Variedades

Que mulher é essa?

24/09/2019

Parceiros na arte, e na vida. Andréa Beltrão e Maurício Farias já têm filhos adultos e uma colaboração, na TV e no cinema, que inclui sucessos como A Grande Família e Tapas e Beijos. Têm diferenças. Ela é solar, não vive sem praia. “Adoro me sentar diante do mar e ver a gente passando. É a coisa mais maravilhosa.” Ele não é praieiro, mas a acompanha. Fez o filme, Hebe, para ela – por causa dela. E já trabalham no próximo projeto. “Vou voltar a dirigir novela, aliás, acho que as pessoas nem sabem que já dirigi novela. Vou dirigir a próxima novela das 9, depois de Amor de Mãe, que vai substituir A Dona do Pedaço. Lícia Manzo já me entregou 20 capítulos iniciais, e é sobre eles que estou trabalhando, fazendo leituras preliminares, definindo elenco. As gravações vão começar só em fevereiro e a novela terá Andréa, Marieta Severo, Cauã Reymond.”

Hebe – A Estrela do Brasil provocou debates acalorados em Gramado, em agosto, quando o filme participou da competição. Ganhou um Kikito – o de melhor montagem, para Joana Collier e Fernanda Krumel. Teve gente que reclamou – Maurício Farias filma muito sua Hebe de costas. É uma sacada de gênio, que poucos entenderam. É conceitual – sua mise-en-scène baseia-se toda nessa sutileza. Hebe viveu tanto frente às câmeras, e as pessoas, por décadas, a viram frontalmente. Para mostrar essa outra Hebe, embasada na realidade, ele muda o foco, e o ângulo. “Trabalho muito com TV, então estou acostumado a ver a imagem e o seu reverso. Implico sempre com o conceito do making of, como é levado. Se é para revelar os bastidores, a gente tem de mudar o ângulo e não insistir em pessoas que falam frontalmente.” Ele está muito curioso com a reação do público. Ele, só, não. Andréa Beltrão, a roteirista Carolina Kotscho. A Hebe de seu filme fala de sexo, defende homossexuais, desafia a censura. É pioneira ao falar sobre aids, e discutir saúde pública. Vai ao hospital público para assistir a seu cabeleireiro – Carlucho, a quem define como “pessoa maravilhosa” -, que contraiu o vírus, é soropositivo e está morrendo.

A cena provocou críticas. Alguns críticos acharam fantasiosa, imagine se a Hebe ia entrar num hospital público sem provocar tumulto. Na verdade, isso ocorreu e as pessoas – os pobres do Brasil – talvez nunca esperassem e até achassem que não devia ser. O importante é o gesto. “A Hebe não é de esquerda, não é direita, é direta”, diz Andréa olhando para a câmera. Essa Hebe que conta anedotas, critica políticos, apanha do marido e só não consegue falar francamente com o próprio filho gay talvez seja uma surpresa e, principalmente, para o público conservador. “Me acusaram de embelezar tanto a minha Hebe que eu a teria botocado”, reflete Carol Kotscho. “Mas essa foi a Hebe que descobri ao pesquisar sobre ela. Não a conhecia, e ela me surpreendeu. Gosto de escrever roteiros sobre o que desconheço, para aprender mais sobre a vida. Insisto que as frases, mesmo as mais críticas e incisivas, são da própria Hebe. Vejam a entrevista dela no Roda Viva, que está na íntegra no YouTube. Quando vi eu me perguntei – Que mulher é essa? Não podemos ser preconceituosos e nos fechar no que achamos que é. A realidade atropela a gente. Descobri uma personagem complexa, fascinante, contraditória até, mas que me permitia um recorte muito oportuno para refletir sobre o Brasil de agora. E quis compartilhar isso com o público.”

Para o papel, à medida que escrevia as cenas, Carol nunca pensou em outra atriz que não Andréa. “Quando ela disse que queria escalar essa montanha comigo, achei que estava no bom caminho.” Com Andréa veio o marido. “Durante muito tempo, eu, como todos os brasileiros, ouvia falar da Hebe e do Lélio (o marido dela). Pareciam ter o casamento mais perfeito do mundo. Foi um choque descobrir que o relacionamento era abusivo, que ele era violento. O Brasil é campeão de feminicídio. Isso, e a censura, a liberdade de expressão. É um filme muito atual. Agora, é com o público.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Luiz Carlos Merten
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