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Live do projeto Bang on a Can mostra mais de duas dúzias de performances solo

03/05/2020
Live do projeto Bang on a Can mostra mais de duas dúzias de performances solo

Neste domingo, 3 de maio, acorde um pouquinho mais tarde, por volta do meio-dia – e já embarque logo num suculento “brunch”, o popular dois-em-um importado da Inglaterra que coloca junto&misturado o café da manhã com o almoço. Para quê?, você vai se perguntar. Nestes tempos de quarentena, não temos pra onde ir. Ora, para uma maratona de seis horas de música nova, contemporânea, com mais de 40 músicos, que vai te levar a sonoridades e aventuras musicais surpreendentes. Esqueça a maratona pop de semanas atrás dos gigantes pop, todos enfileirando grandes e memoráveis superhits. Ou seja, mais do mesmo.

Aqui não. Neste domingo a Maratona Bang on a Can vai levar para sua telinha caseira mais de duas dúzias de performances solo, quatro estreias mundiais de obras encomendadas especialmente para o evento que começa às 16h e só termina às 22h. Bang on a Can, ou literalmente batendo lata, é uma organização criada há 33 anos em Nova York por três compositores: David Lang, Michael Gordon e Julia Wolfe. Eles montaram uma gravadora, a Canteloupe, o grupo instrumental/vocal Bang on a Can All Stars e uma orquestra de rua, a Asphalt Orchestra. Esta última percorre todo ano as ruas de Manhattan anunciando sua já tradicional Maratona de concertos e apresentações, igualzinho às marching bands de New Orleans. Bem, este ano não se pode ir pra rua nem “ocupar” espaços como salas de concertos e museus com música viva. Para marcar a vigésima edição da maratona anual, eles promovem, então, seis horas de música com acesso livre em streaming mostrando um caleidoscópio representativo das músicas contemporâneas.

Tudo bem, posso estar entusiasmado demais. Então façamos uma aposta. Às 16 horas do domingo você se livra de preconceitos, faz uma boa higienização, palavra muito em voga, de seus ouvidos – e em vez de assistir ao futebol requentado, acesse marathon2020.bangonacan.org.

E já vai se embasbacar com a abertura, a cargo da musa da vanguarda contemporânea de Manhattan desde a década de 1960, Meredith Monk, numa apresentação solo. Aos 77 anos, que não aparenta, um encontro raro só com sua voz maravilhosa. Olhe só o que ela diz de seu trabalho vocal: “Eu trabalho onde a voz começa a dançar, onde o corpo começa a cantar, onde o teatro torna-se cinema”. A frase define bem seu trabalho interdisciplinar e sempre inovador, que consegue ainda hoje apresentar o frescor do novo, o inesperado de soluções que parecem brotar por mágica. Mesmo depois de tanto tempo de estrada. A compositora, cantora, bailarina, diretora de cinema, coreógrafa e performer nova-iorquina consegue aliar uma grande sofisticação musical e artística e um caráter experimental de suas em espetáculos e gravações que estabelecem comunicação imediata com todo tipo de público (quem duvidar pode acessar no YouTube vários trechos de Impermanence, um projeto revolucionário de 2006).

Em seu trabalho, o conceito de work-in-progress é mais do que nunca válido. Nenhuma performance é igual à anterior. A mistura de improviso com roteiros mínimos escritos faz com que suas criações dependam muito da própria artista em cena. “Construí meu jeito de cantar em cima da minha própria voz. Encontrei assim meu vocabulário. Assim um mundo inteiro de som se abriu para mim. (…) É um contínuo processo de escavação, é como ser um arqueólogo de seu próprio instrumento. Descubro assim sentimentos e energias para as quais não tenho palavras – são como nuances de sentimentos, de expressão vocal primitiva, da essência da natureza humana”. Por isso, sua música vocal é basicamente construída em cima de fonemas.

Há muitos outros destaques, como o trombonista, pesquisador e compositor George Lewis, 67 anos, que compôs e interpreta na Maratona sua obra Voyage at home, de título muito adequado à quarentena. O violinista Tim Fay, parceiro de Philip Glass, toca uma versão para violino solo de uma peça da célebre ópera de Glass, Einstein on the beach. O percussionista Steven Schick toca, fala e canta em Toucher, peça de outro trombonista, o francês Vinko Globokar, hoje com 85 anos, baseada na peça Galileu Galilei de Brecht. Outro fenômeno, Vijay Iyer, pianista, compositor e pesquisador, professor em Harvard, e um dos mais qualificados artistas da atualidade, sucede a Meredith Monk num recital de piano solo. Tem também o minimalista de primeira hora Steve Reich, 83 anos, e John Adams, o autor de óperas polêmicas como Nixon in China, que terá uma de suas obras mais bem-sucedidas para piano solo, China Gates, interpretada por Vicky Chow.

O objetivo, dizem Lang, Gordon e Julia Wolfe, é arrecadar dinheiro para financiar novos projetos, encomendas e gravações. Eles propõem que a gente compre um ingresso de 10, 20 ou 50 dólares, a título de doação. Mas pode-se doar mais. Quem doar 1.500 dólares, por exemplo, será o dedicatário de uma obra inédita a ser encomendada a um compositor jovem radicado nos Estados Unidos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: João Marcos Coelho, especial para o Estado
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