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Hélder Câmara, Profeta da Justiça

16/12/2020
Hélder Câmara, Profeta da Justiça
Meu ultimo encontro com Dom Hélder Câmara aconteceu no Recife, em 1997, dois anos antes da partida do Profeta.
O cenário desse encontro derradeiro foi a modesta casa onde Dom Hélder morava.
Como se sabe, ele vendeu o suntuoso palácio, que era a residência dos bispos.
Aplicou o dinheiro para construir casas para os pobres, e foi morar na periferia, a fim de viver na companhia dos humildes, do jeito que os humildes vivem.
A primeira coisa que observei, ao chegar, foi a completa desproteção da casa.
Disse-lhe: Dom Hélder, as coisas que o senhor fala não agradam os poderosos.
Fácil, fácil, o senhor pode ser assassinado aqui.
Ele respondeu com um gesto e uma frase.
Curvou a cabeça e disse: está vendo estes fios de cabelo que restam?
Não cai um único sem que Deus permita.
Conto-lhe que durante o período em que seu nome não podia ser mencionado no rádio, na televisão, no jornal, eu havia “furado” o bloqueio, no jornal “A Ordem”, de São José do Calçado, interior do Espírito Santo.
Eu era então Juiz da Comarca.
Na edição de 4 de agosto de 1969, publiquei um artigo com um título bem cândido:
“Reflexões após um período de férias”.
No miolo do texto havia cinco parágrafos em sua defesa.
Quem conhece a sociologia das cidades do interior sabe que, na arquitetura do poder local, jamais o redator-chefe de um jornal censuraria um artigo do Juiz de Direito da Comarca, ainda que tendo na mesa do jornal, como era o caso, ordens expressas de escalões federais proibindo referências a Dom Hélder.