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‘Pode levar anos para consertar o que Netanyahu quebrou’, diz Uriel Abulof

03/06/2021

Os anos de Binyamin Netanyahu no poder deixaram uma marca profunda na política e na psique da sociedade israelense, segundo o professor de política da Universidade de Tel-Aviv e da Cornell (EUA) Uriel Abulof. Em entrevista ao Estadão, ele ressalta que até a nova coalizão tomar posse, muita coisa pode acontecer.

Como será o cenário político sem Netanyahu?

Primeiro de tudo, temos de esperar até que esse governo seja oficializado. É muito difícil dizer o que vai acontecer, mas acho que a maior questão aqui não é se Netanyahu está ou não no poder, mas qual extensão de sua cultura política e se ela ainda continuará presente no Parlamento, no governo, na sociedade. A maior parte do que Netanyahu levou para a política de Israel é com base no medo e na raiva. Se o novo governo vai ser capaz de mudar esse clima depende deles e da sociedade israelense, tanto judeus quanto árabes. Definitivamente, ele deixa uma marca profunda, não apenas na política, mas também na psique do público israelense.

O cenário ainda pode mudar?

É uma possibilidade, pois até o novo governo tomar posse, não se pode anunciar um novo governo em Israel. Ainda há tempo para Netanyahu cortejar membros e achar algum meio de fazer dois ou três, de alguma maneira, desistir do acordo. Uma semana é uma eternidade em termos do que você pode fazer em política.

Como será uma oposição com Netanyahu?

Uma vez fora do cargo, podemos imaginar que tentará consolidar sua liderança no Likud na oposição. Quanto mais rápido o novo governo for capaz de se concretizar, mais difícil ficará para o Likud. As pessoas estarão dizendo que já é hora de Netanyahu ir embora. Não há muitas pessoas corajosas no partido.

O que ocorrerá com relação aos processos que responde por corrupção?

Isso é uma questão para os tribunais. Se decidirem, ele vai para a prisão, a não ser que fuja do país ou se esconda. Mas enquanto o processo correr, há um perspectiva real de que ele vá para a prisão.

Pode haver alguma articulação para protegê-lo?

Não se ele estiver na oposição. A última coisa que eles querem é Netanyahu de volta. A nova coalizão está longe de ser homogênea, vai da extrema direita, passando pelo centro, até mesmo pela esquerda radical. Foi preciso que todas as forças políticas se unissem para potencialmente afasta Netanyahu. Se ele vir alguma fissura nessa coalizão vai tentar explorar para evitar as consequências do julgamento.

Acha que conseguirão se manter unidos?

Claro que têm alguns desafios, potencialmente em grandes dilemas, mas serão capazes de se manter pelo menos por um ano. A única coisa que os une é Netanyahu. Enquanto ele for visto, na oposição, como uma ameaça real, acho que tentarão seu melhor para se manter unidos. Assim que Netanyahu não for mais uma ameaça, caso seja preso, essas fissuras poderão se tornar grandes rachaduras.

Então ele continuará exercendo certo poder?

É interessante saber qual a extensão da sua força, como esses anos de ódio, cinismo que Netanyahu levou para o poder vão impactar. Algumas pessoas acreditam que levará anos para consertar o que Netanyahu quebrou. Também acredito que há uma possibilidade, com ele fora do cargo, de haver um governo menos cínico.

Esse novo cenário poderá ter impacto no conflito entre israelenses e palestinos?

Não com a Autoridade Palestina. Espero que por essa coalizão também ser formada por um partido árabe, as relações entre judeus e árabes melhorem e talvez e isso, de alguma forma, se projete no grande conflito entre israelenses e palestinos. Ideologicamente, há uma grande distância entre a posição do partido de extrema direita, de esquerda, e de centro. Por exemplo, na questão da solução de dois Estados, não vejo como a coalizão, nesse momento, chegar a um acordo. Mas potencialmente beneficiará uma reconciliação entre judeus e árabes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Renata Tranches
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