Cidades
Fé, poder e traição: quando o púlpito se transforma em palanque
A exoneração de 50 indicados de um líder evangélico em Maceió revela o uso da religião na política e expõe o rompimento entre JHC e aliados
Em Maceió, a fronteira entre fé e política parece cada vez mais borrada. O rompimento entre o prefeito João Henrique Caldas (JHC) e um influente pseudo-líder evangélico expôs a promiscuidade que há tempos contamina a relação entre religião e poder público. O resultado foi a exoneração em massa de cerca de 50 indicados do grupo religioso, que perderam os cargos comissionados na Prefeitura da capital alagoana.
O estopim foi a desfiliação de Gunnar Nunes Nicácio, filho do pastor-presidente da Assembleia de Deus em Alagoas (AD Alagoas), reverendo José Orisvaldo Nunes de Lima, do partido de JHC (PL). Gunnar e seu grupo migraram para o PP, legenda comandada em Alagoas pelo deputado federal Arthur Lira — o mesmo que, há apenas duas semanas, posou abraçado com JHC durante a inauguração de uma obra da prefeitura em Maceió, selando em público um momento de aparente harmonia entre os dois caciques políticos.
A imagem dos dois sorridentes e abraçados — prefeito e Ex-presidente da Câmara — rodou os bastidores e foi interpretada como um gesto de trégua e alinhamento. Mas a paz durou pouco. Dias depois, o mesmo Arthur Lira recebeu Gunnar Nunes em seu partido, abalando de vez a relação de JHC com a ala evangélica que ocupava dezenas de cargos estratégicos na administração municipal.
A fé como instrumento de poder
Segundo o Blog Kléverson Levy, o episódio escancarou como a religião tem sido usada como ferramenta eleitoral. A Assembleia de Deus em Alagoas, uma das maiores forças religiosas do estado, há anos influencia votações e decisões políticas. O deputado estadual Mesaque Padilha (União Brasil) foi eleito em 2022 com o apoio direto das lideranças da AD Alagoas, ocupando o espaço da chamada “bancada evangélica”.
Para 2026, o próprio reverendo José Orisvaldo articula uma nova candidatura — a do filho Gunnar — à Câmara Federal, agora pelo PP. A movimentação teria sido o motivo principal da ruptura com o prefeito JHC, que, sentindo-se traído politicamente, "meteu a caneta" e exonerou todos os apadrinhados do grupo religioso.
O altar como palanque
Vale lembrar que, há pouco tempo, o prefeito JHC havia feito a doação de um terreno no bairro Eustáquio Gomes para a construção de uma nova igreja da Assembleia de Deus, consolidando uma relação de confiança e conveniência política. A medida havia sido vista como um “gesto de fé” na aliança entre o reverendo José Orisvaldo e o gestor municipal.
Com o rompimento, o gesto se transformou em símbolo de um casamento político desfeito. Gunnar Nunes e seus aliados — agora sem cargos e sem a estrutura da prefeitura — terão que buscar novo espaço de influência dentro do grupo de Arthur Lira, que tenta consolidar uma base evangélica para 2026.
Entre a Bíblia e o poder
A situação levanta uma pergunta incômoda: até onde vai o uso da fé como trampolim político?
Quando os altares se convertem em palanques e a palavra divina serve de senha para nomeações, o nome de Deus é invocado em vão — como alerta o Livro do Êxodo, capítulo 20: “Não invocarás o nome do Senhor teu Deus em vão, pois o Senhor não deixará impune aquele que invocar o seu nome em vão.”
No caso de Maceió, a fé virou ferramenta de poder.
E, como ensina a velha máxima da política: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
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