Alagoas

Êxodo quase elimina a presença negra em Alagoas

20/11/2020
Êxodo quase elimina a presença negra em Alagoas

Negro personagem do Quilombo Cultural dos orixás se exibe em dança típica na Serra da Barriga, em União dos Palmares. O governo de Alagoas promova vasta programação para comemorar o 20 de novembro, dia em homenagem à consciência negra

Quantos escravos teve Alagoas? O território alagoano depois de 1580, quando começa a
plantação sistemática da cana de açúcar, cresceu continuamente, provocando a admiração de todos. Os engenhos chegaram às centenas e, para fazê-los funcionar, eram necessários cada vez mais um número maior de negros. Apenas um século à frente, eles já eram tantos que podiam constituir a República Negra dos Palmares. E,se bem que tenham sido carregados continuamente em levas consideráveis, como a de Matias de Albuquerque, a primeira do gênero, e ainda nos tempos da guerra holandesa, e depois com a repressão sistemática de décadas contra a República dos Palmares, ainda assim eles representavam 37% da população alagoana quando o território emancipou-se de Pernambuco e instalou seu próprio governo.

Este primeiro censo era indispensável para que a nova capitania de Alagoas pudesse saber de que recursos humanos dispunha. Sendo a independência de 1817 e a instalação do seu primeiro governo em 1819 (o governador, Sebastião de Mello Póvoas, era sobrinho de D. João Sexto) apurou-se que Alagoas tinha 100 mil habitantes e 8 vilas entre as quais Marechal Deodoro (na época chamada de Vila Madalena das Lagoas do Sul), Penedo e Anadia logo se tornariam cidades. Um outro censo feito logo depois deste, fala de 120 mil. Se bem que a diferença não seja desconcertante, mas são citados para o leitor poder estimar os números, em lugar de considerá-los definitivos se bem a historiografia local normalmente trabalhe com eles.

ente trabalhe com eles. Para a frente há outras estatísticas, inclusive menos contestadas e mais adequadas: em 1847 eles eram 40 mil em números fechados (39.675 para ser exato). Mas então já eram percentualmente menos e chegavam apenas a 19% dos alagoanos. Desde então eles serão cada vez menos percentualmente, mas quantitativamente vão aumentar. Em 1860 eram 44.500, mas apenas 17% da população. Já perto da abolição da escravatura, em 1870, eles baixam tanto numericamente para 36 mil quanto percentualmente para 10% da população alagoana.

Em 1885 eram menos ainda: 27 mil. Até que por ocasião da abolição eles eram menos de mil cativos,segundo o historiador Félix Lima no seu “A Escravidão em Alagoas”.

Houve uma porção de causas para a redução do número de cativos, mas já perto da abolição um dos mais freqüentes foi a venda. Como a extinção do tráfico negreiro foi gradual, a progressiva escassez de novos escravos encarecia o preço dos aptos para o trabalho. Os Estados mais ricos, como Bahia, Rio de Janeiro, Minas Geraisse abasteciam ocasionalmente em centros menores como Alagoas e as capitanias de cima. Pagavam bem aos cansados e péssimos homens de negócios que eram os senhores de engenho de então. As epidemias e doenças também causavam baixas continuas nas senzalas. No fim, já eles podiam comprar a própria libertação ou compravam no para libertá-los as sociedades arrecadadoras, pois desde 1871 estavam legalmente reguladas. Outro grande fator foi a libertação progressiva determinada por uma série de leis que visavam reprimir e acabar com a escravidão.

Esta série de leis começa em 1826 quando Pedro I e Jorge IV, rei da Inglaterra, assinaram um acordo para por fim ao tráfico de escravos. Em 1831 vem a lei do império brasileiro contra o tráfico que realmente só acabaria a partir de 1850, com lei mais rigorosa. De 1871 é a chamada Lei do Ventre Livre (ou Rio Branco) quando também começam a se organizarem os fundos por arrecadação para compra e libertação dos cativos. De 1885 é a Lei dos Sexagenários. E por fim a abolição em 1888. E para que não ficasse lembrança dessas coisas, 2 anos depois, em 1890, o ministro Rui Barbosa, já do regime republicano recém-instalado, manda queimar todos os documentos referentes à escravatura.

Se bem que noutros Estados do Brasil os negros tenham sido utilizados para serviços nas minas, no café, na construção de obras e até metalurgia, em Alagoas foi sobretudo aos canaviais e na fábrica de açúcar, propriamente que eles trabalhavam enquanto as mulheres eram postas nos mais diversos serviços caseiros ou agrícolas não tão pesados como a ordenha, o tratamento de grãos, a criação de animais domésticos.

De onde vinham os negros escravos para Alagoas? Com a palavra um estudioso do assunto: professor, médico, historiador, folclorista e biógrafo alagoano Abelardo Duarte:
“Efetivamente os povos de origem bantu entraram largamente em Alagoas, a ponto de afirmar-se que houve predominância dessa corrente negra”. Palmares, por exemplo,foi uma formação nitidamente bantu, segundo ele. Para os estudiosos, na chave Angola-Conguês – e foram destes grupos os negros que predominaram em Alagoas – estão os legítimos representantes do povo bantu. O que não se sabe, entretanto, é quando veio a primeira remessa de negros para cá. Para o Brasil, a primeira teria desembarcado na Bahia em 1538, afirmam alguns.

A epopéia da escravidão no Brasil desenrolou-se “oficialmente”, portanto, por trêsséculos e meio. Mas um século após começar, já estava o Quilombo dos Palmares recém-fundado. No começo de 1700, já livre da República Negra e da sua guerra, o território primitivo de Alagoas, onde se desenrolaram todos os episódios da guerra – precedida por continuas invasões de soldados que destroçavam qualquer sinal da presença negra no interior de Alagoas – tinha crescido o suficiente para exigir os serviços de uma comarca, instalada em 1711. Nesta altura, Alagoas tinha em torno de 100 engenhos. Daí até 1900, quando as primeiras 2 ou 3 usinas de açúcar começam a moer, remetendo definitivamente o engenho para o passado, de onde eles não voltariam mais, os engenhos cresceram às centenas e se espalharam até mesmo nos grotões úmidos do alto sertão. Normalmente se fala em 500/600 deles, mas não falta quem fale de mil. O rastreador por excelência dessas estatísticas é o historiador Moacir Santana. Trabalhando com documentos originais, são suas as estatísticas mais confiáveis se bem que exiba passo a passo as falhas e deficiências nesta área.

Os estudiosos citam que foi dessa área dos Palmares, principalmente, que vieram nos folks desses povos – continuados e modificados pelos seus descendentes – o coco, a série dos folguedos temáticos do boi, os quilombos, a dança do buá, o bate coxa… Nos engenhos, na época em que safrejavam, as cantorias, os pagodes, os batuques, os cocos tinham livre curso,sinal aberto. Além disso, os engenhos tinham grandes festas: casamento, batizado, aniversário, formatura, ordenação sacerdotal, moagem… isso tudo se mistura num ambiente lírico e naturalmente inspirados. Nos folks propriamente dos engenhos (festas de botada ou moagem), nas canções de eito (vissungos), nos pagodes de negros, cantigas de almanjarras e tantos e tantos outros gêneros musicais maravilhosos, perdidos no tempo como a própria época que os gerou. O que ficou deles, entretanto, é mais que suficiente: construíram o parque açucareiro, deixaram incontáveis danças e festas; marcaram a cor do povo, legaram a culinária, a religião e a macumba para falar apenas disso já que o verdadeiro valor de sua presença não se mede por “coisas”.