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A Cooperativa

13/10/2019
A Cooperativa

A moto corria solta pelo asfalto, ziguezagueava procurando brechas entre carros, ônibus, caminhões, no caótico trânsito do meio dia. Micheline dirigia a moto veloz como uma malabarista, imprudente como ela só. De repente fechou o sinal, ela, desajuizada, não freou, tentou atravessar a avenida, quase ao chegar do outro lado foi atropelada por um carro, a moto rodopiou, Micheline foi jogada longe no jardim da praça. Acordou-se no Pronto Socorro com pernas e braços cheios de hematomas, nada grave, seu capacete salvou-lhe a vida, segundo testemunhas. Foi constatado não ter osso quebrado, assim que fizeram os curativos, o médico deu-lhe alta, o hospital estava superlotado, recomendou repouso absoluto. Ao chegar em casa sua mãe assustou-se e deu o sermão esperado. “Eu não lhe disse, moto é um perigo, e agora como vai trabalhar? Menina desmiolada. Se aquiete, arranje um emprego num escritório, esse negócio de moto-taxista é para homem jovem.”

 Na verdade Micheline não tem emprego fixo, nem seguro de saúde, ela é autônoma, moto-taxista, presta serviços a uma espécie de cooperativa. Para que Micheline possa trabalhar com mais calma, eficiência e dedicação, seis amigos privilegiados organizaram uma sociedade informal, uma cooperativa. Micheline presta serviços especiais aos cooperativados. É o serviço mais antigo da humanidade, até santa existiu nesse ramo, Santa Maria Madalena, prima de Jesus. Por tudo isso Micheline sente-se segura, os excelentes patrões não lhe deixam ao Deus dará. Ela tem certeza que terá cobertura nesse acidente. Na manhã seguinte, ainda enfaixada, deu o primeiro telefonema; falou com o deputado explicando o acidente e a situação, estava em casa machucada, precisava de um adiantamento, ela pagaria com muito amor e carinho, ele sabia. O deputado não reclamou, ela merecia pela excelência dos serviços, ninguém é tão eficiente quanto Micheline, mas a repreendeu, precisava ser comportada nesse trânsito maluco, deixasse a loucura apenas para o trabalho, pediu o número da conta e mandou um assessor depositar boa quantia. 

Micheline passou o resto do dia em contatos com os outros cooperativados, o coronel, o secretário de estado, o cientista político, o suplente de vereador e o professor universitário aposentado. Micheline ainda presta serviços, fora da cooperativa, sem conhecimento dos patrões, a um pastor e a uma linda advogada.

Seu verdadeiro nome é Maria das Dores, Micheline é nome de guerra depois que entrou no ramo. Quando o cientista político conheceu intimamente aquela morena alta, bonita, cabelos negros, sorriso escancarado e debochado, olhar de gata no cio, comentou para os amigos de roda de chope, havia dormido com a mulher do século e do sexo, a morena mais frajola e quente da cidade. Nos braços de um homem era a própria Messalina, libidinosa e voluptuosa, fazia programa há pouco tempo, entretanto, ela é única, ama o pecado, peca só por prazer e vive para pecar, como diria o poeta. Diverte-se e gosta dos prazeres da carne. Entre quatro paredes tudo lhe é permitido. Os amigos ficaram fascinados com as descrições pormenorizadas do cientista político. Nesse mesmo dia o coronel telefonou, foi devidamente atendido. Ao encontrar com os amigos confirmou a eficiência da deusa marrom. Em uma semana todos constaram a perfeição e dedicação de Das Dores. Alguém teve a ideia da exclusividade entre eles. Foi quando formaram uma cooperativa, as despesas e os serviços prestados por Micheline são devidamente repartidos entre os seis amigos. Para ser mais eficiente no atendimento deram-lhe uma moto e um celular, além de um banho de loja, é a moto-taxista mais chique do Brasil. Seu nome de guerra, Micheline, é devido a uma preferência sexual, diz ela que se fosse homem seria boiola. Ela tem um amigo francês elegantíssimo, homossexual assumido de nome Michel, em homenagem a esse homem, ela apelidou-se de Micheline. A moto-taxista ama duas coisas na vida, andar de moto e dar. Os cooperativados depositaram em sua conta um generoso montante, ela passou quinze dias recuperando-se. Restabelecida procurou os cooperativados que a socorreram. Ela pagou a dívida, bem paga, com calorosas tardes de amor. Micheline retornou à moto e ao trabalho, não toma juízo, ama a velocidade, continua correndo nas brechas do trânsito caótico. Apareceram novos clientes, atende um ou outro quando está ociosa, porém, a prioridade é dos cooperativados. Ela é séria em suas obrigações trabalhistas.

ESTA HISTÓRIA BASEADA EM UM FATO REAL, ESTÁ INSERIDA NO LIVRO: “CONTOS LEVEMENTE ERÓTICOS” A SER LANÇADO DIA 25 OUT NA COBERTURA DO EDIFÍCIO DELMAN NA PAJUÇARA.