Curiosidades

Aguinaldo Silva sobre 'Três Graças': 'Novela traça um retrato de como nós estamos atualmente como sociedade'

Autor também fez comparações entre a vilã da nova obra e uma de suas mais clássicas personagens: 'Arminda é uma Nazaré, vamos dizer assim, mais sofisticada'

Agência O Globo - 20/10/2025
Aguinaldo Silva sobre 'Três Graças': 'Novela traça um retrato de como nós estamos atualmente como sociedade'
- Foto: Reprodução / Instagram

Lígia Maria das Graças, Gerluce Maria das Graças, Joélly Maria das Graças. Avó, filha e neta que compartilham nome, teto e infortúnios. Ficaram grávidas precocemente e só dependem delas mesmas e uma das outras para alimentar a próxima geração.

'Vale tudo' termina

Detetive:

Parece coisa de novela, e é — as três (Dira Paes é Lígia; faz Gerluce; e Alana Cabral, a Joélly) são o núcleo central de “”, que estreia hoje na faixa das 21h da TV Globo no lugar de “Vale tudo”. Mas também espelham a vida real. Segundo o Censo de 2022, o último do IBGE, 49,1%, ou seja, quase metade dos lares brasileiros são sustentados por mulheres.

— Essa novela traça um retrato de como nós estamos atualmente como sociedade — diz o autor, , que retorna à emissora, agora num contrato por obra, depois de seis anos. — Claro, essa não é nossa intenção principal. Fazemos ficção, melodrama, ou seja, entretenimento. Mas quando você pode entreter o telespectador e, ao mesmo tempo, mostrar certas mazelas, acho que fica mais consistente.

Aguinaldo, que começou a trabalhar no início dos anos 1960 como repórter de polícia, assina a obra com Virgílio Silva e Zé Dassilva (“herdei do jornalismo a noção de equipe”, diz), mas teve a ideia da sinopse há cerca de 20 anos, ao observar a fila da Maternidade Leila Diniz, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Chegou bem cedo para uma pesquisa e observou que maioria das grávidas eram meninas. A presença de homens era escassa. Na casa das Graças, é nula (veja mais personagens no box da página 2).

— Essas três mulheres da novela estão ali numa repetição, num eterno retorno de uma história de gravidez na adolescência — diz Sophie Charlotte, a Gerluce, que, logo no capítulo de hoje, descobre que a filha, Joélly, de 15 anos, está grávida. — A escolha do Aguinaldo de ter essa casa feminina, de mães solos, manda um recado muito forte sobre quem é o centro pulsante da nossa sociedade.

Apesar da crueza da realidade, “a condução artística é de uma tragicomédia”, pouco naturalista, diz Sophie. Dira Paes, cuja personagem Lígia tem uma severa doença pulmonar, completa:

— O texto do Aguinaldo nos dá momentos de extrema leveza, como é a vida mesmo. Ninguém passa o dia chorando, ninguém é inteiro só de um jeito. Mas é uma novela de tintas fortes.

Questionamento ético

A doença da Lígia é o gancho para um questionamento ético importante na trajetória de Gerluce (“qual o limite da busca da justiça, de defender quem você ama?”), que, por sua vez, nos ligam aos vilões da trama, Arminda e Ferette ( e Murilo Benício).

Amantes e sócios, eles estão por trás da falsificação dos remédios que são distribuídos gratuitamente na comunidade paulistana da fictícia Chacrinha, por meio de um subsídio governamental. Lígia é uma das pessoas que recebe esse remédio. Gerluce, por trabalhar na casa de Arminda, descobre a falcatrua e rouba o dinheiro vivo desviado. Ele fica guardado dentro de uma estátua das “Três Graças”, uma representação em gesso das deusas gregas Aglaia, Eufrosina e Tália, as filhas de Zeus que, na mitologia grega, representam a beleza, o encanto, a alegria e a abundância.

— O Ferette é o tipo de vilão que a gente, atualmente, vê todos os dias no noticiário — diz Aguinaldo. — O mais característico da Arminda é a ostentação, ela está sempre “no tipo”. As pessoas vão rir dela, embora saibam que é uma mulher horrorosa.

Uma espécie de Nazaré Tedesco, a vilã criada pelo autor para “Senhora do destino”, em 2004, interpretada por Renata Sorrah e imortalizada nos memes?

— Arminda é uma Nazaré, vamos dizer assim, mais sofisticada — diz o autor. — Nazaré, por trás de todos aqueles cabelos louros, era uma mulher do povo. Arminda não, ela acha que tem direitos que foram dados por uma questão de classe.

Aguinaldo garante que a vilã de Grazi vai fazer “coisas absolutamente inesperadas e surpreendentes”, que vão desafiar a lógica. Afinal, ele escreve novela e não mais reportagens.

— As pessoas podem dizer: “ah, mas ninguém é assim”. Claro que ninguém é assim, porque não é vida real, é ficção — diz o autor, vivendo no momento entre o Rio e São Paulo, mas morrendo de saudades de Lisboa, onde mora. — É possível que volte no fim de novembro se tudo correr bem. Hoje em dia você escreve de tudo quanto é lugar.

E isso não atrapalha os feedbacks, que ele antes tirava de papos na padaria, supermercados e por aí afora.

—Lembro que, na época de “Senhora do destino”, quando eu queria saber o que os homens estavam achando da novela, ia para o botequim da esquina, porque eles viam a novela lá. Eu ficava no meio de um bando de marmanjo, ouvindo os comentários sobre a Nazaré. Hoje, você tem a internet, que é um vastíssimo botequim da esquina.

Sarcástico e debochado

Aguinaldo Silva, como boa parte do Brasil, se encantou por Grazi Massafera no Big Brother Brasil 5 — e torceu por ela, ele diz. Vinte anos depois, pensou na ex-BBB para interpretar a vilã de “Três Graças”, a primeira personagem do tipo em sua carreira na TV.

— O texto é sarcástico e debochado, e espero que o público se divirta — diz Grazi. — Porque de início eu não me diverti, não. Fiquei muito nervosa em pensar como que eu ia fazer isso. Agora, estou começando a relaxar.

Além de estar envolvida num esquema de falsificação de remédios, a Arminda de Grazi maltrata a mãe, Josefa (Arlete Salles), e o filho, Raul (Paulo Mendes). A funcionária Gerluce, então, nem se fala.

—A trama traz uma reflexão sobre o cuidado com os nossos idosos, por exemplo. A gente desacredita que a pessoa está falando isso e vem um riso de nervoso.

A primeira novela de Grazi, “Páginas da vida” (2006), foi, coincidentemente, a estreia de Sophie Charlotte, que celebra, neste trabalho que estreia hoje, a sua primeira protagonista.

— Foram 20 anos de muitas oportunidades maneiras. Meu filho está com 9 anos e está vendo as chamadas na TV — diz a atriz, sobre Otto, fruto da relação com o ex, Daniel Oliveira. — É bonitinho perceber a relação dele com meu trabalho. Estou mais ausente, gravo bastante. Toda mulher que trabalha vive esse dilema insolúvel, mas ele sabe que eu amo o que faço. e está vibrando comigo porque sou a mocinha (risos).

Dira também celebra, neste 2025, o dobro de experiência das colegas: 40 anos de carreira. Anda colhendo os frutos dos filmes “Pasárgada”, que marca sua estreia na direção, e de “Manas”, de Marianna Brennand, recentemente distribuído no exterior pela produtora de Sean Penn. Na TV, voltou para a comédia como Conceição na série “Pablo & Luisão”, do Globoplay, sobre a família de Paulo Vieira, humorista que criou a série.

—Estou incluindo “Três Graças” num ano lindo. Uma obra popular para me conectar com o grande público — diz ela.— Não faço novela desde “Pantanal”, em 2022 e, neste ano, já comecei a sentir essa conexão com “Pablo & Luisão”. Toda vez que uma (criança) banguelinha ri pra mim sei que assistiu à série.