Variedades

Linklater e seu ‘Nós Que nos Amávamos’

11/11/2019

Num ano que está sendo muito rico em probabilidades de candidaturas masculinas para o Oscar – Joaquim Phoenix/Coringa, Brad Pitt/Ad Astra, Antonio Banderas/Dor e Glória, Christian Bale/Ford Vs. Ferrari, Anthony Hopkins e Jonathan Pryce/Dois Papas -, a contrapartida das mulheres no prêmio da Academia ainda parece um tanto confusa; Mas sempre existe Cate Blanchett. É magnífica no Richard Linklater que estreou na quinta-feira, 7. “Cadê Você, Bernadette?” está longe de ser uma unanimidade. No site Rotten Tomatoes, que avalia os filmes segundo o público e a crítica, a reação dominante é que Bernadette fica abaixo do que a soma de direção, roteiro e elenco poderiam autorizar. Em suma – o filme seria fraco, considerando-se os talentos envolvidos. É tudo uma questão de ponto de vista.

Filmes como os da trilogia Antes (do Amanhecer, do Pôr-do-Sol, da Meia Noite) e também Boyhood – Da Infância à Juventude e Jovens, Loucos e Rebeldes – e sua sequência, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes -, estabeleceram Linklater como cineasta do tempo. Ele gosta de analisar as transformações que o tempo opera nas pessoas, nos sentimentos, mas também de encarar os problemas que a passagem do tempo cria para o narrador que é. Um filme captado ao longo de 12 anos, personagens retomados a cada dez anos, jovens loucos e rebeldes que viram adultos sem rumo (mais rebeldes?) – o tempo e as pessoas dão o alimento da sua ficção. Bernadette pode muito bem ser o seu “Nós Que Nos Amávamos Tanto”, lembrando um pouco o clássico de Ettore Scola. Na entrevista que deu ao jornal O Estado de S. Paulo sobre a carta branca que lhe foi proposta pelo Instituto Moreira Salles, o distribuidor e exibidor Adhemar Oliveira citou Scola e disse que, de todos os filmes do autor italiano, Noi Che CEramo Tanto Amati, um de seus favoritos, foi, para sua tristeza, um dos que mais envelheceu, ou o que mais envelheceu.

Bernadette começa meio estranho, com a protagonista, Cate, conduzindo um caiaque num mar gelado. Não sabemos nada sobre ela, exceto que, para todo lado que olha, só vê gelo. Montes de gelo, a desolação da Antártida. Corte – meses antes. Cate, como Bernadette, tem um marido bem sucedido, e interpretado por Billy Crudup. Ele trabalha com novas tecnologias, o admirável mundo novo. Ela é rapidamente definida por seu comportamento antissocial. É agressiva com as mães dos colegas da filha na escola. Essa mulher foi uma arquiteta original e ousada, mas em, algum momento, por amor à filha, desistiu da carreira. Virou o que é. E agora, rotulada de louca – veja para saber como e por quê? -, ela terá de se reinventar. Pegando carona em outro título de Scola – conseguirá nossa heroína? Bernadette não parece original como outros filmes de Linklater, mas, no momento em que você entra no clima, a conversa pode ficar muito interessante. Justamente, a conversa.

Como na série Antes, esse é um filme de diálogo. O que as pessoas dizem, e principalmente o que calam, mas termina por irromper. Acuada, Cate buscará socorro na figura mais improvável, a mulher com mais motivos para odiá-la, mas que vai revelar uma compreensão humana muito grande de seus problemas. Para arquitetos – estudantes, profissionais -, o filme terá um encanto todo especial. De Los Angeles, onde floresceu seu gênio, a Seattle, onde se enterrou, Bernadette vive a arquitetura, discute a arquitetura e o espaço urbano termina por ser personagem como o marido, a filha, a família, os vizinhos. E essa história de disfunção – pessoal? – leva à Antártida, a um mundo de gelo que equivale a uma crítica às relações que vão esfriando. Exceto pelo fato de que ainda há fogo sob as cinzas.

Bernadette não teve boas críticas na ‘América’, Cate talvez nem termine indo para o Oscar. Pior para a Academia. O filme é ótimo. Ela interpreta essa personagem intensa, rica em nuances, como se Bernadette fosse uma segunda pele. Não apenas ela – Billy Crudup tem aqui um daqueles papéis para os quais foi talhado, e que Hollywood reluta em lhe dar. Dane-se Rotten Tomatoes. Linklater, mais uma vez, acertou a mão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Luiz Carlos Merten
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