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O impacto da indicação de Bolsonaro ao STF

02/10/2020
O impacto da indicação de Bolsonaro ao STF
Brasilien Oberstes Bundesgericht

Plenário do STF. Para manter base mobilizada, Bolsonaro promete que próxima vaga será ocupada por um ministro “terrivelmente evangélico”

Na quinta-feira (1°), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que o desembargador Kassio Nunes Marques, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), será seu primeiro indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A indicação surpreendeu. Primeiro porque Marques não figurava nas “bolsas de aposta” ao cargo, sequer corria por fora. Também porque o presidente prometera, ainda em 2019, um nome “terrivelmente evangélico” ao cargo – o desembargador é católico. Foi só no último dia 30 que o nome de Marques começou a circular nos bastidores. A indicação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira (2).

Nunes, que ainda precisa ser aprovado pelo Senado, chega para ocupar a vaga que será aberta com a aposentadoria do decano da Corte, Celso de Mello, que se aposentará no próximo dia 13. Efetivamente, porém, qual deve ser o impacto da chegada de um juiz indicado por Jair Bolsonaro à mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro?

Professor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), José Rodrigo Rodriguez afirma que, historicamente, o que tem ocorrido em relação às indicações para o STF desde a redemocratização é a demonstração de independência por parte dos juízes de quem os indicou politicamente.

Na visão do especialista, trata-se de um fator “extremamente positivo” ao funcionamento da Corte. Ele cita os juízes Dias Toffoli e Joaquim Barbosa, ambos indicados por Lula que julgaram de forma desfavorável ao ex-presidente em questões criminais. O último, inclusive, foi considerado “algoz” do petista, segundo a opinião pública, no julgamento do mensalão. E ainda que o novo juiz, que é considerado garantista, possa se mostrar radicalmente conservador, o impacto nas chamadas pautas de costumes tende a ser pequeno, já que os atuais ministros não têm perfil conservador.

“Nos julgamentos anteriores de costumes, eles votaram de forma mais progressista, como no caso do aborto de fetos anencéfalos, da união de pessoas do mesmo sexo, sobre a pesquisa de células-tronco. O [ministro Luiz Edson] Fachin, por exemplo, já votou de forma progressista nas pautas de costumes, mas em matéria penal, vota normalmente a favor da Lava Jato. É difícil fazer essa previsão. O jurista lembra que existe uma Constituição que deve ser seguida”, pontua Rodriguez.

Rubens Glezer, professor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP) e um dos coordenadores do centro de observação Supremo em Pauta, diz que a imprevisibilidade costuma ser uma característica das indicações ao Supremo. Ele lembra que na época do governo Dilma, por exemplo, um nome bastante ventilado era do então Advogado-Geral da União, Luís Inácio Adams. A indicação, porém, nunca ocorreu.

“Essa imprevisibilidade ocorre normalmente porque existe uma negociação que é realizada com o Senado, antes da sabatina, inclusive. A indicação não chega aos senadores só na hora da sabatina, chega antes. É um processo com muitas idas e vindas. É muito difícil mapear exatamente o que o Bolsonaro quer com essa indicação, se há interesse do filho do presidente, por exemplo. Mas temos que lembrar que essas promessas, de indicar um ou outro, não se vinculam minimamente ao presidente; os poderes do presidente também são usados em negociação com promessas”, comenta.

Ativismo judicial

A indicação de Bolsonaro era muito esperada porque apoiadores do presidente argumentam que seria preciso combater o que chamam de “ativismo judicial” – quando, na visão deles, o Judiciário “invade” a competência dos outros Poderes. Uma situação recente frequentemente utilizada a fim de exemplificar o “fenômeno” foi o entendimento pela equiparação de homofobia ao crime de racismo pela Corte, em meados de 2019. O que se argumentou, nesse caso, foi de que o tema deveria ser discutido pelo Congresso.

Rodriguez, da Unisinos, diz ter dificuldades em lidar com o termo porque o conceito estaria bastante politizado. “Chamaria de ativismo aquela decisão que o juiz ‘tirou da cartola’, que ele interpretou de forma completamente desvairada da Constituição, ignorando o texto constitucional e jurisprudência, uma ‘maluquice’. Nesse sentido, isso não aconteceu recentemente”, diz.

“A decisão sobre a união homoafetiva, por exemplo, não foi ativista. A Corte exerceu um papel que faz parte de sua missão constitucional, que é a progressão de minorias. Me pareceu uma interpretação razoável”, opina.

Mais três indicados?

Jair Bolsonaro deve indicar, ao menos, mais um ministro ao STF, já que Marco Aurélio Mello, no cargo desde junho de 1990 por indicação do primo Fernando Collor de Mello, completa 75 anos em julho de 2021. Caso reeleito, o atual presidente da República também poderá indicar substitutos em 2023 para as vagas de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, nomeados por Lula e Dilma Rousseff, respectivamente. Se esse cenário se confirmar, Bolsonaro terá indicado até 2023 cerca de um terço do Supremo.

Em relação à vaga que será aberta com a aposentadoria de Marco Aurélio, Bolsonaro prometeu que o indicado desta vez será um juiz evangélico – uma promessa que ela já havia feito para a vaga de Celso de Mello. Glezer reitera que se trata de uma maneira do presidente manter mobilizada a sua base de apoio. Faz sentido, segundo o professor da FGV-SP, que Bolsonaro mantenha essa promessa, mas não se deve ser ingênuo de acreditar que o chefe do Executivo vá, necessariamente, guiar-se por ela ou querer cumpri-la.

“O poder de indicar um nome ao STF, somente, é muito importante, mas não é definitivo. O cargo de ministro do Supremo goza de prerrogativas: sair aos 75 anos, estabilidade, autonomia do orçamento. Depende do juiz e do processo de indicação. Pode ser uma pessoa absolutamente técnica, pode ser alguém que queira manter seus vínculos e laços políticos ou ainda que queira até seguir carreira política depois. Fica muito aberto”, opina.

“O PT indicou vários ministros e mesmo assim houve o mensalão, o impeachment da Dilma, a censura à entrevista do Lula. Talvez o que se precisa rediscutir são mecanismos, a transparência e os debates no processo de indicação. Nós queremos pessoas que fortaleçam a instituição.”

Vivian Lima López Valle, doutora em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora de Direito Constitucional, afirma que critérios religiosos ou de orientação política não deveriam ser considerados na hora de indicar um nome ao Supremo. Ao mesmo tempo, não há controle sobre esse poder de agenda do presidente. Ela se diz preocupada com a “onda conservadora”, já que as decisões do STF têm eficácia vinculante à jurisdição e à Administração. No entendimento da jurista, são pontos que deveriam ser reavaliados no processo de nomeação.

“Veja o caso da nomeação para a vaga aberta com a morte de Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte dos EUA. A indicada [Amy Coney Barrett] é radicalmente opositora de tudo o que foi construído por Ginsburg, e era exatamente isso que Donald Trump buscava. A discussão sobre o modo de composição do Supremo, sobre o poder de agenda da pauta política do presidente no tribunal, sobre o papel da Corte, inclusive, frente à mídia é uma discussão que precisa ser realizada com urgência”, diz Vivian.

Já a indicação de Kassio Nunes Marques é classificada pela docente como “razoável”. “É um nome de quadro técnico, que atua desde 2011 no TRF1 e com um histórico de discrição. Uma pessoa que vem do quinto constitucional, que possui experiência como desembargador, é um nome significativo. Talvez isso indique um movimento menos personalizado de Bolsonaro nas indicações futuras, mas isso só o tempo dirá.”