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Raimundo, o resignado

21/09/2025
Raimundo, o resignado

Raimundo, cearense de fé, foi trabalhar em Maceió nos anos 70, onde ficou morando para o resto da vida. Religioso, crente, não perde missa e comunga aos domingos. Toda calamidade acontecida ele encara com a frase resignada: “São os desígnios de Deus”. Sua religiosidade tornou-o um homem temente ao Todo Poderoso. No Colégio Marista do Ceará, era considerado peixinho dos irmãos pela inabalável fé aos dogmas da Igreja Católica. Rezava muito, ajudava à missa, era coroinha. Era o exemplo de jovem, o que deixava a galera do mal enciumada. Tornou-se alvo de muitas brincadeiras irreverentes. Raimundo, nem aí, era firme em suas convicções com muita personalidade. 

Na maturidade, preservou o sentimento religioso conformista. Tudo que acontece, seja bom ou mal, para ele resignado: “São os desígnios de Deus”. Sua mulher Iolanda, depois de 35 anos de casados, dois filhos encaminhados, funciona, na prática, como uma irmã e amiga. Cuida bem do marido e da casa, mas não se cuida, já ultrapassou os 118 quilos. Mais de três anos sem sexo completou o casal.

Com todos os predicados religiosos, Raimundo não é o santo que se parece; tem seus pecados. Gosta de sair com uma garota de programa em alguma tarde. Ele não confessa esse pecado ao padre. Justifica a si mesmo, resignado “São os Desígnios de Deus”

Certa tarde, Raimundo estava dirigindo pela orla de Pajuçara para refestelar sua alma olhando o verde azulado do mar. Ao longe, ele avistou uma mulher pedindo carona com a mão. Raimundo, gentil, parou o carro adiante, a moça se aproximou perguntando:
– Vai até à Jatiúca?

Raimundo abriu a porta e a bonita jovem foi sentando, cruzou as belas pernas mal encobertas pela mini saia. Deu uma sensação de fervor nas veias de Raimundo. Puxou conversa até chegar à praia de Jatiúca.

– Você foi tão gentil, não quer um agradecimento logo adiante na praia deserta de Ipioca?

Raimundo ficou entusiasmado pela aventura inesperada. Seria coisa rápida, disse ela. Nosso amigo empolgado estacionou o carro embaixo dos coqueiros, perto a outros carros que ali estavam, enquanto os ocupantes se dedicavam ao amor vespertino. Michelle pediu para ele se dirigir mais adiante, num local mais ermo. Raimundo atendeu e estacionou o carro num local mais deserto no meio do coqueiral.

O cearense ficou encantado com a habilidade da jovem quando acabou a função. De repente, Raimundo ouviu um “toc-toc” no vidro do carro. Ao olhar ao lado, havia um cano de revólver apontado e uma voz mandando abrir o vidro. Eram três meliantes. Colocaram o casal no banco traseiro e deram a partida. Um dos meliantes tinha um revólver na mão direita e alisava o cabelo de Michelle com a esquerda. Rumaram pelo litoral norte. Nos arredores da praia mais deserta, o motorista estacionou, estava escurecendo. 

Os assaltantes mandaram os dois descerem, cataram dinheiro, carteira, cartão, tudo que podia. Um dos meliantes obrigou Michelle a fazer o que ela já havia feito com Raimundo. Os outros dois bandidos barbaramente estupraram Raimundo por trás de uma moita. Deixaram o cearense sozinho na praia. Levaram o carro e a moça.

Foi um pesadelo para nosso amigo, a região ficou dolorida. Andou até um povoado, tomou um táxi, foi para casa. Contou a sua mulher sobre o assalto, prestou queixa à Polícia, omitiu o detalhe do estupro.

No dia seguinte pela manhã recebeu a boa notícia: tinham encontrado o carro abandonado na fronteira de Pernambuco. O carro estava intacto, tudo resolvido.

Mas um problema ficou: Toda noite Raimundo sonha com o estupro. Teve a ideia de procurar um médico, fazer análise. Depois de algumas seções, ouvindo a história do estupro e dos sonhos noturnos, o médico psicólogo concluiu que sua sexualidade é ambígua, ou seja, Raimundo é bissexual. 

O coroa cearense, toda semana, continua com suas garotas de programa. Agora, variando com rapazes como nos sonhos. Não tem coragem de contar a história ao padre no confessionário. Mas em seus devaneios, ele se justifica, resignado: “São os desígnios de Deus.