilhar.” Naquele cais, há um completando 10 anos. Símbolo da revitalização da Zona Portuária do Rio, a instituição chega à sua primeira década com recordes de visitação, mantendo a marca de quem olha para a frente e com um modelo de gestão que virou referência.
Com a bandeira de imaginar o futuro e provocações que passam pelos principais desafios da Humanidade, desde as mudanças climáticas, passando por crises socioeconômicas, problemas das grandes cidades, até a manutenção das florestas, entre tantas outras questões, o museu também inspirou outras instituições que surgiram depois em outros países.
— O museu foi precursor no modelo de não apresentar objetos, e sim acervos digitais, fotografias, vídeos, instalações — orgulha-se Ricardo Piquet, diretor-geral do Instituto de Desenvolvimento e Gestão, responsável pelo equipamento municipal desde sua fundação em 2015. — O Futurium, em Berlim, o Museu do Futuro de Dubai, o Climate Museum, de Nova York, o Museu das Nações Unidas, de Copenhague, são alguns dos museus que já declararam inspiração no Museu do Amanhã.
Revitalização
A ideia de se construir um museu no Píer Mauá surgiu no contexto de revitalização da Zona Portuária do Rio que estava em curso desde 2011. Batizado como Porto Maravilha, o projeto urbanístico foi tocado pela prefeitura em parceria com a iniciativa privada. Coube à Fundação Roberto Marinho apoiar na construção do museu que iria compor a nova paisagem da Praça Mauá.
— Participei do início da concepção, da contratação, da escolha do lugar, que no começo seria nos Armazéns 8 e 9. A ideia era criar um espaço para diálogo a partir de uma instrução provocativa sobre as mudanças climáticas. O primeiro nome pensado foi Museu da Terra, ou algo relacionado à nossa forma de viver, conviver com a natureza e projetar futuros possíveis. José Roberto Marinho (vice-presidente do Grupo Globo e presidente da Fundação Roberto Marinho) sugeriu Museu do Amanhã. É um nome que cria expectativa de alta tecnologia. Se você não o atualiza, na forma de se relacionar, nos equipamentos, projeções, tudo, ele vira museu de ontem. A ideia foi disruptiva e reconhecida no mundo inteiro — lembra Piquet.
É bom para o público, para a cidade e para o próprio museu se manter sempre atualizado. O espaço inaugura na sexta-feira “Como estamos”, nova seção da exposição permanente “Do Cosmos a nós”. Com curadoria de Fabio Scarano, Luiz Alberto Oliveira e Liana Brazil, é uma espécie de atualização de “Antropoceno”, que antes ocupava o mesmo espaço.
— Não vamos trocar a exposição sem cuidado. É uma exposição de sucesso, o sarrafo é alto — pondera Cristiano Vasconcelos, diretor-executivo do Museu do Amanhã. — Este é o museu mais visitado da América do Sul. Para efeito de comparação, a Pinacoteca de São Paulo teve 890 mil visitantes no ano passado; o Masp, 500 mil. Fechar o nosso ano com mais de 1,2 milhão de visitantes é muito significativo para a cidade do Rio.
A vida e o oceano
Na esteira das comemorações, o Museu do Amanhã inaugura, no dia 17 (data exata do aniversário de 10 anos) a nova exposição “Oceano — O mundo é um arquipélago”, sobre a vida marinha, suas inteligências e seus futuros possíveis. A entrada ao longo de todo o dia será gratuita.
— O mundo é um arquipélago porque os continentes se comportam como ilhas num oceano — diz Fabio Scarano, que divide a curadoria com Camila Oliveira, gerente geral de conteúdo, e Caetana Lara Resende. — A ideia é lembrar que somos um no tempo, no espaço, nessa diversidade, e as coisas da modernidade que fragmentam esse todo estão em naufrágio.
Camila reforça a ligação da mostra com o tema que domina o espaço expositivo:
— “Oceano” vem nesse momento em que o museu faz 10 anos e segue sua linha narrativa principal, que começa pelo Cosmos, que é a origem da vida. Dez anos depois, falar da água também seria falar sobre essa origem.
Marco arquitetônico
Foi o Museu do Amanhã que ficou, mas lá atrás se discutiram outras ideias de ocupação do Píer da Praça Mauá. Antes de o projeto Porto Maravilha sair do papel, o então prefeito César Maia chegou a assinar um acordo, em 2003, para instalar uma filial do Museu Guggenheim, com projeto arquitetônico do francês Jean Nouvel, trazendo renovação para a região como o Guggenheim projetado por Frank O. Gehry, que morreu na semana passada, fez em Bilbao, na Espanha. O acordo, no entanto, acabou anulado. Uma sede permanente da companhia canadense Cirque de Soleil foi pensada. Também não avançou.
— Quando decidimos fazer o Museu do Amanhã aqui, e não nos armazéns, todo mundo dizia que era um “mico”. Você sabe a história desse píer? — pergunta ao GLOBO Ricardo Piquet. — Foi construído na expansão do Porto, na década de 1940, para receber a Copa do Mundo. Já havia problemas de hospedagem, como hoje, e a solução pensada foi usar navios. Só que construíram o píer com um erro de estrutura. Nenhum navio poderia atracar, a estrutura era frágil. Se a propulsão lateral do navio empurrasse, derrubava. Nunca atracou um navio grande aqui. Ficou largado por 60 anos. Foi estacionamento, depósito de entulho...
Uma vez definida a nova ocupação do local, era hora de escolher quem desenharia o museu. Foi sugestão do prefeito Eduardo Paes trazer um nome renomado para a missão de atualizar o Rio no circuito arquitetônico mundial. Escolheu-se então o espanhol Santiago Calatrava. Ele já tinha no currículo projetos como a Cidade das Artes e das Ciências e o Palau de les Arts Reina Sofía, ambos em Valência, na Espanha, o Museu de Arte de Milwaukee, em Wisconsin, o World Trade Center Transportation Hub, conhecido como “Oculus”, em Nova York, e a Ponte da Mulher, em Buenos Aires, na Argentina.
— Pensou-se no japonês Shigeru Ban, no americano Daniel Libeskind, no italiano Renzo Piano. Mas as esculturas de Calatrava tinham mais a ver com inovação e tecnologia do Porto Maravilha. Houve consenso para convidá-lo — conta Piquet. — Mas o projeto deveria estar de acordo com algumas regras do Iphan. A altura deveria ser limitada para não interferir na vista do Mosteiro de São Bento. O Calatrava se inspirou nas bromélias. Incorporou itens de sustentabilidade, como a captação de água fria da baía para refrigerar o ar-condicionado. Mas houve percalços: ninguém avisou a ele que a água era poluída. O espelho d’água do pátio ficava escuro, então criamos tratamento com filtros, limpeza constante e um ozonizador. A água vinha com ovas de mexilhão, que se reproduziam e entupiam a tubulação. Era preciso desligar, limpar, voltar. Depois criamos mecanismos para resolver. Há uma estação de tratamento de água embaixo do Museu do Amanhã.
A ideia de Calatrava era permitir que as pessoas circulassem livremente, o que foi limitado no início, por causa das licenças e capacidade de 2.500 pessoas imposta pelos bombeiros. O contrato de gestão por parte do Instituto de Desenvolvimento e Gestão foi assinado em fevereiro de 2015. A meta era receber 400 mil visitantes por ano. Em 2016, o Museu do Amanhã recebeu 1,4 milhão de pessoas.
— O museu é da Prefeitura do Rio, mas gerido por uma organização social, o IDG, que busca recursos privados — diz o diretor-executivo Cristiano Vasconcelos. — O sucesso passa por essa modelagem inovadora. Se fosse um modelo tradicional de gestão pública, provavelmente não estaria como está hoje. A prefeitura define diretrizes e valores culturais, e o IDG executa com governança, transparência e captação de recursos.
O prefeito Eduardo Paes reafirma a importância que o equipamento teve para dar vida nova à área.
— O Museu do Amanhã é emblemático no nosso plano de revitalização do Centro e da Zona Portuária. Ele se tornou um dos grandes ícones dessa transformação que começou lá atrás, com a implosão do Elevado da Perimetral. A partir daquela derrubada, abrimos caminho para reconstruir uma região que por muitos anos sofreu com o abandono. Uma cidade sem Centro é uma cidade sem alma, e o nosso Centro carrega uma história imensa — diz Paes.
Visitantes variados
O Museu do Amanhã também estabeleceu um perfil de público que é variado, desde os turistas que chegam nos navios atracados no porto até os moradores da região, passando por cariocas de todos os cantos da cidade. A maioria dos visitantes são mulheres, embora a diferença não seja tão grande. A faixa etária da maior parte do público está entre 22 e 45 anos.
— E é majoritariamente das zonas Norte e Oeste — sublinha Cristiano Vasconcelos. — A Zona Sul é a menos presente, aparecendo mais em momentos específicos, como na exposição do Sebastião Salgado. O museu é elegante na forma, e popular na prática. Outro dado marcante é que 24% visitaram um museu pela primeira vez na vida aqui. O Museu do Amanhã é porta de entrada para o universo dos museus. E, devido à política de gratuidade, que inclui alunos e professores da rede pública, devemos fechar o ano com mais de 60% de público gratuito. Isso reforça o caráter popular do museu.
Conversa com vizinhos
A gestão sempre manteve contA gestão sempre manteve contato com lideranças do Morro da Conceição, Morro do Pinto, da Providência, além da região da Saúde.
— Começamos a interagir com pelo menos dez instituições, com conversas regulares. Chamamos de vizinhos, não de entorno, porque não estamos no centro, eles estão. Fizemos reuniões para pedir licença para chegar, apresentar o museu, as potencialidades de benefícios, valorização, oportunidades de emprego, renda. Na primeira turma de funcionários, cerca de 20% eram moradores da região. Fizemos a inauguração um dia antes só para os vizinhos, e no dia seguinte para a cidade. Criamos o projeto Entre Museus, levando de mil a 1.200 alunos das escolas da região ao Museu do Amanhã e a outros 20 museus da cidade. Mantemos o projeto até hoje — conta Piquet.
Vasconcelos diz que o projeto de Calatrava “aproximou a cidade da baía”, impactando arquitetonicamente uma região abandonada por muito tempo:
— Os vizinhos usam o calçadão que o museu cuida. Desde março, o museu passou a ser parcialmente aberto, tornando o espaço mais popular. O átrio é aberto e há acessos gratuitos, exposições laterais em parte da programação.
Para os próximos 10 anos, dizem seus gestores, a missão é continuar fazendo do Museu do Amanhã não só um local de relevância cultural, mas também de credibilidade.
— Vivemos uma crise de informação que vai se intensificar. Esse espaço pode ser o lugar da informação segura, do debate seguro. A cultura tem esse poder: ser ponte e não ruptura. Hoje, você vê um vídeo e não sabe se é real. Museus, assim como a imprensa, vão ter um papel fundamental como espaços de informação confiável. Esse trânsito entre real e não real vai ser cada vez mais complexo. E instituições como museus serão fundamentais para ancorar o que é seguro, plural e verificável. Quando imagino o Museu do Amanhã daqui a 10 anos, imagino um lugar relevante, confiável, plural e, sobretudo, necessário — conclui Vasconcelos.ato com lideranças do Morro da Conceição, Morro do Pinto, Providência, além da região da Saúde.
— Começamos a interagir com pelo menos dez instituições, com conversas regulares. Chamamos de vizinhos, não de entorno, porque não estamos no centro, eles estão. Fizemos reuniões para pedir licença para chegar, apresentar o museu, as potencialidades de benefícios, valorização, oportunidades de emprego, renda. Na primeira turma de funcionários, cerca de 20% eram moradores da região. Fizemos a inauguração um dia antes só para os vizinhos, e no dia seguinte para a cidade. Criamos o projeto Entre Museus, levando de mil a 1.200 alunos das escolas da região ao Museu do Amanhã e a outros 20 museus da cidade. Mantemos o projeto até hoje — conta Piquet.
Vasconcelos diz que o projeto de Calatrava “aproximou a cidade da baía”, impactando arquitetonicamente uma região abandonada por muito tempo.
— Os vizinhos usam o calçadão que o museu cuida. Desde março, o museu passou a ser parcialmente aberto, tornando o espaço mais popular. O átrio é aberto e há acessos gratuitos, exposições laterais em parte da programação.Para os próximos 10 anos, dizem seus gestores, a missão é continuar fazendo do Museu do Amanhã não só um local de relevância cultural, mas também de credibilidade.
— Vivemos uma crise de informação que vai se intensificar. Esse espaço pode ser o lugar da informação segura, do debate seguro. A cultura tem esse poder: ser ponte e não ruptura. Hoje, você vê um vídeo e não sabe se é real. Museus, assim como a imprensa, vão ter um papel fundamental como espaços de informação confiável.
Esse trânsito entre real e não real vai ser cada vez mais complexo. E instituições como museus serão fundamentais para ancorar o que é seguro, plural e verificável. Quando imagino o Museu do Amanhã daqui a dez anos, imagino um lugar relevante, confiável, plural e, sobretudo, necessário — conclui Vasconcelos.
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