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Ensino integral melhora resultados de escolas pobres

25/09/2019

Assim que toca o sinal, os alunos saem correndo das salas. Eles têm pressa, não para ir embora, como seria de se esperar após nove horas e meia de atividades escolares. Mas para ir ao pátio, onde vão ensaiar para a fanfarra ou treinar handebol. Ao contrário do receio inicial, em um colégio onde 30% dos alunos repetiam ou abandonavam os estudos, aumentar o tempo de aula, com implementação do período integral, fez crescer o interesse pelos estudos e elevou indicadores educacionais da unidade.

A história da Escola Estadual Professor Pedro Gomes, em Goiânia, tem semelhanças com outros colégios de regiões pobres que conseguiram bons resultados por meio do ensino integral. Isso é o que mostra o estudo Excelência com Equidade no Ensino Médio, antecipado pelo jornal O Estado de S. Paulo. A pesquisa foi desenvolvida pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), em parceria com Instituto Unibanco, Fundação Lemann e Itaú BBA.

Vários fatores interferem nos resultados de aprendizado, mas o nível socioeconômico dos alunos é considerado o de maior influência. Das 5.042 escolas do País que atendem estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo no ensino médio, apenas 100 obtiveram índices educacionais satisfatórios. Dessas, 82 são de período integral. “Esse resultado não demonstra que o ensino integral é o único caminho para uma educação de qualidade, mas mostra que praticamente só essas escolas estão conseguindo avançar. Tem sido difícil melhorar sem ser por essa modalidade”, diz Ernesto Faria, diretor do Iede.

A escola Pedro Gomes é uma das mais tradicionais da capital goiana, no maior bairro comercial da cidade, e tinha como principal problema a evasão. Muitos alunos abandonavam os estudos para trabalhar nas lojas e lanchonetes da região. “Eles não viam sentido em continuar estudando e sentiam que ajudariam mais as suas famílias se começassem a trabalhar”, conta o diretor José Joaquim Neto.

Em 2013, a escola foi uma das selecionadas pelo governo de Goiás para um projeto-piloto de tempo integral. Houve resistência ao plano que quase dobrou o tempo de aula, de 5 horas para 9h30 diárias. No primeiro ano de implementação, o colégio perdeu 60 dos 298 alunos. Aos poucos, a unidade voltou a a atrair as famílias – no ano passado, a escola tinha 601 matriculados e só 0,5% de abandono.

Carreira

Como seus primos e amigos mais velhos, Geovanni Alves, de 18 anos, queria estudar pela manhã e trabalhar à tarde. Por isso, não gostou de ter sido matriculado na escola no 1.º ano do ensino médio. “Achava que já estava na idade de ter meu dinheiro, ajudar em casa. No primeiro dia de aula, os professores me mostraram que eu podia mais, posso sonhar e ter a profissão que eu quiser se terminar os estudos”, conta o jovem, que vai prestar vestibular para Design de Interiores.

Em outro colégio com ensino em tempo integral em Goiânia, o relacionamento com uma professora-tutora e um trabalho de iniciação científica sobre doenças mentais deram a luz sobre a carreira que Jéssica Ferreira, de 19 anos, queria seguir: Psicologia. “Passei por problemas, não tinha com quem conversar em casa e a escola me ajudou. Tanto pela relação com a tutora, como por esse projeto. Quero ser a primeira da família a ir para a universidade”, diz a jovem, do 3.º ano do ensino médio da Escola Estadual Juvenal José Pedroso, outra das 100 a atingir os resultados.

Especialistas e diretores das escolas ressaltam que não é apenas a ampliação da carga horária a responsável pela melhora nos resultados, mas o aproveitamento do tempo maior para trabalhar conteúdos de interesse do aluno e com diferentes metodologias. Nessas unidades, ele pode escolher disciplinas, recebe tutoria de um professor (com quem pode falar sobre o desempenho, problemas familiares, dificuldades de relacionamento), propõe projetos e opina sobre a escola.

O principal entrave para a expansão das escolas de tempo integral é o custo. Por isso, Faria destaca que, até o País atingir uma rede mais extensa, é possível replicar práticas no período regular. Por exemplo, o monitoramento contínuo do aprendizado. Nas escolas de Goiânia, alunos fazem provas toda segunda e os resultados são analisados pelos professores.

Outra prática é o incentivo à participação dos pais. A Juvenal Pedroso, por exemplo, tem como meta ter ao menos a presença de 60% dos responsáveis nas reuniões bimestrais. Também liga ou vai até a casa dos alunos que faltaram duas vezes na semana. “A escola e os professores podem mudar a vida desses meninos, mas, se a família participar, é muito mais fácil”, diz a diretora Divina Rocha.

Política

O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê 25% das matrículas em tempo integral até 2024 – em 2018, eram apenas 10,3% no ensino médio. O Ministério da Educação (MEC) ainda não fez, neste ano, repasses para o apoio ao período integral nos ensinos fundamental e médio. O jornal mostrou em agosto que o MEC quer montar novo programa para a modalidade, com a ampliação da jornada em faculdades particulares.

Principal política defendida pelo governo Jair Bolsonaro para a educação básica, as escolas cívico-militares (de gestão compartilhada entre civis e militares) não estão entre as 100 que alcançaram indicadores satisfatórios no estudo. Nessa seleção, apareceram três exclusivamente militares, no Maranhão.

Em nota, o MEC diz que “as escolas de tempo integral continuam a ser sua prioridade” e até o fim do ano irá repassar recursos de adiantamento previstos para 2020. O valor não está definido.

Questionado sobre o novo formato do programa de fomento às escolas de tempo integral, a pasta informou que a “política será mantida para os próximos anos com poucas alterações”.

Nordeste

O alto custo da implementação do ensino em tempo integral é apontado como o principal entrave para a expansão. Até Estados mais ricos têm dificuldade de ampliar o número de matrículas com a jornada ampliada. Em São Paulo, por exemplo, 8,6% de seus alunos de ensino médio estão matriculados no período integral, porcentual mais baixo do que a média nacional, de 10,3%.

Os Estados que mais têm avançado nesse modelo são os do Nordeste. Para essa etapa, dois deles alcançaram ainda no ano passado a meta prevista pelo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024, que é ter 25% dos alunos no tempo integral. Pernambuco já alcançou 49% das matrículas e a Paraíba, 25,1%. Ceará também se destaca, com 23,4%.

Promessa de campanha do governador João Doria (PSDB), a expansão das escolas de tempo integral na rede paulista começou neste mês a dar os primeiros passos, com a publicação de uma resolução que garante essa expansão.

Segundo Caetano Siqueira, da coordenadoria pedagógica da Secretaria Estadual de Educação, a expectativa é expandir para mais cem escolas – hoje, são 417. O valor a ser investido não foi informado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Isabela Palhares, enviada especial
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