Política

Aras acionou MPF para defender seu escritório

24/11/2019

Na última terça, 19, uma operação da Polícia Federal, a “Faroeste”, que afastou quatro desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) no âmbito de inquérito que apura suspeitas de crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, deu motivos para o procurador-geral da República, Augusto Aras, comemorar em silêncio. Entre os afastados, estão o presidente, Gesivaldo Nascimento Britto, e a segunda-vice-presidente, Maria da Graça Osório Pimentel Leal.

Aras nada tem a ver, diretamente, com o caso concreto que resultou na operação que o deixou feliz, mas, desde 2013, como mostram documentos a que o jonal O Estado de São Paulo teve acesso, foi um subprocurador da República empenhado em acusar, formalmente, os mesmos desembargadores acima citados, além de um major da Polícia Militar da Bahia, Gilfer dos Santos Nascimento. Acusou-os de compor “um grupo poderoso e organizado” dedicado à prática de estelionato seguido de extorsão. Entre as vítimas, segundo afirmou, estava seu próprio escritório privado de advocacia – o Aras e Advogados Associados -, onde também atuava ativamente como advogado, simultaneidade permitida por lei, até ser indicado para a PGR pelo presidente Jair Bolsonaro, com aprovação do Senado.

A história de Aras contra esse grupo, e especialmente contra o major da PM que acusou de perseguir a si e a sua família, está registrada em representações que ele próprio formalizou ao órgão em que atua, o MPF, mas não veio a público durante o processo que o levou à Procuradoria-Geral da República. O Estado insistiu para que o procurador-geral desse entrevista a respeito, mas Aras recusou. Mandou dizer, por um assessor, que é “vítima desse grupo”.

No ofício n.º 009/2013, de 18 de setembro de 2013, obtido pelo Estado, o então subprocurador Augusto Aras pediu à subprocuradora Lindôra Maria Araújo, em Brasília, a abertura de investigação contra um “grupo poderoso e organizado” dedicado à prática de estelionato seguido de extorsão, especialmente em processos judiciais versando créditos contra a Fazenda Pública, com atuação na Bahia e em Brasília – leia-se precatórios, uma das especialidades do Aras e Advogados Associados, com sede em Salvador, e filial em Brasília. Segundo o mesmo ofício, Aras afirma que o major Gilfer Nascimento está por trás das ameaças que ele próprio e o escritório passaram a receber, fazendo crer que goza de proteção “de autoridades estaduais de distintos poderes”. O principal acusado, no ofício, é o major Gilfer Nascimento, àquela altura, como ainda hoje, processado por ameaças e extorsão pelo escritório Aras e Advogados Associados, hoje sob a responsabilidade do sócio, Roque Aras, pai do PGR, que também não quis dar entrevista.

Denúncia

O major da PM baiana foi bater no escritório dos Aras, em Salvador, em 2010, para, segundo a denúncia do Ministério Público estadual, oferecer causas de entidades sindicais militares passíveis de judicialização – centenas de casos promissores de possíveis precatórios. Os Aras aceitaram os novos clientes. Um tempo depois, segundo a denúncia, o major passou a querer um porcentual maior do que o combinado – e teria partido para ameaças e extorsão contra o escritório, nas pessoas de Roque Aras e de seu sócio Antônio Otto Correia Pipolo, que também não quis dar entrevista. O major da PM nega as ameaças e a extorsão.

É no meio dessa desavença que o subprocurador Augusto Aras formaliza no MPF, em diversos ofícios, as denúncias contra o major que tinha uma pendência judicial com o escritório do qual era sócio e advogado. O major Nascimento foi absolvido em sentença de primeira instância na Justiça estadual, em 11 de maio de 2017, porque o juiz Ricardo Augusto Schmitt entendeu que o Ministério Público estadual e os advogados Roque Aras e Antônio Otto Correia Pipolo, ambos sócios do escritório, não conseguiram provar as acusações. Segundo a sentença, o inquérito não ouviu o major e não submeteu à perícia – e-mails, áudios e vídeos que comprovariam as ameaças.

O MP estadual e os Aras recorreram ao TJ-BA e ganharam, no mérito, por 2 a 1, em março deste ano. O major agravou, perdeu novamente no último 8 de novembro, e ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça. No momento, tecnicamente falando, o major está condenado pelos crimes de ameaça e extorsão. Ele não quis dar entrevista a respeito.

Nos ofícios em que formalizou suas acusações contra litigantes em pendência com seu escritório privado, o então subprocurador Augusto Aras também citou, como participante do “grupo poderoso e organizado”, a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia Maria das Graças Osório Pimentel Leal, que até a última terça era a segunda-vice-presidente do Tribunal, e o desembargador Gesivaldo Britto, ex-capitão da Polícia Militar baiana, atualmente presidente afastado.

No ofício 009/2013, Augusto Aras identifica mais nomes, e-mails e números de telefones dos que, segundo ele, vinham participando dos crimes contra seu escritório – “o que viabiliza o aprofundamento das investigações a fim de que sejam detectadas a extensão e a profundidade dos ilícitos e dos seus autores”.

Investigação

A Operação Faroeste, que afastou os desembargadores por 90 dias, entre outras medidas, faz parte de um inquérito do Ministério Público Federal – fase de apuração, portanto -, que tramita no Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do ministro Og Fernandes. O inquérito apura se os desembargadores afastados e demais envolvidos fazem parte de um esquema de venda de decisões judiciais no TJ da Bahia. O major Gilfer Nascimento não é investigado nesse inquérito.

Tramita em segredo de Justiça -, mas, como todas as operações do gênero, a “Faroeste” virou uma peneira, mal foi divulgada. Ao mesmo tempo em que as assessorias de imprensa do STJ e da Procuradoria-Geral da República reiteraram, ao Estado, que o segredo de Justiça impedia a divulgação da íntegra da decisão de Og Fernandes, a mesma já estava correndo o mundo.

O Estado tentou ouvir os desembargadores afastados, mas não teve resposta. A assessoria do TJ-BA divulgou nota dizendo que o tribunal “foi surpreendido pela ação da Polícia Federal e que ainda não teve acesso ao conteúdo do processo”. Segundo a assessoria do MPF, o atual procurador-geral, Augusto Aras, não teve participação na deflagração da “Faroeste”. Quem pediu ao Superior Tribunal de Justiça, ainda na gestão da PGR Raquel Dodge, foi o vice-procurador geral da República, Luciano Mariz Maia.

As denúncias feitas por Aras contra o major Gilfer Nascimento e os desembargadores citados continuam em apuração, em um outro procedimento do Ministério Público Federal.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Luiz Maklouf Carvalho
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