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‘Boris Johnson não aprendeu nada com sua antecessora’

23/08/2019

A saída do Reino Unido da União Europeia (UE) terá consequências de longo prazo para o bloco, principalmente em termos militares e diplomáticos. A avaliação é de Michael Leigh, ex-diretor da Comissão Europeia para expansão do bloco. Ele participou nesta quinta-feira de seminário na Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.

Na avaliação do diplomata, hoje professor da Universidade John Hopkins, sem o Reino Unido a UE perde força no Conselho de Segurança da ONU, onde Paris e Londres atuam em bloco. Os outros países com assento permanente no órgão são EUA, Rússia e China.

“A ausência do Reino Unido no bloco implicaria uma perda de projeção de poder militar e diplomático para Bruxelas”, diz Leigh. Os principais beneficiados dessa perda de importância seriam a China e a Rússia. Segundo Leigh, o Brexit traz três cenários possíveis para a UE. O primeiro é a refundação do bloco, defendida pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que ontem disse ao premiê britânico, Boris Johnson, que não há mais tempo para negociar novo acordo.

A segunda é o colapso. A última, e mais provável, é uma consolidação do status quo atual, com pequenas reformas. Ontem, Leigh concedeu a seguinte entrevista ao Estado/Broadcast.

O que levou Putin a tentar influenciar a onda populista na Europa?

O interesse da Rússia é dividir a UE, principalmente depois da crise da Ucrânia e das sanções aplicadas por Bruxelas contra Moscou. Putin não necessariamente é um fã de (Matteo) Salvini e (Marine) Le Pen, mas vê neles uma oportunidade de enfraquecer a unidade europeia.

Como uma UE enfraquecida influi no combate às mudanças climáticas?

A UE perde força por um lado porque, apesar de o Reino Unido ter apoiado os acordos de Paris, passará a sofrer influência nesse sentido por parte dos EUA. Por outro lado, a opinião pública europeia é muito mobilizada em torno dessa questão e os verdes cresceram muito na última eleição europeia.

O sr. aponta como um erro de Theresa May ter estipulado condições inegociáveis já antes de começar a negociar um acordo do Brexit com a UE. Johnson não está fazendo o mesmo ao dizer que o “backstop” tem de ser removido?

Johnson não aprendeu nada com sua antecessora. Ele está cometendo os mesmos erros. Primeiro, ele desenhou as linhas vermelhas das quais não poderá voltar atrás. Ele disse que não pode haver em um futuro acordo um “backstop” (rede de segurança para manter uma união aduaneira entre a UE e a Irlanda do Norte e, assim, evitar uma fronteira entre as Irlandas). Sabemos que os demais 27 Estados-membros da União Europeia veem o “backstop” como indispensável e apoiam fortemente a Irlanda nesse ponto. O segundo erro que ele cometeu é dar uma impressão enganosa de que, apesar das posições claras de (Angela) Merkel e de Macron, ele conseguirá um destravamento das negociações. Ele está cometendo erros, mas provavelmente ao fazê-lo está preparando a forma de tirar a responsabilidade dele mesmo e jogá-la para a UE.

Macron e Merkel vêm mostrando algumas diferenças a respeito do Brexit, e de como salvar o acordo e evitar um Brexit sem acordo em 31 de outubro. Como o sr. avalia as reações dos dois às visitas de Johnson e a suas linhas vermelhas?

Apesar de aparências e alegações afirmando o contrário, a posição deles na substância (do Brexit) é a mesma. A imprensa britânica se agarrou à ideia de que Merkel teria dito que, ao longo dos próximos 30 dias, poderia haver algum destravamento, mas, na verdade, ela não mudou sua posição em nada e mantém a mesma posição de todos os outros Estados-membros, incluindo a França, de que o acordo que foi negociado e não pode ser reaberto a este ponto.

O sr. estima em 60% o risco de um Brexit sem acordo em 31 de outubro e em 35% o risco de adiamento. O que pode ocorrer logo após o 31 de outubro?

Se o Reino Unido sair, de fato, em 31 de outubro, fará isso sem um acordo, pois não há nenhuma possibilidade de se concluir um pacto nesse período curto, e dada a clareza da UE de que o acordo sobre a mesa não pode ser renegociado. Certamente, haverá um período considerável de caos em que o comércio sofrerá uma ruptura, o transporte sofrerá uma ruptura e relações normais entre o Reino Unido e o continente europeu sofrerão uma ruptura. Quanto tempo isso vai durar? Não sei. Venha o que vier, o Reino Unido terá de se engajar em mais negociações com a UE.

Qual a chance de um novo adiamento?

Diria que há uma chance muito pequena de um pedido de postergação ou para adentrar novas negociações, mais substantivas. No lado europeu, haverá preocupação com a ruptura no comércio, e Johnson enfrentará um lobby claro da comunidade empresarial e de outras para tentar evitar consequências muito sérias.

Autor: Luiz Raatz e Nicholas Shores
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