A boa-fé, enfim respira
Há coisas no Brasil que caminham devagar. Tão devagar que, às vezes, parecem andar para trás. Mas, de repente, em uma tarde qualquer, uma faísca acende, um gesto se move, e a história dá dois passos à frente — como se dissesse, com ironia: “Eu sei que demorei, mas cheguei.”
Foi assim que recebi a notícia da votação no Senado. No primeiro turno, 52 votos a 14. No segundo, quase igual: 52 a 15. Numa Casa onde nada é simples, esses números soam como um raro consenso. E não é pouca coisa: abriram caminho para o reconhecimento constitucional da posse de boa-fé, com indenização não apenas pelas benfeitorias, mas também pelo solo.
Parei por um instante. E lembrei das crônicas que escrevi — aquelas que falavam de famílias inteiras vivendo num limbo jurídico, empurradas para dentro de uma moldura injusta que as reduzia a invasores, quando, na verdade, eram parte de uma discussão muito mais complexa. Gente que nasceu, cresceu, plantou, e se viu, de um dia para o outro, tratada como intrusa na própria história.
Eu sempre defendi ali, linha por linha, que a boa-fé não é um adorno, mas um valor. E que valor, quando ignorado pelo Estado, vira ferida. Por isso dizia — e repito agora — que esses ocupantes deveriam lutar pela indenização justa, aquela que não é favor nem esmola, mas direito.
Pois bem. Parece que a roda do mundo girou, mesmo que rangendo. O Senado abraçou a ideia, colocou no texto da Constituição aquilo que a vida real já gritava há anos: que ninguém pode ser punido por confiar na legalidade do próprio país.
Falta agora apenas o Supremo Tribunal Federal confirmar. Um detalhe grande, é verdade. O mesmo STF que, no passado, enxergou a questão de outra maneira — e, por isso mesmo, carrega agora a oportunidade de corrigir o rumo. A história gosta dessas ironias: às vezes o país anda, e o tribunal precisa vir atrás, acertar o passo, alinhar o compasso.
Mas, por ora, enquanto a decisão final não chega, há um respiro. Um sopro de alívio para quem passou a vida inteira com a sensação de ter construído uma casa em terreno instável.
Se o STF confirmar, não será vitória de um lado contra o outro. Será vitória da razão contra a desrazão. Da justiça contra a dúvida. Da boa-fé contra a burocracia cega.
E, quem sabe, finalmente, o Brasil aprenda a simples lição que esses ocupantes ensinaram sem querer:
— Que boa-fé não é argumento. É princípio.
— Que indenização justa não é prêmio. É equilíbrio.
— E que nenhum país se sustenta quando trata seu próprio povo como culpado por confiar nas regras que ele mesmo criou.
Por hoje, fico com a esperança — essa teimosa senhora que nunca me abandona nas crônicas.
E talvez, desta vez, ela esteja certa de novo.
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