O muro que separa o povo em Palmeira
Ergueu-se um muro no meio da cidade.
Não de concreto, mas de medo, de discurso, de desconfiança.
De um lado, os que ocupam; do outro, os que temem perder o pouco que têm.
Ambos pobres, ambos cansados, ambos filhos do mesmo abandono — e, ainda assim, agora inimigos.
É impressionante como o sistema tem talento para fazer o povo brigar entre si.
Não há bala perdida: toda divisão tem endereço certo.
Enquanto uns gritam “invasores”, outros respondem “resistência”, e, no meio da confusão, o verdadeiro inimigo — o poder que deveria garantir casa, terra, dignidade — assiste de camarote, sorrindo, como quem assiste a uma boa novela e só se pronunciam quando não tem mais tempo para enrolar.
A política aprendeu cedo a cultivar muros: uns visíveis, outros invisíveis.
Divide o povo, espalha medo, acende o pavio da discórdia e, depois, posa de bombeiro.
E o povo, que nunca teve manual para entender o jogo, acaba acreditando que o problema é o vizinho, não o sistema que o obriga a escolher entre morar e sobreviver.
Há quem chame de “luta de classes”, mas, no fundo, é mais simples — e mais triste: é a luta de pobres contra pobres, mediada por quem nunca conheceu a pobreza ou quando saiu dela, se lambuzou.
Um conflito regado por fake news, promessas e orações manipuladas.
Cada lado acha que tem razão, e tem mesmo — porque, quando a fome é justa, todo argumento tem lógica.
Mas a justiça, essa palavra que mora longe, parece ter perdido o endereço da periferia.
Ela caminha devagar, tropeçando nos buracos que a desigualdade cava, enquanto o desespero corre.
E o desespero, quando chega primeiro, faz estrago: toma o que é do outro, grita mais alto, constrói muros e acredita que está se defendendo — quando, na verdade, está sendo usado.
E onde está a ponte?
A ponte é rara.
Mas existe.
Ela nasce quando alguém escolhe olhar o outro e não o lado.
Quando um trabalhador percebe que o vizinho, aquele que ocupa o terreno, quer apenas o mesmo que ele: um teto, um endereço, um chão.
Quando a Igreja, as entidades, os líderes e as vozes da cidade resolvem falar de conciliação, e não de culpa.
Quando o diálogo vence o despejo.
Não é ingenuidade pedir paz onde há conflito.
É coragem.
Porque a paz não é o silêncio da opressão, é o barulho da justiça sendo feita.
E, se há justiça, ela precisa ser para todos — porque não há muro que se sustente quando o chão é igual para cada um.
Um dia, quem sabe, o povo perceberá que o inimigo nunca morou na casa ao lado.
Ele mora mais longe — no gabinete refrigerado, no orçamento secreto, na promessa não cumprida.
E o muro, que hoje separa vizinhos, cairá com a força de quem entendeu que dividir é o verbo preferido de quem quer continuar mandando.
Até lá, que o povo aprenda a se ver como povo.
Porque, se há um muro, que ele sirva para lembrar que do outro lado também há humanidade.
E que ninguém vence sozinho quando todos estão do mesmo lado da fome.
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