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Eleições de 2020 trazem derrotas para Bolsonaro e vitória da direita

30/11/2020

Condução desastrada do país durante a pandemia pode ter prejudicado candidatos apoiados por Bolsonaro, aponta analista

O resultado final das eleições municipais, concluídas neste domingo (29/11), confirma o desempenho ruim do presidente Jair Bolsonaro ao tentar apoiar aliados para o comando de prefeituras e, ao mesmo tempo, referenda o sucesso de partidos de direita e centro-direita, que viram o seu número de prefeitos e vereadores crescer.

Bolsonaro havia declarado apoio a sete candidatos nas capitais, e todos perderam. Celso Russomanno (Republicanos) em São Paulo, Coronel Menezes (Patriota) em Manaus, Bruno Engler (PRTB) em Belo Horizonte Marcelo e Delegada Patrícia (Podemos) no Recife ficaram pelo caminho já no primeiro turno. No segundo turno, também foram derrotados Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio, Capitão Wagner (Pros) em Fortaleza e Delegado Eguchi (Patriota) em Belém.

Candidatos de perfil bolsonarista, mas que não tinham recebido apoio formal do presidente, também perderam em João Pessoa, onde Nilvan Ferreira (MDB) foi derrotado por Cicero Lucena (PP), e em Cuiabá, que viu Abilio (Podemos) ser superado por Emanuel Pinheiro (MDB).

A exceção foi Vitória, que elegeu Delegado Pazolini (Republicanos), um político sintonizado com a pauta bolsonarista. Em junho, ele havia invadido um hospital para denunciar supostas “farsas” relacionadas ao combate da pandemia do coronavírus apontadas pelo presidente. E, em agosto, atuou para impedir que uma menina de 10 anos, grávida após ser estuprada seguidas vezes pelo tio, fizesse o aborto na cidade.

Direita fortalecida, bolsonarismo não

Apesar do fracasso de Bolsonaro em emplacar aliados, na análise geral dos números, os partidos mais beneficiados pertencem ao campo da direita. Um exemplo é o DEM, que elegeu quatro prefeitos de capitais — Rio de Janeiro, Curitiba, Florianópolis e Salvador, contra apenas um em 2016. No total, a legenda elegeu 465 prefeitos, 74% a mais do que no último pleito, e governará para 12% da população nas cidades brasileiras.

O DEM já controla a presidência da Câmara, com Rodrigo Maia, e do Senado, com Davi Alcolumbre. Ambos aguardam um posicionamento do Supremo Tribunal Federal que deve permitir que disputem a reeleição para os respectivos cargos.

Outro partido que teve bom desempenho é o Republicanos (ex-PRB), que elegeu 211 prefeitos, o dobro do que no pleito passado, e teve a maior votação para vereador nas capitais. O PSD, que elegeu dois prefeitos de capitais, fez 655 prefeitos, 21% a mais que no último pleito.

“Esta é uma eleição da qual a direita sai fortalecida, mas o bolsonarismo, não”, afirma à DW Brasil a cientista política Tassia Rabelo, professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Um dos fatores que prejudicou a performance de Bolsonaro foi a falta da estrutura e da marca de um partido, aponta Rabelo. Eleito pelo PSL, o presidente deixou a legenda em novembro de 2019 para tentar criar um partido próprio, o Aliança pelo Brasil, que não obteve o número de assinaturas necessário para ser registrado. Nestas eleições, ele decidiu apoiar pontualmente candidatos de partidos diversos, com os quais tinha identidade ou vínculo político.

“Partidos são uma instituição atualmente mal avaliada pela sociedade, a confiança neles não chega a dois dígitos há mais de uma década. Mas eles fazem a diferença na política, e essa eleição é um exemplo disso”, diz Rabelo, que também aponta para a condução desastrada do país durante a pandemia do coronavírus como um elemento que prejudicou o presidente.

A direita mostra a sua cara

O cientista político Henrique Carlos de O. de Castro afirma que esta eleição revelou a consolidação de um eleitorado identificado com a direita, que pela primeira vez numa disputa municipal assumiu de forma clara a sua posição no espectro ideológico — mais que no pleito de 2018, quando o apoio a Bolsonaro foi em grande parte resultado de uma onda anti-PT.

“Até pouco tempo atrás, não era aceitável na cultura política brasileira a identificação com a direita. Na ditadura, não se falava em direita, a Arena não falava que era direita. Depois, o PP se dizia, no máximo, de centro-direita, enquanto a identificação com a esquerda dava uma impressão vaga de esperança, de mudança. A esquerda era entendida como portadora da novidade e a direita, como algo nefasto”, afirma.

“Nesta eleição, vimos candidaturas que fizeram questão de se colocar como de direita, e uma direita sem ‘vergonha’, que faz questão de mostrar a sua cara”, conclui O. de Castro, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador da Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey) no Brasil.

Nesse contexto, Bolsonaro não seria uma liderança “tão forte como ele acredita”, pois sua maior qualidade teria sido apenas aproveitar o clima político de 2018 para se lançar como o mais “raivoso” dos antipetistas, considera O. de Castro. Dois anos depois, vê-se que a maior parte dos que o elegeram, afirma o cientista político, não são “seguidores” do presidente que votam cegamente em quem ele apoia, mas eleitores de direita que avaliam as opções pensando nos candidatos e na sua cidade. Esse é um dos motivos que impulsionaram o crescimento do DEM e partidos do Centrão, como Republicanos, PSD, PP e PL.

“Os partidos [do Centrão] vão agora pressionar mais a presidência, querendo seu quinhão no governo, pois é um governo de direita. E aí veremos se a movimentação mais para frente será no sentido de apoiar uma reeleição de Bolsonaro, ou se tentarão outra candidatura mais palatável”, afirma O. de Castro.

O PSDB, que tradicionalmente polarizava com o PT, vem atravessando uma crise de identidade e teve resultados mistos no pleito. Elegeu quatro prefeitos para capitais, três a menos do que em 2016, e um total de 521 prefeitos, 35% a menos do que no último pleito. Mas saiu vitorioso na cidade mais populosa do país, com a reeleição de Bruno Covas em São Paulo.

Cenários para 2022

Muitas mudanças no cenário político ainda podem ocorrer até a próxima eleição nacional, mas o resultado do pleito deste ano dá pistas sobre como serão as movimentações para a disputa de 2022.

Rabelo, da UFPB, diz que tanto a direita quanto a esquerda devem se fragmentar no primeiro turno, com o objetivo de conseguir mais holofotes para seus respectivos líderes. Em qualquer lugar onde haja segundo turno, afirma, há um desincentivo estrutural para coligações amplas já no primeiro turno — tirando poucas exceções, como ocorreu com a candidatura de Manuela D’Ávila à prefeitura de Porto Alegre, que uniu PCdoB e PT desde o início da campanha.

No segundo turno, ela vê chances de um embate entre um candidato representando a esquerda e outro da direita, como tem ocorrido nas eleições presidenciais no Brasil desde a redemocratização.

Apesar do desempenho fraco do PT, que pela primeira vez na sua história não elegeu nenhum prefeito de capital, ela destaca que o partido ainda teve bastantes votos para vereador — entre as capitais, foi o segundo mais votado — indicando que a legenda não está totalmente fora da próxima disputa nacional.

Do lado da direita, O. de Castro projeta que a elite econômica do país fará o possível para lançar alguém menos extremista que Bolsonaro, um nome que não crie “polêmicas desnecessárias” que acabam sendo prejudiciais à economia e à imagem do Brasil no exterior. Uma opção é a do governador paulista João Doria, do PSDB, fortalecido pela reeleição de Covas e com chances de derrotar a esquerda em um segundo turno. Se isso ocorrer, Bolsonaro ainda sairia candidato, porém mais isolado na extrema direita.

Num cenário em que o candidato moderado da direita não consiga fazer frente a Bolsonaro, que ainda terá o comando da máquina federal e poder para alavancar a sua candidatura, e o atual presidente vá ao segundo turno contra alguém da esquerda, o professor da UFRGS projeta que, se esse nome não tiver a “mácula do PT”, terá chances de vitória.

Ele diz que o resultado de Guilherme Boulos (Psol) em São Paulo, a votação de Manuela D’Ávila (PCdoB) em Porto Alegre e a vitória de Edmilson Rodrigues (Psol) em Belém indicam um novo equilíbrio de forças dentro da esquerda, que pode acabar beneficiando uma melhor articulação desse campo em um segundo turno.

“O PT deixou de ser sinônimo de esquerda e passou a ser apenas ‘uma’ das forças dela. E a esquerda pode se tornar mais forte ao se dividir, porque começa a ver alternativas a um partido só e a saber a atuar junta”, diz.