Artigos

O mal que nos habita em alguma medida

12/08/2022
O mal que nos habita em alguma medida

É muito comum ouvirmos uma e outra pessoa falar, aqui e acolá, uma e outra coisinha a respeito da tal “geração do mimimi”, ou da “cultura do vitimismo”, enfim, sobre as incontáveis pessoas que se veem tomadas até a medula por um intenso sentimentalismo tóxico que as reduz a uma condição, no mínimo, degradante.

Infelizmente, tais comentários, sejam eles devidamente fundamentados, ou meramente superficiais, apontam para uma realidade incontestável que se faz presente, de forma gritante, em nossa época. Porém, tal fenômeno não surgiu do nada e não é um fruto que foi gestado por uma suposta predisposição do nosso tempo para esse tipo de impostura. Nada disso. Lembremos, sempre, que toda encrenca presente tem lá suas raízes remotas.

Já faz um bom tempo que vemos incontáveis teóricos da educação, e borbotões de psicólogos, referindo-se a [suposta] grande fragilidade psíquica e social do indivíduo humano, sobre o grande perigo que sentimentos e estímulos negativos podem ter na constituição da personalidade de uma pessoa. Tamanha foi a ênfase, tão grande foi a aceitação das narrativas teóricas que apontavam para essa direção, que passou-se a tratar as tenras gerações como se os infantes fossem feitos de porcelana. Detalhe: isso não é de hoje não.

Aí, eis que temos gerações e mais gerações de pessoas que são criadas sob o manto [praticamente] onipresente da superproteção, que procurava, e procura, das mais variadas formas possíveis, resguardar as mentes infantis e juvenis contra todos os possíveis sentimentos negativos, por menor que eles sejam.

A consequência de tal postura que, literalmente, tornou-se a toada única em matéria de educação, foi justamente a fragilização dos indivíduos de uma forma ampla e irrestrita. Uns mais do que outros, sim, mas é praticamente impossível quem não foi, em alguma medida, afetado por essa concepção maliciosa de ser humano nas últimas décadas.

Tal fragilização do caráter dos indivíduos, acabou por dar à luz a inúmeros problemas e a amplificar outros mais que já se encontravam latentes em nossos corações há muitas gerações. Destes, gostaria de chamar a atenção para apenas três que, no meu entender, tiveram e tem um papel de destaque na destruição da educação.

Os três seriam: (i) a limitação da capacidade cognitiva dos indivíduos, (ii) o aumento da instabilidade interior que acabou por fomentar uma maior dependência afetiva e uma ampliação significativa da sensação de falta de sentido da vida e, não mesmo importante, (iii) um crescente isolamento social que leva o indivíduo a cair em um vertiginoso processo de despersonalização que, ao mesmo tempo que fragiliza o sujeito, amplia o seu desejo [reprimido] de violência que, vez por outra, acaba por manifestar-se em explosões de agressividade descomunais contra si mesmo, contra algo ou contra alguém.

A respeito do último ponto, há uma sentença que certa feita fora dita por Jordan Peterson, onde o mesmo nos lembra que se você acha que homens durões – cheios de “masculinidade tóxica” – são perigosos, espere até ver do que são capazes os homens fracos, cheinhos de “alteridade e bom-mocismo”.

Nada mais perigoso do que indivíduos que nunca se veem como responsáveis pelas suas escolhas, nada mais danoso do que pessoas que não são capazes de se reconhecer nas consequências de seus atos, nada mais temerário do que um sujeito que não sabe lidar com seus conflitos e frustrações. Bem, é isso o que acontece quando se superprotege alguém.

Quanto ao segundo ponto, temos diante de nossas vistas uma pálida expressão daquilo que Viktor Frankl chamou de neuroses noogênicas. Muitos são problemas existenciais, muitíssimas são as frustrações que foram sendo cultivadas frente a incontáveis ninharias da vida que atormentam boleiras de pessoas superprotegidas e, tudo isso, junto e mal misturado, acabou gestando nos corações a perda daquilo que Frankl chamava de vontade de sentido, vontade essa que foi sendo lentamente mutilada pela superproteção que lhes foi proporcionada desde tenra idade.

Por fim, quando limitamos o campo de sensações e experiências que um indivíduo pode ter a apenas aquilo que é agradável a ele e que, de jeito maneira, o expõe a uma situação onde terá de lidar com sentimentos negativos, conflitantes e, por que não, frustrantes, sem nos darmos conta, terminamos por limitar de forma severa a sua capacidade de concentração e, consequentemente, o seu poder de compreensão.

Indivíduos condicionados a apenas concentrar-se naquilo que os estimula positivamente, acabam sendo desestimulá-los a aprender significativamente. Ou seja: se não for agradável, divertido, gostoso e legal, não receberá da parte dos superprotegidos a necessária atenção para obter-se um mínimo de compreensão.

Enfim, por essas e outras razões, antes de ficarmos apontando nossos dedos acusadores para aqueles que padecem com a “cultura do mimimi”, lembremos de voltar os nossos olhos para todos aqueles que elevaram a superproteção à condição de pedra angular da educação para reconhecermos, de forma clara e inequívoca, a responsabilidade destes doutos frente a fragilização dos corações e mentes deste triste país e, principalmente, para procurarmos corrigir esse mal que, admitamos ou não, também nos habita em alguma medida.

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor e cronista ([email protected])