Variedades

O futuro de Brecht

12/11/2019

As plateias sempre foram o elemento mais vital – e surpreendente – de todo espetáculo. Uma mesma peça pode ser apresentada em teatros vizinhos e nunca terá a mesma recepção, dado o perfil de seu público. É como olhar através do tempo e descobrir que, de longe, a vida está em constante transformação, ou como diria Bertold Brecht, “a verdade é filha do tempo, não da autoridade”.

Na prática, essa frase não é de dele, mas de Galileu Galilei, que o autor alemão pegou emprestada para criar a peça inspirada no astrônomo florentino. Neste sábado, 16, o ator Renato Borghi faz o mesmo em O Que Mantém um Homem Vivo?, que estreia no Sesc Consolação. No formato de uma peça-concerto, o espetáculo organiza o sumo, o deboche brechtiano, sobre os assuntos da vida.

Quando Borghi estreou a peça em 1973, ao lado da atriz Esther Góes, que assina o roteiro com o ator, os tempos eram outros. “Ou não mudaram tanto”, afirma ele. “Estávamos no auge da ditadura de Médici, com todos os casos de censura aos veículos de comunicação, perseguição e tortura. O clima era trabalhar enquanto chegavam notícias sobre o desaparecimento de colegas e seus familiares.”

Se o clima político e sombrio movimentava os ânimos, como artista Borghi também seguia em uma etapa delicada. Antes de estrear seu Homem Vivo, o ator estava prestes a deixar o já icônico Teatro Oficina. Foram 14 anos na companhia de Zé Celso. Os conflitos pessoais e estéticos levaram o casal Borghi e Ester a fundarem o Teatro Vivo, ainda em 1972. “Eu queria continuar fazendo personagens, interpretar papéis”, diz Borghi. “Nessa época o Oficina estava curtindo a parceria com o Living Theatre, focado na performance e o happening”, completa o ator Elcio Nogueira Seixas, que estreia na nova versão.

Organizado em cinco unidades que versam sobre a bondade, a ciência, a Justiça, o amor e A Aversão às Virtudes, a peça recolhe preciosidades deixadas pelo dramaturgo e diretor alemão. O objetivo é pôr o mundo atual à prova – seja ele em formato de pizza ou global.

A narrativa trazida na peça inspirada em Galileu, por exemplo, é uma delas. Durante ensaio acompanhado pela reportagem, Borghi faz o personagem que conduz um debate sobre o encantamento trazido pela ciência e suas descobertas. No papel de uma soberana, a atriz Georgette Fadel completa o elenco – e mata um pouco a saudade de sua atuação. “A peça tem a minha idade, já tem uma raiz”, diz ela. “Quando falamos desses assuntos, Brecht faz soar algo como Mad Max, um futuro apocalíptico.”

Ela vem do recente Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias, também de Brecht, com o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos. “Na peça dirigida pela Claudia Schapira, há uma extensão do pensamento de Brecht, um estudo que reflete e não esconde o pensamento da companhia. Há também a ideia de se interpretar personagens, o que é um pouco diferente no Homem Vivo.”

De fato, o roteiro supervisionado pelo diretor Diego Fortes, aposta em um “público que parece ter desaprendido a ouvir uma fábula”. Seu ritmo fragmentado vai no cerne do debate trazido por Terceiro Reich, sobre um juiz que se esforça para encontrar uma sentença adequada aos seus interesses. Em segundos, o cenário repleto de caixas de papelão, assinado por Daniela Thomas, ergue o trono ocupado por Georgette e pelas discussões de Galileu. “Nós, que viemos depois”, diz Georgette, “tentamos fazer infiltrações na peça, ou mesmo usar da cara de pau”, brinca a atriz.

Sobre a trama do cientista, o assunto rende até o infinito. Ele tenta convencer os presentes a observarem o telescópio e atestarem com os próprios olhos a ciência viva. Ávido por ver, o rei é impedido por um oficial, interpretado por Seixas. Ele não acredita que astros possam flutuar no céu sem estarem presos por fios. “Aristóteles não disse nada sobre isso.” E Borghi/Galileu responde: “Aristóteles não tinha um telescópio”.

Fortes não esconde o encantamento de trabalhar em uma montagem com Borghi, aliás, a turma vem de boas parcerias. Quando estreou O Grande Sucesso, em São Paulo, foi admiração à primeira vista. Borghi viu a peça e convidou o rapaz para encenar Molière – Uma Comédia Musical, com Matheus Nachtergaele no papel principal. “Homem Vivo tem transições mais heterogêneas, é mais ousado”, afirma.

O QUE MANTÉM UM HOMEM VIVO?
SESC CONSOLAÇÃO. R. DR. VILA NOVA, 245. TEL.: 3234-3000. 5ª E 6ª, 21H; DOM., 18H. R$ 20 / R$ 40. ESTREIA SÁBADO, 16. ATÉ 15/12.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Leandro Nunes
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