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Os esquecidos da rota dos Bálcãs

30/08/2016
Os esquecidos da rota dos Bálcãs

“A gente só está aqui por um tempo”, diz Abdulamir Hussein sorrindo para a esposa, como se quisesse obter dela ao menos um aceno de cabeça. Ela, porém, apenas fixa silenciosamente as próprias mãos. Vê-se que ambos estão cansados.

O iraquiano de 49 anos e sua família, há dez anos em fuga, estão agora na cidade de Tessalônica, entre os cerca de 7 mil refugiados que aguardam na Grécia serem aceitos por algum país do norte da Europa, dentro do programa de realocação da União Europeia.

Após a invasão americana, a situação no Iraque era de quase guerra, e em 2006 a família finalmente fugiu para a então pacífica Síria. Lá, Abdulamir se converteu ao cristianismo, “por convicção”, enfatiza, segurando o crucifixo que traz no pescoço.

“Na Síria, nós vivíamos bem. Até que a guerra também chegou lá.” Então seguiram para a Turquia, onde passaram quatro terríveis anos. Por várias vezes foram vítimas de muçulmanos fanáticos: “Nós tivemos que fugir de novo.”

Longo caminho até Tessalônica
Em janeiro de 2016, Abdulamir, um filho e a filha mais velha com seu bebê conseguiram ir para a Grécia. Foi uma dessas perigosas travessias, num barquinho arruinado e superlotado de passageiros que haviam pago aos traficantes de pessoas mil dólares, cada um.

Seu destino final eram os países do norte da Europa – da mesma forma que os estimados 750 mil migrantes que trilharam a rota dos Bálcãs somente entre setembro e dezembro de 2015. Mas quando Abdulamir e o resto da família conseguiram chegar à Grécia, um mês depois, a fronteira da Macedônia já estava fechada. “Nós demos azar”, comenta, acariciando a esposa, a qual tenta, em vão, conter as lágrimas.

A família permaneceu 110 dias em Idomeni, na fronteira com a Macedônia. “Um pesadelo”, diz Abdulamir Hussein. Desde a dissolução do campo, no final de maio, estão em Tessalônica, esperando a realocação para o norte da Europa, onde se encontram seus filhos.

O mais rápido seria ir por conta própria, atravessando a Bulgária, considerada novo país de trânsito pelos refugiados, mas Abdulamir balança a cabeça, triste. “Os macedônios nos desaconselham”: seria perigoso demais para uma família, devido à “caça aos refugiados”. Esse é o nome dado ao atualmente violento procedimento dos policiais búlgaros e das autoproclamadas “defesas civis” contra os forasteiros. Aparte os “caçadores”, o caminho é pedregoso, através de montanhas, vales e florestas, nada apropriado para uma família cansada.

Iraquiano Abdulamir Hussein e esposa ainda estão na Grécia (Foto: DW/M.Ilcheva)

Iraquiano Abdulamir Hussein e esposa ainda estão na Grécia (Foto: DW/M.Ilcheva)

“Please deport, deport!”
Cerca de 500 quilômetros separam os Hussein do primeiro campo de refugiados búlgaro, em Pastrogor, uma aldeia no triângulo Bulgária-Grécia-Turquia. Lá estão alojados principalmente homens jovens do Paquistão e Afeganistão, quase não há famílias. Indagado, o diretor do campo de refugiados, Spassimir Petrov acena, hesitante: “Temos aqui duas famílias da Mongólia. São cidadãos chineses.”

A maioria dos jovens fica num pequeno galpão onde têm acesso à internet por wi-fi. Há algumas cadeiras, mas eles preferem se sentar no chão. Ao verem Petrov, levantam-se e dizem “Hello”.

Ali Raza, um paquistanês de 23 anos, conta que seu pai pagou 3.500 dólares pela viagem à Bulgária, para chegar à Alemanha ele teria que desembolsar mais 2.500 dólares. Ao ser perguntado por que está viajando, responde, como a maioria dos abrigados ali: “Porque todo o mundo quer ir para a Europa.”

Ali confere frequentemente seu celular: ele espera notícias do seu “agente”, explica. A situação na fronteira entre a Bulgária e Sérvia se tornou mais difícil, por isso o prosseguimento da viagem vai se adiando. Após a recente revelação de que policiais búlgaros participariam de operações de tráfico humano duvidosas, a fronteira passou a ser melhor controlada.

Neste ínterim, já há os primeiros migrantes que querem até mesmo voltar para casa. “Please deport, deport!”, suplicam três afegãos ao diretor do campo de refugiados de Pastrogor. Eles não têm mais dinheiro para prosseguir viagem – nem para retornar.

Bom emprego: traficante de gente
Para Ali Raza, isso está fora de questão: assim como o paquistanês Wasim Ahmad, de 28 anos, ele quer continuar até o destino final. “Ontem, pela terceira vez, eu fui mandado de volta pelos sérvios. Mas vou continuar tentando”, afirma, desafiador. Ahmad irradia energia, apesar de não ter dormido à noite: “Muitos outros conseguiram, e também eu vou conseguir”, reafirma.

O diretor Petrov reconhece: “Quase ninguém quer ficar aqui.” Dos cerca de 10 mil requerentes de asilo registrados oficialmente na Bulgária, poucos ficaram no país. A grande maioria quer ir para o norte da Europa. E essa vontade dos refugiados é uma sedutora chance de lucros para muitos na região.

No vilarejo vizinho, Ljubimez, o dono de uma oficina automobilística reclama que há meses não consegue contratar um mecânico. “Quem tem um carro pode ganhar muito mais dinheiro com algumas viagens levando refugiados, do que eu posso pagar como salário mensal”, diz, enxugando o suor da testa.

Paquistanês Ali Raza (esq.): 'Todos querem ir para a Europa' (Foto: DW/M.Ilcheva)

Paquistanês Ali Raza (esq.): ‘Todos querem ir para a Europa’ (Foto: DW/M.Ilcheva)

Itália, o novo destino
Quem finalmente conseguiu cruzar a fronteira entre Bulgária e Sérvia – com ou sem a ajuda de um traficante de pessoas –, em geral se dirige para noroeste, onde, 900 quilômetros adiante, está a próxima fronteira, a da Hungria. Na região fronteiriça entre a Sérvia e a Hungria, numerosos imigrantes aguardam para pedir asilo a Budapeste.

Desde julho, contudo, o país aceita no máximo 30 refugiados por dia. Quando esse limite é ultrapassado, envia de volta à Sérvia todos os que entraram de forma ilegal e foram apanhados dentro dos oito quilômetros da zona fronteiriça húngara. E assim os refugiados vão parar nas zonas de trânsito ou no centro de acolhimento sérvio de Subotica.

Aqui também a maioria são paquistaneses e afegãos. “Quase todo o mundo tenta atravessar ilegalmente a fronteira húngara. Alguns conseguem, outros não”, comenta Lazar Velic, diretor do centro de acolhimento.

Entre os que não conseguiram encontra-se Horam Shehzad, de 30 anos. Ele não foi apenas devolvido à Sérvia, mas também brutalmente espancado pelos policiais húngaros. “Aqui, eu ainda tenho as feridas”, diz, mostrando a cabeça. Sua nova destinação é a Itália: “Ouvi dizer que lá é mais fácil conseguir asilo, e aí você pode viajar por toda a Europa”, diz, esperançoso.

“Vocês não têm medo na Alemanha?”
Enquanto em Subotica o abastecimento é mais ou menos normal, dez quilômetros ao noroeste as condições são deploráveis. No posto fronteiriço sérvio-húngaro de Kelebija, 200 migrantes esperam a chance de pedir asilo na Hungria; outros 300 aguardam não muito longe dali, em Horgos. As duas zonas de trânsito fazem lembrar Idomeni. No entanto os imigrantes se sentem relativamente bem-vindos no país de trânsito Sérvia.

Na vizinha Hungria, por outro lado, logo se percebe a rejeição. “Não há nenhum refugiado em nossa cidade, e assim está bem”, diz uma húngara de 60 anos, que quer permanecer incógnita. Ela é de Gyor, cidade de cerca de 130 mil moradores próxima à fronteira austríaca.

“Nós não queremos refugiados, eles só trazem problemas”, diz a responsável por um camping, enquanto pendura roupas no varal. Em sua opinião, basta olhar para a Alemanha: “Vocês não têm medo, lá?”, indaga.

Ela parece não ter a menor ideia de quantos refugiados realmente estão em sua cidade. A maioria, entretanto, fica apenas uma noite, para uma pequena pausa antes de prosseguir com a última etapa de sua viagem: em direção à Áustria e, depois, para a Alemanha.