Curiosidades
CEOs de Big Techs com corpo de cachorro e mais: tecnologia e política dos EUA dão o tom da 23ª da Art Basel Miami Beach
Maior feira de arte das Américas, que termina neste domingo (7), reuniu 283 galerias de 43 países
Miami, espécie de capital da América Latina nos Estados Unidos, é o símbolo da imigração que passou a ser um dos principais alvos da segunda gestão do presidente Donald Trump. E, ao mesmo tempo, uma das cidades-chave da disputa eleitoral americana onde o republicano encontra mais apoio. Assim, era grande a expectativa de como a 23ª edição da Art Basel Miami Beach, a maior feira de arte das Américas, inaugurada quarta-feira (3), responderia aos temas mais urgentes da política dos EUA, por meio da seleção das galerias e dos trabalhos dos artistas.
Novidade em grande estilo:
Em cartaz no Rio:
Logo na abertura a convidados e colecionadores, na quarta-feira — a visitação pública, iniciada na sexta, termina neste domingo (7) — algumas das primeiras obras a atrair a atenção indicavam que a feira seria influenciada pelos temas políticos. “Bones” (2025), escultura monumental em mármore carrara do sempre inquieto Maurizio Cattelan (o artista da banana colada com fita e da privada de ouro), representado pela galeria Gagosian, é uma águia de cabeça para baixo, deixando para o público a leitura de como o símbolo americano foi representado.
Na seção Meridians, o americano Ward Shelley apresentou a instalação “The last library IV: written in water”, em que livros se amontoam junto a caixas com etiquetas como “Medo da democracia” e “Fatos alternativos”.
— A instalação original foi feita durante a pandemia de Covid-19, quando parecíamos ter perdido o senso de verdade comum. Você pode recontar a História para parecer que ela está “do seu lado” — comenta Shelley. — Isso aconteceu na pandemia e está acontecendo agora nos Estados Unidos, onde pegam ideias fundamentais e as distorcem.
Próximo dali, outro artista marcava (literalmente) sua posição de maneira solitária e bem menos evidente. Sentando num canto da Cristin Tierney Gallery, Tim Youd datilografava numa IBM Selectric todo o romance “Fear and loathing on the campaign trail ’72”, de Hunter S. Thompson. A performance faz parte de seu projeto 100 Novels, em que o artista se dedica a reescrever cem clássicos em uma única folha (quando o papel se despedaça, ele o reforça para continuar batendo por cima). A escolha do livro remete ao Centro de Convenções de Miami, onde a feira é realizada e onde o pai do jornalismo gonzo cobriu as convenções de republicanos e democratas na eleição de 1972, disputadas por Richard Nixon e George McGovenrn.
— Thompson usava esse mesmo modelo de máquina, ele cobriu a campanha do início ao fim. O romance conta a história de um período bastante semelhante na política dos Estados Unidos. Olhando para trás, sabemos o resultado e também que Nixon foi forçado a deixar o cargo — diz Youd. — Não sabemos o que vai acontecer agora, mas o modo como Nixon e seus capangas agiam, e como Thompson descreve isso, é muito semelhante ao que vimos nesta administração Trump até agora.
Pela primeira vez na feira, o mexicano Hugo Crosthwaite participa de um solo de sua galeria, a Luis de Jesus Los Angeles, na seção Nova, com foco em individuais. Natural de Tijuana, na fronteira com os EUA, ele representa na série de pinturas “Ex-voto” questões que o fazem figurar tanto como símbolo da nova política migratória de Trump quanto de sua relação conflituosa com instituições de arte. A animação em stop motion “Um retrato do Dr. Anthony Fauci” (2022) entrou na lista de exposições e obras do Instituto Smithsonian que o governo considera “inaceitáveis” — Fauci foi diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas na epidemia de Aids dos anos 1980 e figura de destaque na pandemia de Covid, virando alvo por sua atuação.
— Fauci dedicou 50 anos de sua carreira para ajudar no combate a doenças infecciosas, da epidemia de HIV à pandemia de Covid-19. E um dia me vi citado na lista de obras divulgada por Trump por conta dessa animação — conta Crosthwaite. — Mas esse é o papel de um artista, capturar o momento em que estamos vivendo. Tijuana é uma cidade fronteiriça, não há como escapar das questões de imigração, da violência do narcotráfico. A cidade tem pessoas que vivem lá há 30, 40 anos, mas nunca deixam de querer voltar para os EUA. Você fica preso em dois planos, não somos mexicanos o suficiente para o México, nem americanos o suficiente para os EUA.
Diretora da Art Basel Miami Beach, Bridget Finn avalia que a feira naturalmente se coloca como um espaço para reverberar questões de seu tempo:
— Os artistas sempre respondem ao que acontece no mundo, socialmente, politicamente. Se não fosse assim, seria preocupante. As galerias que estão apresentando alguns desses trabalhos decidiram amplificar as vozes de seus artistas neste momento, e a feira é uma plataforma para isso.
Um dos setores novos desenvolvidos por Bridget em seu segundo ano à frente da feira, o Zero 10, dedicado à arte digital, transformou um dos trabalhos num dos pontos de maior aglomeração da feira. Além da parte tecnológica, . Criada por Mike Winkelmann, um dos maiores nomes da arte digital, mais conhecido como Beeple, a instalação consiste num cercado em que cachorros robóticos reagem a comandos guiados por inteligência artificial. O detalhe é que cada um dos animais tem sobre a cabeça máscaras realistas de silicone de artistas — Pablo Picasso, Andy Warhol o próprio Beeple — e de alguns dos homens mais poderosos do mundo: Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos, CEOs de corporações como o X, a Meta e a Amazon, tidos como alinhados à atual gestão americana. Em intervalos, cartões físicos representando os cães e suas personalidades, com QR codes de NFT, eram distribuídos ao público, em saquinhos semelhantes aos usados para recolher as fezes dos animais reais.
— As pessoas que escolhi, e nisso me excluo, de alguma forma mudaram o jeito que vemos o mundo. Picasso, Wahrol mudaram o nosso olhar. E agora pessoas como Musk e Zuckerberg, que têm um controle drástico dos algoritmos, decidem como o vemos — aponta Beeple, que vendeu por US$ 69,3 milhões a colagem digital “Everydays: the first 5,000 days” pela Christie’s, em 2021. — E eles não decidem isso por meio de resoluções da ONU ou pressionando o Congresso. Eles simplesmente decidem por conta própria. E isso representa um poder imenso.
Grande aposta da feira no ano, a seção Zero 10 correspondeu à expectativa com a grande concentração de público em volta das obras de grande escala, com diferentes aplicações da IA. O canadense baseado em Nova York Dmitri Cherniak apresentou trabalhos da série “Ringers”, que tem referência em “Livro do tempo”, da brasileira Lygia Pape, a partir das infinitas combinações de como passar uma corda por conjunto de pinos. As soluções são mostradas tanto num painel digital de arte generativa quanto em impressões e uma escultura em aço inoxidável.
Outros trabalhos atraíam pela interatividade, como o do alemão Mario Klingemann, que levou à feira a instalação “Appropriate response”. Ela é formada por um painel físico com um grande letreiro que altera as palavras a partir da ação dos visitantes, ao se ajoelharem sobre um genuflexório de madeira, como o das igrejas.
— Sempre fui fascinado pela quantidade de significado que nós conseguimos condensar em frases muito curtas, como ditados, citações. Em cinco ou seis palavras, expressamos verdades profundas. Então treinei um modelo de IA bem inicial, o GPT-2, de 2020, com esse tipo de frases, para criar novas citações, que podem fazer sentido ou não — detalha Klingemann. — Hoje, quando você pede algo ao ChatGPT recebe uma recompensa instantânea. A obra transforma isso numa pequena cerimônia, ao se ajoelhar, com um pouco de esforço para obter esse resultado.
Para Bridget Finn, o Zero 10 adianta uma presença cada vez mais natural da arte digital e com IA nas feiras:
— Veremos mais trabalhos digitalmente nativos entrando em todos os setores. Vai ser muito diferente em cada uma das feiras, o que mostramos aqui não será o mesmo que veremos em Hong Kong (na Art Basel asiática, em março). Estou animada para ver como vai evoluir.
Nelson Gobbi viajou a convite da Art Basel Miami Beach
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