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”Crianças órfãs são a parte mais difícil da tragédia”, diz médico que atende sobreviventes na Colômbia

03/04/2017
”Crianças órfãs são a parte mais difícil da tragédia”, diz médico que atende sobreviventes na Colômbia

O médico Cristian Andrés Gómez sabe o que é estar em meio a uma tragédia. “Temos trabalhado como em um hospital de guerra”, diz ele à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, na unidade de emergência do Hopistal Universitário de Neiva, no sul da Colômbia.

O centro médico atendeu os feridos do conflito armado que ocorreu no país por mais de 50 anos no país. “Por isso, temos muita experiência em atender casos graves”, conta Gómez.

Desde sábado, ele e sua equipe de médicos, enfermeiros e assistentes cuidam de dezenas de sobreviventes do deslizamento de lama, pedras e terra que atingiu na sexta-feira Mocoa, a 320 km de distância, após três rios transbordarem devido a chuvas intensas. Mais de 250 pessoas morreram.

Segundo o relatório mais recente do Exército colombiano, há ao menos 400 feridos no município, que é a capital do departamento de Putumayo, onde vivem 45 mil pessoas.

Desde então, os profissionais do centro de saúde de Gómez enfrentam uma “maratona” de atendimentos. “Já tínhamos cerca de 120 pacientes na emergência. Foi necessário evacuar o setor para receber os feridos que chegariam”, relata.

A equipe recebeu pacientes com traumatismos múltiplos e que tiveram de passar por amputações traumáticas, para citar apenas dois exemplos. Agora, alguns estão no setor cirúrgico. Outros, sob cuidados intensivos. E vários se encontram em tratamento para que possam ficar estáveis.

“Não é fácil. Cada paciente tem sua própria história, seu trauma psicológico por ver tantos mortos e feridos ao seu redor. Não é algo fácil de superar.”

 

Vulnerabilidade

 

Gómez também tem participado do transporte de pacientes do aeroporto mais próximo até o hospital. E, nestas viagens, fica cara a cara com o que tem sido o mais difícil dessa tragédia em particular.

“As crianças órfãs que chegam são o mais duro, especialmente para quem tem filhos. O fato de estas crianças ficarem vulneráveis é o mais impactante”, afirma o médico.

“No transporte, é preciso dar o apoio psicológico possível a elas, deixá-las tranquilas e ser muito amoroso. Dizemos que estamos aqui para ajudá-las, que elas são muito valiosas para nós, que vai ficar tudo bem, que elas estão em boas mãos. Mas é muito difícil.”

O hospital trabalha, ao lado do Instituto Colombiano de Bem-estar Familiar, para dar às crianças o apoio psicológico e emocional – para isso, lançam mão da figura de mães substitutas.

 

Desaparecidos

 

A magnitude da catástrofe se agrava com o isolamento da área, localizada na região amazônica, na fronteira com o Equador, onde há poucas vias de acesso. Por isso, é preciso chegar a Mocoa pelo ar ou por estradas precárias após várias horas de viagem.

Além da tragédia em si, há os problemas causados pela falta de eletricidade e água potável. Os afetados estão sendo levados a albergues.

Atender as crianças vítimas dos deslizamentos é uma das prioridades da Cruz Vermelha colombiana. Em Mocoa, cabe a John Freddy Castro coordenar a unidade da ONG responsável pelo restabelecimento de contatos familiares.

Castro tem a missão de reunir as vítimas com seus entes queridos ou fazer com que saibam o que aconteceu com eles.

“Como a maioria das cidades, Mocoa não está acostumada a desastres. O que aconteceu pegou a todos de surpresa, e isso aumenta ainda mais o drama”, diz.

Falando à BBC Mundo à partir da cidade, Castro destaca que há cerca de 440 desaparecidos atualmente.

“Estamos reunindo informações sobre quantas crianças sumiram. Sabemos que é um assunto complexo por causa de sua condição de vulnerabilidade. Por isso, conferimos a elas uma proteção especial.”

Como membro da Cruz Vermelha, Castro já atuou em meio a diferentes desastres naturais no país. “Cada tragédia é única. Você nunca se acostuma”, afirma.

A governadora do departamento de Putumayo, Sorrel Aroca, classificou o desastre natural como uma “tragédia sem precedentes”.

Segundo Castro, as equipes de resgate não perdem a esperança de encontrar mais sobreviventes.

“Há protocolos internacionais que determinam que devemos seguir na busca. E vamos fazer isso até o último minuto.”