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A calcinha

12/12/2021
A calcinha

Almeida e Gertrudes são duas extraordinárias criaturas. O que se pode chamar de casal perfeito. Pessoas bonitas, politicamente corretas, inteligentes, bem sucedidas, sem preocupações financeiras. Todo ano realizam belas viagens, conhecem o mundo.

Como toda família bem aquinhoada, eles têm uma casa na praia da Barra de São Miguel. Os filhos crescidos só vão à casa de praia na temporada de verão e na efervescência do carnaval.

Depois do carnaval a casa fica vazia por algum tempo. Certo domingo Almeida convidou Gertrudes para passar o dia na Barra, fazer alguns pagamentos e verificar a manutenção da casa.

Na bela manhã Almeida tirou o carro da garagem, rumaram à praia. O céu azul de brigadeiro e o mar verde fazem a beleza daquela estrada entre coqueirais.

Ao passar pelo posto policial, um soldado acenou parando o carro. Almeidinha mostrou suas carteiras pessoais e pediu à Gertrudes para apanhar os documentos do carro no porta-luvas. Ao puxar a tampa, ela enxergou uma pequena peça de pano branco no fundo. Quando levantou a pequena peça pelos dedos, não conteve o grito:

– Uma calcinha!

Era uma peça linda de renda branca, bem cavada. Gertrudes indignada foi direta em bom tom encarando o marido:

– Almeida me explique isso direitinho, uma calcinha no porta-luvas de seu carro! Essa eu nunca esperava!

O marido respondeu que também estava surpreso, não sabia de quem seria a calcinha.

O guarda constrangido liberou o carro. Almeida não conseguiu se restabelecer da surpresa, do impacto da calcinha, partiu em direção à casa da Barra.

No terraço daquela bela casa, olhando para o infinito e a beleza do mar, Almeida se dizia inocente, não tinha ideia de quem poderia se a bela calcinha. Gertrudes contrariada, chateada por não estar acreditando em seu marido que nunca teve deslize em mais de 38 anos de casados.

Ao meio-dia Almeida foi buscar um almoço num restaurante, voltou uma hora depois. Estava mais calmo, mais confiante. Serviu a lagosta grelhada para mulher. Tudo havia de esclarecer.

Na boca da noite voltaram à Maceió, chegando ao belo edifício na praia da Pajuçara, Gertrudes pediu aos três filhos que fossem ao jantar às oito da noite.

Quando serviram os pratos, Gertrudes com sua maneira espontânea e calma, falou aos filhos:

– Estamos com um problema. Encontrei uma calcinha no porta-luvas do carro do Almeidinha.

Tirou da bolsa e mostrou a bonita peça artesanal. Cacilda a filha mais velha, pediu para olhar. Ao examinar, deu um sorriso e falou com certeza.

– Essa calcinha é da Verônica, minha amiga, filha da Tia Rose. Ontem fomos ao Shopping no carro do papai, ela comprou uma calcinha e experimentou no carro, deve ter deixado no porta-luvas.

Foi um alívio para o casal. Cacilda no seu papel de bombeira apressou-se em telefonar para amiga. Verônica não custou a chegar. Confirmou ser a dona da calcinha.

Foi o suficiente. Era só isso que Gertrudes precisava, nada questionou, abraçou Almeida. Tudo ficou como antes, como no quartel de Abrantes.

Já dizia o filósofo pernambucano Chacrinha: “Quem não se comunica, se trumbica”, principalmente com as facilidades da alta tecnologia atual de computadores, internet e principalmente celulares.

Em seu aniversário, Cacilda ganhou do generoso pai, um carro, verde, zero km, com ar condicionado. O irmão invejoso diz, à boca pequena, que o presente tem a ver com a história da calcinha. Isso é maledicência, picuinha de irmão despeitado. Ninguém pode ser bom e gentil com uma filha tão boa e distinta.