Geral

Em carta a Bolsonaro, delegados da PF acusam “crise de confiança”

27/04/2020
Em carta a Bolsonaro, delegados da PF acusam “crise de confiança”
    
Brasão de agente da Polícia Federal

Para associação de delegados, circunstância da exoneração de Valeixo pode causar instabilidade na gestão de seu sucessor

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal divulgou neste domingo (26/04) uma carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro pedindo autonomia financeira para a PF e com críticas à interferência do chefe de governo no comando da entidade.

A associação afirma que há uma “crise de confiança” na indicação do novo diretor-geral e também reivindica que o presidente se comprometa publicamente a garantir “total autonomia” ao novo chefe do órgão, argumentando que tais medidas contribuirão para a “dissipação de dúvidas” sobre as intenções de Bolsonaro quanto à PF.

O ex-juiz Sergio Moro pediu demissão do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública na última sexta-feira, após Bolsonaro exonerar Maurício Valeixo da direção da PF, que é vinculada ao Ministério da Justiça. Ao deixar o cargo, Moro acusou o presidente de tentar interferir politicamente na PF e querer ter acesso a informações de inquéritos.

Após a demissão de Moro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou que a PF mantenha em seus cargos os delegados que trabalham na investigação de um suposto esquema de divulgação de fake news e de promoção de manifestações antidemocráticas.

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, a Polícia Federal identificou o vereador Carlos Bolsonaro, o filho “02” do presidente, como um dos líderes de um esquema criminoso de produção e propagação de notícias falsas.

De acordo com a publicação, os investigadores da PF não têm dúvidas de que a decisão do presidente de exonerar o diretor-geral da corporação e pressionar o Ministério da Justiça a substitui-lo por um nome mais dócil aos interesses do Planalto esteja ligada ao inquérito.

O nome mais cotado para substituir Valeixo na PF é o de Alexandre Ramagem, atual diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e amigo de Carlos Bolsonaro.

A Folha também noticiou que, além de identificar Carlos, a PF investiga a participação de outro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, no esquema de fake news.

A carta aberta da associação de delegados ressalta que “a partir da nomeação e posse, manda o interesse público que o Presidente mantenha uma distância republicana” do nomeado para a direção da PF, “de modo a evitar que qualquer ato seu seja interpretado pela sociedade como tentativa de intervir politicamente nos trabalhos do órgão”.

“Da maneira como ocorreu, há uma crise de confiança instalada, tanto por parte de parcela considerável da sociedade, quanto por parte dos delegados de Polícia Federal, que prezam pela imagem da instituição”, continua o texto. “Nenhum delegado quer ver a PF questionada pela opinião pública a cada ação ou inação. Também não quer trabalhar sob clima de desconfianças internas.”

O documento cita a exoneração de Valeixo e o pedido de demissão de Moro como fatos que vão impor ao novo delegado-geral um “desafio enorme: demonstrar que não foi nomeado para cumprir missão política dentro do órgão” e ressalta que, por isso, existe o risco de que ele enfrente “uma instabilidade constante em sua gestão”.

Em sua conta no Facebook, Bolsonaro argumentou neste domingo que a Polícia Federal é parte do Sistema Brasileiro de Inteligência, “que alimenta com informações o Presidente da República para tomada de decisões estratégicas”.

“Uma coisa é pedir informações sobre inquéritos sigilosos em curso (o que nunca houve) e outra coisa ter acesso a conhecimento de inteligência produzido nos termos da Lei (o que sempre me foi dificultado)”, escreveu o presidente.

Na carta, a associação de delegados afirma não haver qualquer previsão legal de comunicações pessoais, gerais e diárias ao mandatário em ações que não interessam à tomada de decisões por parte do governo.

A associação também pede que Bolsonaro encaminhe um projeto ao Congresso para fixar mandato para o diretor-geral e que a escolha seja feita após uma lista de candidatos ser apresentada pelos delegados ao presidente, seguida de uma sabatina.