Política

Para se segurar no cargo, Cunha oferece benesses a deputados

29/02/2016
Para se segurar no cargo, Cunha oferece benesses a deputados
Vagas em comissões parlamentares e Relatoria de projetos relevantes são alguns dos acordos propostos por Cunha (Foto: El País)

Vagas em comissões parlamentares e Relatoria de projetos relevantes são alguns dos acordos propostos por Cunha (Foto: El País)

Vagas em comissões parlamentares. Relatoria de projetos relevantes. Promessas de apoio em eleição de líderes de bancadas. Essas são algumas das propostas feitas a deputados da tropa de choque de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para que seu processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados seja arquivado. Oficialmente, nenhum dos possíveis beneficiados admite as trocas de favores. Mas as mudanças de membros dentro do conselho e as movimentações de bastidores mostram que, mesmo fragilizado, Cunha ainda articula intensamente para se manter na cadeira de presidente e, claro, também na de deputado.

Há quatro meses, ou 52 dias úteis nas regras do Legislativo, tramita no conselho um processo por quebra de decoro parlamentar contra o peemedebista. A representação não chegou a ser admitida, ou seja, Cunha ainda está longe de ter qualquer pedido de punição analisado, porque uma série de manobras (por parte de seus aliados) e de erros grotescos cometidos pela presidência do Conselho de Ética só conseguiram atrasar o processo.

Enquanto isso, a tropa de choque do peemedebista e seus opositores contam votos. Há uma clara divisão no órgão, formado por 21 conselheiros titulares. São dez votos para cada lado e o de minerva para o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA). A maioria dos dez parlamentares que já sinalizou votar a favor de Cunha, e contra a abertura do processo, recebeu algum tipo de promessa, conforme o EL PAÍS apurou com deputados que transitam tanto entre a tropa de choque do peemedebista quanto entre seus opositores.

É comum um presidente da Câmara influenciar na decisão sobre quem deve ocupar cada função nas comissões. “Estar em um cargo como presidente ou relator de comissão ou ainda relator de projeto representa ter mais trabalho, mas também muito mais poder e destaque para o parlamentar. É ele quem conversa com os diversos setores da sociedade e do Governo para discutir os detalhes das futuras leis, por exemplo”, explicou Yuri Carajelescov, mestre em ciências jurídico-políticas e professor da Fundação Getúlio Vargas.

Um dos casos entre os apoiadores de Cunha é o da deputada Jozi Araújo (PTB-AP). Ela teria recebido a garantia de permanecer em comissões que a interessam enquanto representante da Federação das Indústrias do Amapá, como a de Trabalho e a Desenvolvimento, Indústria e Comércio. A parlamentar é neófita no conselho e assumiu, neste mês, a vaga de Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) que renunciou ao cargo de conselheiro a pedido da liderança de seu partido e sob a promessa de presidir a comissão de Trabalho da Câmara. A assessoria de Araújo disse que ela não recebeu nenhuma proposta.

Outros casos envolvem dois parlamentares que são cotados para assumir cargos de presidente ou relator na CPI do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que está prestes a ser instalada e será mais uma das que serão usadas para enfraquecer o Governo Dilma Rousseff (PT), de quem Cunha é adversário. O peemedebista sinalizou que um de seus dois fieis aliados, João Carlos Bacelar (PR-BA) ou Wellington Roberto (PR-PB), poderia ter uma das funções. Bacelar era membro suplente no Conselho e se tornou titular depois de uma manobra do PSD. O partido aproveitou a renúncia de Sérgio Brito (PSD-BA) por motivos de saúde para fazer um gesto de serventia a Cunha e indicar um membro de outra legenda que garantiria a sustentação a ele. Já Wellington Roberto, elaborou um relatório alternativo em que pede que a investigação contra o peemedebista seja aceita, mas que a punição seja branda e se inviabilize uma eventual cassação. Procurados por meio de seus assessores de imprensa, os dois parlamentares não se pronunciaram. Ainda na bancada do PR há um deputado que apoiou a eleição de Cunha e, por ser do baixo clero na Casa, teria pouca margem de negociação. Ele é Vinícius Gurgel (AP).

Entre os dez apoiadores há ainda dois do PP que tiveram sinalizações de apoios em diferentes momentos. Cacá Leão (PP-BA) tinha recebido a promessa de que teria o suporte de Cunha para se tornar líder da bancada do partido na Câmara. Mas o peemedebista recuou de última hora e apoiou outro parlamentar. Ricardo Barros (PP-PR), que no ano passado relatou o Orçamento Geral da União, fora sondado por intermédio do antigo líder de seu partido, Eduardo da Fonte (PP-PE) para receber outros projetos com relevância semelhante. Leão não se manifestou. Barros disse que relatar projetos de lei é uma prerrogativa parlamentar e negou veementemente que tenha recebido qualquer pedido de apoio a Cunha no Conselho.

Segundo Barros, houve uma orientação de seu partido a votar pelo arquivamento do relatório do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), que pede a admissibilidade do processo, porque ele é frágil, pois só se baseia na investigação da Lava Jato que ainda não acabou. “Se olharmos a Lava Jato, os senadores [Antonio] Anastasia e Aécio Neves [ambos do PSDB-MG] foram citados, mas depois seus nomes foram retirados da investigação por falta de provas. Quem garante que com o Cunha não ocorrerá o mesmo?”, disse. Este deputado é um dos apoia o relatório-alternativo elaborado por Roberto.

O mapeamento entre os apoiadores de Cunha ainda destaca dois peemedebista, Mauro Lopes (MG) e Washington Reis (RJ), que não votariam contra um colega de partido. Além dos deputados Erivelton Santana (PSC-BA) e Wladimir Costa (SD-PA) que sempre são orientados por dois fidelíssimos escudeiros do presidente da Câmara: André Moura (PSC-SE) e Paulo Pereira da Silva (SD-SP). Ambos apoiaram Cunha na decisão de abrir o processo de impeachment contra Rousseff.

Os opositores

Do lado dos dez opositores, os interesses são distintos. O relator, Marcos Rogério (PDT-RO), está sob forte pressão interna e tinha de ao menos concordar com a abertura do processo, conforme dito por pedetistas ligados a ele. O antigo relator, Fausto Pinato (PRB-SP), diz que foi ameaçado enquanto era o responsável pelo processo e, por essa razão, teria de se manifestar favoravelmente à investigação.

Os petistas Léo de Brito (AC), Valmir Prascidelli (SP) e Zé Geraldo (PA) atendem ao pedido de sua bancada e agem de maneira a retaliar Cunha por ele ter aberto o processo de impeachment presidencial. Júlio Delgado (PSB-MG) disputou a eleição de presidência da Câmara contra Cunha, e perdeu. Desde então é um dos principais críticos dele.

Os tucanos Betinho Gomes (PE) e Nelson Marchezzan Júnior (RS) foram orientados pelo PSDB a fazerem oposição ao presidente da Câmara, assim como o DEM orientou Paulo Azi (BA) e o PPS o fez com Sandro Alex (PR). A mudança de postura ocorreu no fim do ano passado, depois que esses três partidos de oposição ao Governo Rousseff notaram que estavam sofrendo um desgaste e suas imagens ao serem apoiadores da gestão Cunha.

Enquanto essa novela não chega ao fim, os atores envolvidos ganham os holofotes. As luzes serão acessas novamente na próxima sessão do Conselho, na tarde de terça-feira, na véspera de o Supremo Tribunal Federal decidir se aceita a denúncia do Ministério Público Federal e transforma o presidente da Câmara em mais um réu da Lava Jato.