Variedades

Um lugar no mundo

07/05/2019

Por uma dessas coincidências da vida, duas semanas depois de Caeto propor que Sonia Ninomiya escrevesse sobre sua relação com o filho e de pedir que Masanori contasse sua história, e isso se transformaria, com a ajuda dele, na HQ Nori e Eu, o ilustrador foi a uma reunião na WMF Martins Fontes por outros motivos – e aproveitou para falar sobre o novo projeto.

“Ficamos entusiasmados, mas não sabíamos o que esperar – não conhecíamos os autores. E então Sonia veio na editora, antes mesmo de escrever o roteiro, e nos deixou emocionados e certos de querer publicar o quadrinho”, conta a editora Luciana Veit. “As histórias que ela contava, o seu amor pelo filho, as dificuldades que passou… Nós nos apegamos ao livro e a essa dupla incrível e até o final, quando recebemos o texto da orelha, de Vera Regina J.R.M. Fonseca, a psicanalista que atendeu o Nori pequeno, essa história fez lágrimas caírem aqui na editora.”

É mesmo uma história bonita, corajosa, de uma mãe que fez o que estava ao seu alcance para cuidar do filho autista e prepará-lo para o mundo. De uma mulher que não abriu mão de seus sonhos e conseguiu conciliar a criação de Nori e dos outros dois que vieram depois com seu trabalho como professora de língua e literatura japonesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro, de onde se aposentou há dois anos, depois de 35 na sala de aula e na ponte aérea.

“Esse livro foi um crescimento para nós dois. Eu pude colocar para fora coisas que ninguém sabia e ele pode partilhar dessas coisas. E foi muito sofrido. Eu tinha muito receio de magoar pessoas com o que eu estava contando”, comenta Sonia. Ela completa: “Escrevi com cuidado, mas também com muita sinceridade.”

Sonia ressalta que em alguns momentos ficou receosa de Nori desenhar, ou mesmo conhecer, alguns fatos. “Eu pensava: como ele vai encarar isso? Mas foi tudo tranquilo e algumas coisas pontuais mexeram com ele.” É o caso do sonho recorrente que ela tinha: alguém vinha e levava seu filho. Foi difícil para ele entender que aquilo não tinha acontecido. Nori voltava ao assunto, eles conversavam. E, mesmo durante a entrevista, ele repete que não sabia que havia sido sequestrado.

Para que seu plano de mudar a dinâmica da aula e ajudar Nori a desenvolver ainda mais sua técnica funcionasse, Caeto lançou mão do nome de um dos ídolos do aluno. “Sugeri que eu tivesse uma função parecida com a do Mauricio de Sousa: eu ia ver o desenho e ia dizer se estava aprovado ou não. Isso mudou o ritmo da aula.” Foi muito trabalhoso para ele, reconhece o professor. “Vi seu esforço e dedicação de terminar esse livro e fico orgulhoso.” Caeto gostaria de voltar a trabalhar com o aluno. “Ele é rápido, coisa que não sou, e tem um desenho sofisticado. Escrevo roteiro e cada vez mais tenho tido preguiça de desenhar. A dupla funcionaria muito bem”, diz.

Nori sorri, tímido. À reportagem, ele conta que narrar sua história não foi tão difícil quanto fazer seus mangás – sempre sobre um herói que vai salvar alguém, ou a humanidade, ou São Paulo de algo ruim (mais recentemente, conta Sonia, o herói sofre um revés e uma heroína entra para ajudá-lo). Mas comenta que ilustrar a parte da sua mãe não foi tão fácil. Voltar à relação com os irmãos na infância também não – e uma cena tocante é quando a mãe conversa com os outros dois filhos sobre o primogênito e diz que está fazendo o possível para deixar a tarefa (cuidar de Nori no futuro) menos difícil.

O livro é aberto pela fala de Sonia, que prepara o leitor com informações básicas sobre o autismo para que ele entre com Nori em seu universo e em sua história cronológica. “É assim que ele funciona”, explica a mãe. Lemos sobre os fatos marcantes de sua vida, que ele elegeu, e o que acontecia no Brasil e no mundo na mesma época.

Nori fala várias línguas, adora ler biografias, livros de história e almanaques. É fã de cinema, de museus, da cultura japonesa, de Jim Davis, Osamu Tezuka. Ama desenhar animais, paisagens e cidades. Mas o que quer fazer agora é viajar mais (os destinos estão na ponta da língua).

Para Masanori, o desenho é uma forma de ele se colocar no mundo, acredita Sonia. “Às vezes, os pais de um autista negligenciam o cuidado emocional. Masanori fez análise cinco dias por semana durante sete anos, o que deu uma bela estruturada nele. Ele é ele, ele se sente ele, e isso é muito importante. É uma pretensão grande, mas talvez eu consiga ajudar outras mães para que não se sintam sozinhas. Existe um caminho.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Maria Fernanda Rodrigues
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