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Academia Alagoana de Letras comemora seu centenário

01/11/2019
Academia Alagoana de Letras comemora seu centenário

Sede da Academia Alagoana de Letras

A Academia Alagoana de Letras (AAL) completa 100 anos de existência na próxima sexta-feira, 1º de novembro. Fundada às 14h do dia 1º de novembro de 1919, no Teatro Deodoro, no Centro de Maceió, o templo da literatura de Alagoas viveu muitos e altos e baixos em virtude da falta de apoio cultural. Porém sempre mantendo sua referência cultural e literária para o povo de Alagoas.

A frente da instituição o dinâmico engenheiro civil Alberto Rostand Fernandes Lanverly de Melo, de 63 anos, que é presidente da casa há mais de dois anos.
Para Rostand, momentos como os vividos durante as gestões de Moreira e Silva, Guedes Miranda e Ib Gatto Falcão foram épocas áureas da Academia. A participação da sociedade também era muito forte “, disse Rostand à imprensa.
O médico pediatra Milton Ênio – outro acadêmico diz que o lugar é um verdadeiro templo onde se cultua a eternidade.
“Nós somos uma instituição que guarda o passado com o objetivo de ativar o presente”, disse o pediatra.
Doutor Milton é um verdadeiro estudioso da Academia. Ele revelha detalhes do dia que o local foi fundado. Segundo ele, na manhã do dia 1º de novembro de 1919, os primeiros integrantes da Casa se reuniram em uma missa na Catedral Metropolitana de Maceió. Depois seguiram para o Teatro Deodoro, onde conduziram a cerimônia de fundação. Em seguida, participaram da procissão de Todos os Santos em forma de agradecimento à inauguração da Academia Alagoana de Letras.
“Neste dia, estiverem presentes na fundação: Fernandes Lima, Artur Acioli, Jayme de Altavila, Demócrito Gracindo, Aurino Maciel, Lima Júnior, Guedes Miranda, Orlando Araújo, Virgílio Guedes, Jorge de Lima, Povina Cavalcante e Ranulfo Gular. Estes foram grandes nomes que contribuíram com a Academia”, revela o médico.
Para o presidente do Instituto Arnon de Mello e membro da Academia, Carlos Mendonça, é preciso que tanto o poder público como a iniciativa privada voltem os olhos para o lugar. “Quando as pessoas se derem conta das contribuições que a Academia pode oferecer elas terão certeza que é extremamente necessário investir aqui”.
“Um estado que tem uma Academia Alagoana de Letras forte ele tem valor. Porque este local fala muito sobre o que é a sociedade do lugar. Por isso, é imprescindível que investimentos sejam feitos e eu confio, que apesar deste momento difícil pelo qual passa todo o país, em relação a economia, e em Alagoas não é diferente, vai passar e novas contribuições irão surgir. A Academia é do povo alagoano e eles precisam participar mais ativamente dele, inclusive, sugerindo ações que possam ser desenvolvidas para melhorar a interação com a sociedade”, falou Carlos Mendonça.

Foto oficial dos atuais acadêmicos

Está no artigo 1º do Estatuto da Academia Alagoana de Letras, que seu principal objetivo é desenvolver a cultura literária em Alagoas, procurando adquirir livros, documentos e manuscritos de homens de letras, sobretudo de Alagoas; manter biblioteca com sala de leitura, arquivos e museus de objetos pertencentes aos sócios falecidos; entreter relações com sociedades congêneres do país e do estrangeiro; publicar a sua Revista e trabalhos valiosos que versem assuntos literários ou se incluam entre as matérias permitidas pelos concursos; promover conferências, reuniões, cursos sobre temas culturais, preferencialmente literários; instituir prêmios e honrarias e colaborar intelectualmente com os poderes públicos no aprimoramento das letras em Alagoas, inclusive propondo medidas que visem a este objetivo.

Para que tudo isso possa de fato acontecer, os associados afirmam que a sociedade civil de um modo geral precisa se interessar pela Academia. “Nós estamos abertos a todo e qualquer tipo de contribuição. Queremos que muitas outras pessoas se envolvam com esta causa. A vida é um ciclo. Sendo assim, acredito que chegou o momento de acontecer uma reviravolta. Nosso grande legado é a cultura que está presente nos livros, artigos e tantos outros escritos e nada disso poderá se perder”, finaliza o presidente da AAL, Alberto Rostand.
Abaixo leia um texto sobre o Poeta Carlos Moliterno, presidente da AAL por seis mandatos consecutivos, publicado originalmente na revista Última Palavra de 21 de outubro de 1988.
O poeta Moliterno
“… e perguntar às águas insufladas: em que ponto do mar ficou a ilha, naufragada no pranto dos meus olhos?”

Foi assim, com estes versos de forte beleza lírica, que o poeta Carlos Moliterno, alagoano nato e descendente direto de italianos da Calábria, que ele fechou o 36º soneto de uma série de 59 que compõe sua mais importante obra, “A Ilha”, de 1969, na opinião do próprio autor “o melhor trabalho na opinião coruja de um poeta”. Em 1955 exerceu pela 1ª vez a presidência da Academia Alagoana de Letras, ninguém melhor que Moliterno para traçar os caminhos da literatura Caetés, das gerações de poetas, escritores, críticos literários que marcaram presença neste século de literatura alagoana. “Geração não se mede pela idade, mas pelo que produz”, revela Carlos Moliterno.

Este poeta, hoje com 76 anos [em outubro de 1988], começou sua vida num modesto ofício, o de alfaiate. “Na época não existia ainda a indústria de roupas feitas. Toda sociedade confeccionava paletós de casimira, “smokins”, casacas e fraques nas dezenas de alfaiatarias da capital. Era o tempo em que todo mundo só ia para os bailes de casaca, fraque, bengala e chapéu”, lembra Moliterno. Autor de três livros de poesia, Carlos Moliterno foi também durante 15 anos editorialista dos jornais de Alagoas e Gazeta, onde inclusive passou maus bocados no governo de Muniz Falcão. “Foi uma turbulência muito grande naquele tempo”.

Carlos Moliterno

O interesse pela literatura foi uma escolha pessoal, diz Moliterno. “Gosto pessoal, sensibilidade estética, o hábito da leitura, e as novas maneiras de expressar. Escrever sempre foi minha vocação, que começou como revisor no Jornal de Alagoas. Em 1953 Moliterno lança seu primeiro livro de poesias, “Desencontro“, com estilo ainda parnasiano. Logo depois o poeta passa para o lado dos modernistas. Nesse tempo Moliterno se casa pela segunda vez com a poeta, atriz, artista e cantora Anilda Leão.

“Na época foi um escândalo para a então província. A sociedade não aguentava o desaforo de ver um homem casado sair assim à vista de todos. Mas, casamos legalmente e não teve nenhum problema”, lembra Anilda. Os dois se conheceram num passeio na Lagoa Mundaú, na companhia do poeta Jorge de Lima. Inspirada na convivência com o poeta Moliterno e colocando seu talento à prova, Anilda também seguiu a trilha da poesia e da prosa e publicou três livros: em 1961, “Chão de Pedras” e “Chuvas de Verão” e em 1980, um livro de ficção: “Riacho Seco“(Contos).
Apesar de ser bem casado e caseiro, Carlos Moliterno sempre gostou de uma boêmia na companhia de amigos. O poeta Francisco Valois o definiu “como um autêntico boêmio, no bom sentido da palavra”, em depoimento à escritora Arriete Vilella, que escreveu em 1985 um livro bibliográfico de “Carlos Molltemo: Vida e Obra“. Valois acrescenta que a turma gostava muito de se reunir nos finais-de-semana no Bar Helvética e na Portuguesa, para tomar a famosa Cerveja Faixa Azul da Antárctica. Outra passagem do livro eram os encontros com o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, que juntamente com Teotônio Vilela e Amoldo Jambo, na companhia de Moliterno, percorriam não somente bares, mas alguns prostíbulos. “O Aurélio queria sempre ir aos prostíbulos, todavia apenas para conhecer. Lá, nós bebíamos e conversávamos, mas não demorávamos por muito tempo”, relembra Moliterno.
Foi através do movimento de literatos, poetas, advogados e gente influente nas alfaiatarias de Maceió, como a do espanhol Gregório Fontam, o italiano Antonio Perreli e Paschoal Savastano, que Carlos Moliterno começou a penetrar no mundo intelectual da província. Mas o tempo ainda não era de poetas, mas de gente influente. “O primeiro presidente da Academia Alagoana de Letras não era literato, mas um representante do governador Fernandes Lima, Demócrito Gracindo, pai do ator Paulo Gracindo. Um excelente orador, mas sem livros publicados, nesse tempo não se exigia que o presidente fosse um homem letrado”.
Mas o primeiro intelectual alagoano com projeção no cenário nacional, no final do século passado, foi o poeta Guimarães Passos, que também foi o primeiro conterrâneo a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1896. Segundo Moliterno, que ainda não havia nascido nesse tempo, Passos foi contemporâneo de Olavo Bilac, Coelho Neto, Joaquim Nabuco. Depois dele veio Goulart de Andrade, poeta parnasiano (escola literária que dominava o cenário da época, depois triturada com a chegada da poesia modernista brasileira, segundo Moliterno). Precursor da primeira fornada de gênios literários alagoanos, Goulart foi o segundo nome de Alagoas a entrar na Academia Brasileira de Letras.
Mas foram duas as gerações que deixaram seu toque de encanto, lirismo e densa poesia e prosa. A de 1930, que contava então “com o maior dos poetas brasileiros”, Jorge de Lima, e mais Diégues Júnior, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima, Aloísio Branco, Cipriano Jucá. Foi nessa época também quando surgiu o chamado romance social nordestino, com forte inclinação pela realidade porque passava o país e o Nordeste principalmente. Moliterno cita os romances de José Lins do Rego sobre o ciclo da cana e o “O 15” de Raquel de Queiroz, ambas residentes na época em Maceió, e mais ainda Graciliano Ramos e o paraibano José Américo, com o romance “A Bagaceira“. Outra fase áurea de nossa prosa e poesia foi a de 1945, a geração do pós-guerra. Mas antes dela um movimento marcou os meios literários brasileiros, mas que chegou com atraso nas plagas nordestinas.
Foi a Semana de Arte Moderna em 1922, que segundo Carlos Moliterno não teve reflexo direto em Alagoas, nem no Nordeste. “Enquanto a Semana de Arte Moderna renovava todos os padrões literários da época, outra tendência estava condenada, o parnasianismo”. Quem apareceu com essa renovação literária foi o poeta Jorge de Lima em sua melhor fase. Jorge escreveu então suas primeiras poesias modernistas e começou logo com a melhor de todas elas, segundo Moliterno: “A Invenção de Orfeu“. “Vai levar algum tempo ainda para que se faça uma poesia como essa do Jorge de Lima”, diz Moliterno. Para ele, só um pouco depois, em 1928, é que o modernismo nordestino “foi deflagrado”. Era o Movimento Literário Nordestino capitaneado pelo sociólogo Gilberto Freire.
Na geração de 45, na qual o poeta Carlos Moliterno se insere, o movimento cultural alagoano toma novos rumos, com o modernismo sendo a corrente literária mais influente nessa nova geração. Estão entre os poetas desse tempo, Ledo Ivo, Breno Acioly (ficcionista), Francisco Valois (poeta), Cléa Marsíglia, Luiz Gonzaga Leão, Carlos Moliterno e Anilda Leão. Mesmo participando ativamente desses tempos, Moliterno só veio a escrever seu primeiro livro em 1953: “Desencontro“, poesias parnasianas. Só a partir dos anos 80 é que surge uma nova safra de bons poetas, como reconhece Moliterno, entre eles Lúcia Guiomar, Marcos Farias Costa, José Geraldo Marques entre outros. “Eles têm publicado muita coisa boa. Alguns com o mau hábito de falar mal de outras gerações e da própria Academia Alagoana de Letras”.
Quanto à novíssima geração, Moliterno é da opinião que a política está atrapalhando a poesia. “Vejo a nova geração com mais interesse político que cultural. Quem quiser fazer críticas à realidade do país é muito melhor escrever em prosa, em material jornalístico do que na poesia. Escrever poesia é ter um momento lírico e dramático“, observa Moliterno.