Sob prenúncio de chuva forte no deslumbrante Centro Histórico de Penedo, o diretor pernambucano Cláudio Assis, junto aos atores Matheus Nachtergaele e Mariana Ruggiero, participaram de bate-papo mediado pelo jornalista e cineasta Ninho Moraes para contar detalhes sobre a produção do longa-metragem Piedade, vencedor de três prêmios no Festival de Brasília.

O filme ainda conta com elenco composto por Fernanda Montenegro, Irandhir Santos, Cauã Reymond, Denise Weinberg e Gabriel Leone, que, logo após a conversa, encheram a tela montada na Praça 12 de Abril às margens do Rio São Francisco.

Piedade foi gravado em 2017 no estado de Pernambuco, com locações divididas entre o Centro do Recife e o município Cabo de Santo Agostinho, região onde está situado o complexo industrial Porto de Suape. A história tem como mote a corporação petroleira Petrogreen e seu avanço predatório em relação à comunidade local de Piedade, que impõe atos de resistência aos desmandos do mercado capitalista.

O mediador Ninho Moraes iniciou o diálogo com os convidados ressaltando a dedicatória feita, nos créditos finais do filme, à mãe de Cláudio Assis. O diretor explicou a atitude declarando enxergar uma extensão da figura materna na personagem Dona Carminha, interpretada por Fernanda Montenegro, que, segundo ele, foi escalada por iniciativa de Matheus Nachtergaele.

Nessa oportunidade, Nachtergaele relembrou uma colocação de Fernanda expressa durante o período de gravações, evidenciando a satisfação da atriz veterana em participar do longa: “Eu já trabalhei com cineastas magníficos, que empunham suas câmeras para captar o Brasil profundo. Pela primeira vez, trabalho com um grande cineasta que nasceu no Brasil profundo, no Brasil com S”.

De acordo com Matheus, esse Brasil é retratado no filme com a intenção de pôr em xeque a política da normalização de absurdos imperante no país, mencionando que a obra, em contradição posta ao título, é sobre a ausência de piedade.

No mesmo ensejo, o ator ressaltou a simbologia do cenário barroco de Penedo no papel de ambientar a primeira projeção do longa desde o início da pandemia: “O barroco é opulento, amostrado e cheio de dor, como o Brasil. Uma beleza tamanha construída pelas tristes bases da mão de obra escrava”, declarou.

A atriz mineira Mariana Ruggiero, intérprete da personagem Fátima, também deu destaque ao teor politizado da obra, afirmando que ela “provoca reflexão e resistência sobre a luta pelo outro, pela comunicação e por tudo o que a gente sonha”.

Ninho Moraes aproveitou essa ocasião para referir-se ao Circuito Penedo de Cinema como “festival da resistência”, por ser o primeiro evento do gênero a acontecer após a pandemia, resgatando esforços para o fomento e a democratização do acesso à arte e à cultura. Sob essa perspectiva, o mediador iniciou uma discussão acerca das mais variadas implicações do cenário pandêmico para o cinema e a sociedade no Brasil.

Matheus Nachtergaele pontuou que as artes da cena são, também, artes do encontro, o que dificulta seu pleno exercício em tempos como este, mas destacou: “O cinema brasileiro não está ameaçado só por causa da pandemia, mas desde o impeachment de Dilma Rousseff, que teve motivos econômicos fortíssimos, como é o caso do petróleo e do pré-sal de que o filme trata. Desde então, há um desmonte — antes, gradual e, agora, bem frontal — da possibilidade de trabalhar com liberdade”.

Nessa ocasião, o diretor pernambucano Lírio Ferreira levantou-se do assento que ocupava e foi até a beira do palco, tumultuando o debate. Em tom de brincadeira, arrancou gargalhadas da plateia com elogios ao amigo Cláudio Assis e comemorou a praça cheia para assistir ao longa.

Após o momento de descontração, Matheus Nachtergaele finalizou a conversa pedindo ao público que aproveitasse o ocorrido com responsabilidade e precaução para que iniciativas do tipo possam repetir-se país adentro. O ator ainda agradeceu ao coordenador geral do Circuito, Sérgio Onofre, e a toda a equipe de organização pela dedicação com as medidas de segurança.

Logo que a chuva acirrou-se, os convidados desejaram boa sessão aos presentes e foi dado início à projeção de Piedade, que manteve, durante o restante da noite, os olhos da plateia penedense voltados à tela montada na praça.