A metrópole ensina, o sertão lembra e a Faria Lima confirma

05/12/2025
A metrópole ensina, o sertão lembra e a Faria Lima confirma
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Há cidades que a gente visita. E há cidades que visitam a gente.
São Paulo é das primeiras. Palmeira dos Índios, das segundas.

Eu desembarquei aqui, nesta metrópole que nunca fecha os olhos, há alguns dias para representar a Tribuna do Sertão em eventos da ANJ e no Google News Summit — um daqueles eventos em que o futuro resolve passar e dar bom dia. Nos corredores iluminados, entre telas que piscam algoritmos e sotaques do Brasil inteiro, falava-se de inteligência artificial, jornalismo, machine learning, desertos de notícias e do desafio de informar onde a informação nunca chega.

E enquanto ouvia tudo isso, era inevitável perceber: por trás de cada slide sobre inovação, a sombra do meu sertão se projetava nítida.
Como se dissesse: “Veja, eu também estou aqui.”

Porque o sertão viaja junto, mesmo quando fica em silêncio no mapa.
Ou quando finge que não veio.

A primeira lição de São Paulo é a velocidade.
Aqui tudo corre: o metrô, a bolsa, as conversas, as oportunidades. Até a chuva apressa. É um mundo que exige passos largos, planos imediatos, decisões rápidas — porque, se você espera, alguém passa à sua frente e leva a vaga, a ideia, o futuro.

Mas bastava meu celular vibrar que Palmeira voltava a me lembrar que nem tudo no Brasil anda no mesmo ritmo.
Uma notificação alertava para mais um capítulo do marco temporal; outra, para a inquietação dos pequenos produtores; mais uma falava de vereadores trocando farpas; outra, das obras paradas, dos buracos, das demoras que insistem em ser eternas.

Era como viver simultaneamente em dois fusos horários: o da metrópole acelerada e o da cidade que ainda espera decisões que não chegam.

E São Paulo seguia correndo.
E Palmeira seguia pedindo tempo.

Essa contradição ia comigo até a Faria Lima, onde techies de mochila nas costas falavam em “soluções escaláveis”, “automação de conteúdo”, “mitigação de desertos informacionais”. Eu ouvia tudo e pensava: “Escalável é o que o povo do interior sempre precisou que fosse: justiça, informação e respeito.”

Porque inovação nenhuma vale se não conseguir atravessar a BR-316.

Entre uma palestra e outra, eu me recolhia ao canto do auditório e observava. Gente de todos os estados, jornalistas de redações gigantes, professores universitários, líderes de startups, e eu ali, com a Tribuna do Sertão na credencial, carregando comigo uma história que não cabe em cartões de visita.

O sertão, quando viaja, carrega a própria biografia dentro da bolsa.

Era bonito perceber que, naquele universo tão distante, nosso Mandacaru Digital ganhava sentido. Um projeto nascido no chão quente de Alagoas, pensado para irrigar 49 desertos de notícias, estava sendo apresentado na cidade que mais produz conteúdo no país. E o pessoal ouvia com atenção, perguntava, anotava. Como se ali, entre arranha-céus, um pedaço do sertão também estivesse sendo iluminado.

E estava.

Afinal, não é sempre que Palmeira dos Índios pisa na Faria Lima.
E quando pisa, deixa rastro.

Mas se a metrópole me mostrava caminhos, Palmeira me puxava pelos ombros com sua memória insistente.

Era madrugada no hotel, o silêncio paulistano tentando ser elegante, e meu celular vibrava como quem cutuca:

“Viu isso?”
“Olha esse vídeo.”
“O prefeito falou.”
“O vereador rebateu.”
“Tem reunião amanhã.”
“A FUNAI perdeu o prazo.”
“Saiu certidão nova.”

E lá estava eu, na penumbra do quarto, tomando um gole d'água, lendo PDFs judiciais enquanto o ar-condicionado fazia o papel de vento frio da madrugada.

É uma vida dupla: o jornalista que vai ao Google discutir inteligência artificial e o sertanejo que não consegue ignorar a cidade onde cresceu, viveu, testemunhou, escreveu. Palmeira nunca me deixa desligar. E talvez isso seja a maior prova de amor de uma cidade.

Porque só o que importa incomoda.
Só o que é nosso atravessa o país dentro de uma notificação.

E entre toda essa avalanche de informações, São Paulo me ensinava mais uma coisa: que o futuro não pertence apenas aos grandes. Ele pertence a quem tem propósito. A quem olha para a própria terra e diz: “Eu posso melhorar isso.”

Cada palestra sobre desertos de notícias confirmava isso. Quanto mais falavam sobre regiões abandonadas pela imprensa, mais eu lembrava das 49 cidades de Alagoas que sequer têm um jornal local. Cidades inteiras onde ninguém registra a história do dia, onde denúncias sumiriam sem testemunhas, onde o povo fala mas ninguém escuta.

E era inevitável pensar:
“Se não formos nós, quem será?”

A Tribuna do Sertão nasceu para isso.
E o Google News Summit não fez outra coisa senão reforçar a missão.

A metrópole ensina, mas o sertão lembra.
E quando ambos se encontram, nasce o caminho.

No fim das contas, São Paulo foi generosa.
Abriu portas, ofereceu ideias, mostrou possibilidades.
Mas, ao mesmo tempo, Palmeira dos Índios me acompanhou como um faroeste no bolso — com seus conflitos, seus pedidos de atenção, suas urgências políticas, seu povo que luta para ser ouvido.

É bonito perceber: o cronista pode até se ausentar da cidade, mas a cidade não se ausenta dele.

Entre uma apresentação do Google e uma briga de bastidores que estoura no WhatsApp, entre a grandiosidade da Avenida Paulista e a simplicidade do Alto do Cruzeiro, eu entendi que meu papel é exatamente este:

Ser ponte.
Entre o que São Paulo ensina e o que Palmeira precisa.
Entre o que a tecnologia promete e o que a realidade cobra.
Entre o futuro e a terra que me formou.

E talvez, quem sabe, seja essa a verdadeira missão de quem escreve:
carregar o sertão para onde o futuro estiver indo.
E voltar com ferramentas novas para iluminar as estradas de casa.

Porque, no fim, o sertão também brilha na Faria Lima.
E quando brilha lá, é para iluminar aqui.

Vladimir Barros

Vladimir Barros

É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Jornalista filiado ao Sindjornal/FENAJ, é membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É também membro da Academia Palmeirense de Letras (Palmeira dos Índios) e fundador da Rádio Cacique FM.