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Ciência, religião, iluminismo, indicações ao supremo
Temos essa graça brasileira da contemplação nacional com o gosto pelo evangelismo. Nada contra evangélico\as particularmente ou a cristandade em geral. Não me preocupa a presença de crentes, mas a ausência de Iluminismo.
O Iluminismo tem duas características basilares: a prevalência da liberdade individual sobre o poder autoritário dos governantes; a centralidade da razão, o que implica a recusa de dogmatismos, políticos ou religiosos.
“Em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 6 votos a 5, que o ensino religioso em escolas públicas pode ser confessional (vinculado a uma crença específica) e não apenas não confessional.
Restou permitido que professore\as de certa religião possam ministrar as aulas, desde que a matrícula dos alunos seja facultativa e o Estado garanta a diversidade cultural religiosa do Brasil e a vedação ao proselitismo” (Google).
A decisão, embora declare a laicidade do Estado e mantenha com o\a aluno\a a decisão de matrícula, permite que a disciplina seja ministrada por professor\a de religião específica. Então, imagine se um padre vai ensinar candomblé.
Se algo sobrou de laico do trâmite do processo, foi, apenas, o fato de o Estado, via STF, em votação discutida e com resultado apertado, ter sido a entidade decisória, e não uma igreja qualquer. Seja: o Supremo o permitiu, não Jeová.
Na prática, não obstante a vedação ao proselitismo (ato de tentar converter alguém a uma religião), conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), está aberta a conformação ideológica das crianças.
Também é fato laico a propositura da ação ser da Procuradoria Geral da República (PGR). Porém, o processo acabou em acontecimento religioso: professore\as de escolas públicas podem pregar suas crenças religiosas na sala de aula.
Crentes discursando divinizações para crianças é um atentado à Civilização Ocidental. Retrocedemos a um período histórico anterior ao Iluminismo, o maior enfrentamento à mentalidade religiosa de todos os tempos.
Hélio Schwartsman (FSP, 30set17, editado) resume a questão: “O Supremo Tribunal Federal cometeu um pequeno crime contra a garotada ao autorizar o ensino religioso de caráter confessional nas escolas públicas brasileiras.
A substituição do ensino confessional por uma abordagem histórico-antropológica permitiria uma interpretação mais harmônica do art. 210 combinado com o art. 19 da Constituição, que estabelece o princípio do Estado laico.
O que estava em jogo nunca foi a liberdade de expressão do professor, irredutível, mas sim o currículo oficial e a forma de recrutamento dos mestres, de modo a evitar o loteamento da disciplina entre igrejas mais atuantes.
Na publicidade doutrinária, as religiões desenvolveram uma complexa rede de captura de fiéis que inclui pregadores individuais, propaganda boca a boca, canais de rádio e TV, , cursos de catecismo, escolas dominicais etc.
Não há necessidade de dar às igrejas um púlpito nas escolas públicas. Nesse contexto, ao permitir que igrejas se apropriem de vagas de professor e de horas de aula, o STF perpetrou um delito de lesa-pedagogia.”
O imbróglio é uma herança petista (governo Lula, 2010), de uma esquerda alicerçada em compromissos com os fundamentos ideológicos da direita, incluindo alinhamento internacional contratado com uma multinacional da fé:
Um decreto promulgou acordo entre o Brasil e o Vaticano, o qual prevê que o “ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Eis a nossa (des)razão: um sincretismo de visões de mundo incidindo sobre crianças condenadas a conciliar divagações sobre criacionismo com aulas de ciências que discorrerão, se não censuradas, sobre evolução.
Esse caldo de concepções talvez apenas nos desavisasse, porém, há mais: “Os cortes orçamentários em Ciência e Tecnologia ‘comprometem seriamente o futuro do Brasil’ e precisam ser revistos ‘antes que seja tarde demais”.
Este é o triste diagnóstico de “um grupo de 23 ganhadores do Prêmio Nobel, que enviou uma carta ao presidente Michel Temer, recomendando mudanças na postura do governo com relação ao setor.”
E arrematam: “‘Isso danificará o Brasil por muitos anos, com o desmantelamento de grupos de pesquisa e uma fuga de cérebros que afetará os melhores jovens cientistas’ do País” (Herton Escobar, Estadão\Exame,
30set17).
Somam-se outras notícias que parecem dissociadas da mentalidade religiosa, mas são de fundo comum: o orçamento para a Ciência e Tecnologia é seguidamente reduzido, e os recursos, contingenciados.
Decisões ideológicas sobre verbas: não é difícil compreender a urgência em alocar meios para aulas de religião. Em (sempre) época eleitoral, o agrado aos deuses é meio de atração ao povo tão “preocupado” com o saber da Nação.
Rumos vistos de uma nação. “Eu vou nomear um ministro terrivelmente evangélico”, disse Bolsonaro. E nomeou André Mendonça, coerente com seu discurso de campanha e com sua postura direitista e religiosa.
O problema é a esquerda (que afirmo ser de direita) emular a direita e acabar em arremedo com o mesmo fundo ideológico: “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o atual Advogado-Geral da União, Jorge Messias, para a vaga de ministro no (STF).
A indicação foi vista por analistas políticos como um gesto para agradar o eleitorado evangélico e buscar apoio da bancada religiosa no Senado, já que Jorge Messias é evangélico e tem bom trânsito nesse meio” (Google).
Laicidade: “doutrina ou sistema que preconiza a exclusão das igrejas do exercício do poder político e/ou administrativo” (Houaiss). É doutrina constitucional: o Estado laico não persegue religiões, mas as subtrai de influência na vida pública.
Não no nosso caso: religião nas escolas, com crianças sendo feitas cativas de proselitismo em disputa de igrejas, que podem mais se mais podem controlar recursos de educação; religião no STF, com a Bíblia sendo sobreposta à Constituição.
Religião, enfim, de credo de alguém a seu deus (ideologia da vida privada, lógica bolsonarista), tornou-se recurso utilitário com fim eleitoral (manipulação ideológica da vida pública, lógica lulista). Aleluia, irmã; aleluia, irmão.
De repente, pousamos. Sempre é bom pousar: para algumas pessoas, porque chegaram; para outras, pelo alívio do medo de voar. Então as malas, as poucas conversas, a dispersão. Todo mundo se vai. No saguão, a minha felicidade estava lá. Outra breve viagem, a caminho do interior. Felicidade de outro modo; felicidade no plural. Outra história para contar.
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