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Entre glória dos Ramos e do Madeiro

05/08/2022
Entre glória dos Ramos e do Madeiro

Há um velho provérbio chinês, extremamente popular, que com grande frequência é repetido por nós; ditado esse que afirma que uma imagem vale mais do que mil palavras. Dito de outro modo: mil palavras não seriam capazes de comunicar o que uma imagem diz.

Essa é, francamente, mais uma daquelas frases feitas que são repetidas por nós, de maneira automática, como se fosse uma decisão do STF, porém, sinceramente, acho essa frase, em particular, uma bela de uma marmelada. Uma baita de uma marmota. E se estou errado no que digo, tente explicar o dito, em suas minúcias e profundidade, sem recorrer ao uso de uma única palavra sequer.

Então, não dá, não é mesmo? Por isso que quando abrimos a Sagrada Escritura (Gênesis I, 1-3) lemos: “No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra era solidão e caos, e as trevas cobriam o abismo; mas sobre as águas pairava o Espírito de Deus. Então Deus disse: ‘Faça-se a luz!’. E a luz se fez.”

Sem a presença da palavra não há luz. Sem o chamado apresentado pela palavra, o que temos é apenas desordem, trevas e ausência de sentido. Deus fala e, ao pronunciar-Se, o caos se ordena, as trevas se dissipam e tudo começa a tomar forma e sentido, porque a imagem da criação nada é sem a palavra do Criador.

Agora, se voltarmos nossos olhos para o Domingo de Ramos, veremos o Verbo Divino encarnado, montado num burrico, adentrando a cidade de Jerusalém, sendo aclamado como rei que é. Como todos conhecemos razoavelmente bem a liturgia desta data, sabemos que alguns fariseus pediram para que Jesus Cristo pedisse para que as pessoas parassem com aquilo [onde já se viu?], para que elas se calassem e, Nosso Senhor, proferiu aquelas palavras curtas e diretas, que todos nós conhecemos muito bem (Lucas XIX, 40): “se eles se calarem, as pedras clamarão”. As pedras, duras e frias, irão calorosamente falar, já que nossos corações tornaram-se mais frios e duros do que natureza pétrea delas.

Também, não nos esqueçamos, que foi por meio de palavras maliciosas que o pecado fez morada em nosso coração. Palavras maliciosas essas que acabaram por turvar o sentido de nossas palavras humanas e abriram um soberbo abismo em nosso coração, um fosse de ignorância que nos distancia imensamente da compreensão daquilo que nos é ensinado pela Palavra de Deus.

Quando lemos atentamente o Antigo Testamento, vemos com grande clareza, quantas e quantas vezes o povo de Israel vacilou. É um festival de equívocos, erros, tropeços, fraquezas, enfim, são inúmeros os exemplos que nos são apresentados para compreendermos o quão fácil é nos perdemos de nós mesmos, de nos extraviarmos do caminho e, principalmente, o quão grande é nossa vaidosa auto suficiência que nos leva, dia após dia, a confiarmos muito mais em nossa estulta presunção [ideologicamente formatada, ou não], do que na divina e generosa instrução que nos liberta do labirinto das perdições.

Aliás, se formos um pouquinho ousados, podemos dizer que toda essa desventura em série do Antigo Testamento, que se faz mui bem presente no coração do homem moderno, poderia ser sintetizada naquilo que G. K. Chesterton nos diz quando declarou que o problema daqueles que viram as costas para Deus não é que eles não mais creem Nele, mas sim, que tais figurinhas passaram a acreditar em qualquer coisa que eles preferirem colocar no centro de suas vidas – no lugar do Altíssimo – para render-lhe um culto indevido.

E, é claro, quando desdenhamos a palavra de Deus, quando fazemos pouco caso do Verbo divino, colocamos o que em Seu lugar? Pois é, qualquer tranqueira, juntamente com a finura de uma imagem, e com a formosura de algumas palavras, para adorá-la como a um ídolo feito a nossa imagem e parecença que, necessariamente, reflita todos os nossos vícios e defeitos e, ao invés de nos convidar à correção, leve-nos a adorá-los e a transformar o pecado num vil projeto de vida para, ao final, idolatrarmos a nós mesmos.

Lembremos, também, que Cristo, Nosso Senhor, não ensinou por meio de retratos. Nada disso. O Nazareno instruiu e instrui nossos corações por meio de palavras, gestos e ações, não por meio de poses e afetações. Agora, quanto à traição, essa se deu por meio da mutilação da palavra, da distorção dos gestos e da maquinação de ações. Não nos esqueçamos: a vil traição foi consumada por meio de um beijo. O ósculo, sinal de bem querer, apresentou-se como marca definitiva da negação do amor divino que se fez carne e habitou entre nós.

E falando-se em amor, não esqueçamos que Deus não se fez figura, nem retrato, para nos ensinar a amar. Não. Ele se fez compaixão, entregando-se por nós à sua dolorosa paixão que, por inúmeras razões, que carecem de muitas explicações, é muitas das vezes apenas celebrada por nós, no século XXI, como sendo um reles feriado para descansarmos nossa carcaça, e não pelo que realmente é.

Sim, as imagens que são usadas por nós para tentar retratar tamanho gesto de amor são insuficientes e, para ajudar mais um pouco, as palavras de que dispomos não bastam para dar conta da imensidão do amor divino por criaturas tão pequeninas e simplórias como nós que, com nosso palavrório modernoso e cheio de nove horas, infelizmente, e das mais variadas maneiras, fazemos pouco caso do presente inestimável que nos foi dado por Deus por meio do preciosíssimo sangue do seu amado Filho.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor e cronista ([email protected])