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A casa das Alagoas

27/01/2019
A casa das Alagoas

Foi num bonito verão dos anos 70. Aproveitei uma viagem dos Bentes, peguei carona de carro para o Rio de Janeiro. Viagem divertida. Parávamos onde bem entendíamos e dormíamos no primeiro hotel ao anoitecer.

No interior da Bahia pernoitamos no Hotel Familiar. Os preços das diárias estavam fixados a giz em um quadro negro: “Quarto com pinico: CR$ 5,00. Quarto sem pinico: CR$ 4,00”. Perdi a fotografia dessa pérola do Brasil real.

Chegamos cansados ao Rio. Hospedamo-nos no apartamento do Cáo, bairro do Flamengo. Era uma espécie de embaixada de Alagoas. Sempre havia uma cama ou um colchão para os amigos.

Naquela época funcionava a Casa das Alagoas, associação que dava assistência aos alagoanos radicados ou passeando no Rio de Janeiro.

Roberto Mendes, o presidente da associação – havia ganhado uma eleição disputadíssima contra Ronaldo Lessa – organizou uma programação para nós.

No sábado estava marcado o baile pré-carnavalesco, “Vermelho e Preto” no Clube de Regatas Flamengo. Iniciamos a preparação etílica na Rua Paissandu. As belas alagoanas e cariocas se achegavam, alegrando nossa turminha.  Todos vestidos com camisas rubro-negras; inclusive tricolores e vascaínos. Partimos para o baile. Os ingressos foram comprados antecipadamente. Na hora da entrada faltou ingresso para um companheiro: o Bob, um carioca, amante de Alagoas. O Clube estava animado, cheio de foliões.

Ficamos matutando como resolver o problema da entrada do Bob, tentamos cambista ou alguém que pudesse vender um ingresso. O tempo passando e nós perdendo o baile do lado de fora.

De repente Roberto Mendes percebeu um caminhão fazendo manobras para entrar pelo portão lateral, gritou: Encontrei a solução! Venha Bob!”. Correram em direção ao caminhão. Confabularam com o motorista. Roberto voltou alegre, tudo resolvido. Bob acomodou-se no caminhão frigorífico que levava gelo para a festa. Entramos no Clube, acompanhados por lindas cariocas. A orquestra tocava o hino do Rio de Janeiro:

“Cidade Maravilhosa… Cheia de Encantos mil… Cidade Maravilhosa… Coração do meu Brasil …”

O baile fervia, animado. De repente encontrei Bob no bar tomando conhaque. Estava molhado, batia o queixo. Vinte minutos dentro do frigorífico do caminhão; quase morre congelado. Sambamos até o dia amanhecer com as charmosas cariocas, alguns dormiram bem acompanhadas em outros apartamentos.

No domingo pela manhã marcamos encontro na Praça General Osório, Ipanema, onde aconteceria o desfile da famosa Banda de Ipanema. Entramos no clima, nossa fantasia era simples: sunga de banho, camisa leve, tamanquinho de praia e uma toalha em torno do pescoço para abastecer de lança.

Iniciamos a esquentar as baterias num pequeno bar perto da praça, estava lotado. Nossa mesa era das mais concorridas, cheia de moças bonitas. Muita alegria, chope, paquera e carnaval.

Em certo momento Bob sentiu fortes cólicas, consequência da friagem do frigorífico. Depois de ter-se esvaziado no banheiro, ele voltou à mesa. Estava na hora do desfile. Levantamos, na partida, pela primeira vez alguém reclamou:

“Êita fedor de merda! Alguém pisou em bosta!”

Olhamos no solado dos tamancos, nenhum vestígio de cocô. Nessa altura havia uma multidão na Praça General Osório. A Banda tocava e o povo cantava:

“Sassassaricando, todo mundo leva a vida no arame… Sassassaricando, a viúva, o brotinho e a madame…” Nosso grupo animado acompanhou o bloco. Gente bonita dançando, rebolando e cantando; e o cheiro de merda no ar. Afinal a fonte do fedor foi descoberta: era o Bob, com a sunga suja de merda. Na hora do serviço, parte do tolete retardatário, em vez de cair no sanitário, caiu dentro da sunga arriada do Bob. Ele, sem sentir, vestiu novamente a sunga, com a merda dentro. Foi a causa da fedentina em torno da turma.

A Banda de Ipanema acabou à noite. Resolvemos terminar a farra no Alkasar, Copacabana. Enfrentamos um ônibus lotado, éramos mais de 10 amigos em pé, se acotovelando. A certa altura um passageiro gritou:

  • Motorista pare! Alguém cagou dentro do ônibus!”

O motorista parou o ônibus. Resumindo a história: fomos presos na Delegacia de Copacabana em solidariedade a Bob, o cagão. O delegado só nos liberou depois de Bob ter tomado um banho com sabugo, ajudado pelos soldados de plantão. Terminamos a noite às gargalhadas no Alkasar, cada um contando, gabando-se, lembrando as paqueras, as conquistas. Foi um fim de semana animado Assim funcionava a Casa de Alagoas no Rio de Janeiro, nos tempos de Roberto Mendes, presidente.